Vencendo o tempo
* Pedro J. Bondaczuk
O tempo tanto pode sepultar um artista, uma personalidade política ou científica, um personagem da vida social etc. no completo esquecimento, a ponto de nem mesmo seus descendentes se lembrarem que existiram. Pode, todavia, também, consagrar quem em vida teve pouco ou nenhum brilho. O que determina esses extremos? Ninguém sabe. Há quem na sua época tivesse fama e fortuna e, tão logo veio a morrer, não raro até em questão de semanas, despencasse no abismo do absoluto olvido. Infelizmente, para o nosso desgosto, não há como fugir desse risco.
Entre os escritores que depois da morte tiveram suas obras, se não mais valorizadas, pelo menos sempre lembradas, está o norte-americano Tennessee Williams. Sempre que o citam, o caracterizam como “dramaturgo”. É como se o novelista, o romancista e o contista também não o fossem. É como se essa caracterização fosse exclusiva de autores de peças de teatro. Não é. Aliás, estes não são, automaticamente, apenas por criarem histórias para serem representadas no palco, autores exclusivamente de “dramas”. Podem (e via de regra são) também de comédias. Prefiro, pois, designar nosso personagem como aquilo que de fato foi: escritor. Até porque também publicou contos e até ensaios.
A rigor, Tennessee nem mesmo era o nome de batismo desse escritor, registrado pelos pais como Thomaz Lanier Williams. Quem nada saiba da sua biografia, imediatamente pode ser levado a supor que ele adotou esse pseudônimo por haver nascido no Estado norte-americano que tem essa denominação. Curiosamente, não foi o que aconteceu.
Tennessee Williams nasceu no Estado de Ohio, mais especificamente, na cidade de Columbus, em 26 de março de 1911. Caso estivesse vivo, portanto, teria completado cem anos recentemente. Teria... O escritor morreu em 25 de fevereiro de 1983, na cidade de Nova York. E por que adotou esse pseudônimo? Foi em homenagem ao pai, que nasceu nesse Estado. E procedeu a essa mudança em 1939.
Seu destaque foram peças teatrais célebres, muitas levadas às telas do cinema e as mais famosas, representadas até hoje, com idêntico sucesso, nos mais diversos palcos mundo afora. Aliás, foram obras desse gênero que lhe valeram dois Prêmios Pulitzer, um deles em 1940, com “Um bonde chamado desejo” e outro em 1955, com “Gata em teto de zinco quente”. Destaque-se que a filmagem desta famosa peça consagrou de vez a atriz Elizabeth Taylor, morta recentemente, pois lhe valeu elogios unânimes da crítica e indicação para o Oscar por seu desempenho na pele da personagem Maggie.
Tennessee Williams foi um sujeito, como dizer?, “controvertido”. Chocou a sociedade conservadora norte-americana do seu tempo, tanto pela dureza dos seus textos, quanto (e principalmente) por seu relacionamento homossexual com o soldado norte-americano, de origem siciliana, Frank Merlo, com o qual viveu de 1947 a 1962, período considerado como o seu melhor, em termos de produtividade e inspiração.
A morte do companheiro, em 1963, levou-o ao desespero e à quase autodestruição. Recorreu, na ocasião, às drogas e ao álcool e cometeu tantos e tamanhos excessos e desatinos, que teve, até, que ser hospitalizado, em 1969, em estado grave. Todavia, recuperou-se. Mas nunca mais foi o mesmo, pelo menos como escritor.
Na década de 70, por exemplo, concentrou-se em escrever suas memórias que nem mesmo sei se chegaram a ser publicadas. Se o foram, constituíram-se num imenso fracasso. Pelo menos não há, em lugar algum, referências a elas. A última obra que lançou igualmente não repercutiu e nem de longe lembrou o estrondoso sucesso de pelo menos uma dezena de suas 33 peças.O tema desse livro foi a tormentosa relação do escritor F. Scott Fitzgerald, com sua esposa Zelda. Foi um total fracasso, tanto de venda, quanto de crítica.
Suas peças, de inegável valor artístico (e até humano), sempre enfrentaram (e em alguns casos ainda enfrentam) feroz oposição dos que misturam arte com moral, duas coisas imiscíveis, como água e óleo, principalmente quando levadas às telas do cinema. Para citar apenas um caso, lembre-se que o cardeal de Nova York, Francis Spellman, qualificou o roteiro do filme “Boneca de carne”, de 1956, dirigido por Elia Kazan, como “repugnante, deplorável, moralmente repulsivo e ofensivo aos padrões cristãos de decência”.
Ocorre que, infelizmente, é a vida de algumas pessoas infelizes e desorientadas é que é tudo isso e... muito mais. Outra peça que sofreu muita censura e que, quando transformada em filme, teve várias de suas cenas cortadas, foi “Um bonde chamado desejo”.
Com tudo isso, porém, o talento de Tennessee Williams teve que ser reconhecido, inclusive por quem menos se esperava: pelo governo norte-americano. Tanto que, em 1980, foi agraciado com a cobiçadíssima Medalha Presidencial da Liberdade, pelo então presidente Jimmy Carter.
Tennesse Williams tanto tentou se destruir que, finalmente, conseguiu. Morreu, aos 71 anos de idade (a um mês e um dia de completar 72), em um quarto do hotel Elysee, de Nova York, onde vivia. Causa da morte? Mistura de álcool e comprimidos, embora até hoje não se saiba se intencional ou acidental. Mas isso importa?
Pois é, se tinha alguém com tudo para ser esquecido, este foi Tennessee Williams. Todavia, não foi e não o será, pelo menos em médio prazo. Tanto que a Biblioteca dos Estados Unidos acaba de lançar 2.053 páginas com sua obra teatral. Ela vem se juntar, conforme lembra um despacho da agência noticiosa espanhola EFE, à de um grupo restrito e seletíssimo de autores teatrais: Eugene O’Neil, George S. Kaufman, Arthur Miller Thornton Wilder. Só estes cinco tiveram esse privilégio.
* Pedro J. Bondaczuk
O tempo tanto pode sepultar um artista, uma personalidade política ou científica, um personagem da vida social etc. no completo esquecimento, a ponto de nem mesmo seus descendentes se lembrarem que existiram. Pode, todavia, também, consagrar quem em vida teve pouco ou nenhum brilho. O que determina esses extremos? Ninguém sabe. Há quem na sua época tivesse fama e fortuna e, tão logo veio a morrer, não raro até em questão de semanas, despencasse no abismo do absoluto olvido. Infelizmente, para o nosso desgosto, não há como fugir desse risco.
Entre os escritores que depois da morte tiveram suas obras, se não mais valorizadas, pelo menos sempre lembradas, está o norte-americano Tennessee Williams. Sempre que o citam, o caracterizam como “dramaturgo”. É como se o novelista, o romancista e o contista também não o fossem. É como se essa caracterização fosse exclusiva de autores de peças de teatro. Não é. Aliás, estes não são, automaticamente, apenas por criarem histórias para serem representadas no palco, autores exclusivamente de “dramas”. Podem (e via de regra são) também de comédias. Prefiro, pois, designar nosso personagem como aquilo que de fato foi: escritor. Até porque também publicou contos e até ensaios.
A rigor, Tennessee nem mesmo era o nome de batismo desse escritor, registrado pelos pais como Thomaz Lanier Williams. Quem nada saiba da sua biografia, imediatamente pode ser levado a supor que ele adotou esse pseudônimo por haver nascido no Estado norte-americano que tem essa denominação. Curiosamente, não foi o que aconteceu.
Tennessee Williams nasceu no Estado de Ohio, mais especificamente, na cidade de Columbus, em 26 de março de 1911. Caso estivesse vivo, portanto, teria completado cem anos recentemente. Teria... O escritor morreu em 25 de fevereiro de 1983, na cidade de Nova York. E por que adotou esse pseudônimo? Foi em homenagem ao pai, que nasceu nesse Estado. E procedeu a essa mudança em 1939.
Seu destaque foram peças teatrais célebres, muitas levadas às telas do cinema e as mais famosas, representadas até hoje, com idêntico sucesso, nos mais diversos palcos mundo afora. Aliás, foram obras desse gênero que lhe valeram dois Prêmios Pulitzer, um deles em 1940, com “Um bonde chamado desejo” e outro em 1955, com “Gata em teto de zinco quente”. Destaque-se que a filmagem desta famosa peça consagrou de vez a atriz Elizabeth Taylor, morta recentemente, pois lhe valeu elogios unânimes da crítica e indicação para o Oscar por seu desempenho na pele da personagem Maggie.
Tennessee Williams foi um sujeito, como dizer?, “controvertido”. Chocou a sociedade conservadora norte-americana do seu tempo, tanto pela dureza dos seus textos, quanto (e principalmente) por seu relacionamento homossexual com o soldado norte-americano, de origem siciliana, Frank Merlo, com o qual viveu de 1947 a 1962, período considerado como o seu melhor, em termos de produtividade e inspiração.
A morte do companheiro, em 1963, levou-o ao desespero e à quase autodestruição. Recorreu, na ocasião, às drogas e ao álcool e cometeu tantos e tamanhos excessos e desatinos, que teve, até, que ser hospitalizado, em 1969, em estado grave. Todavia, recuperou-se. Mas nunca mais foi o mesmo, pelo menos como escritor.
Na década de 70, por exemplo, concentrou-se em escrever suas memórias que nem mesmo sei se chegaram a ser publicadas. Se o foram, constituíram-se num imenso fracasso. Pelo menos não há, em lugar algum, referências a elas. A última obra que lançou igualmente não repercutiu e nem de longe lembrou o estrondoso sucesso de pelo menos uma dezena de suas 33 peças.O tema desse livro foi a tormentosa relação do escritor F. Scott Fitzgerald, com sua esposa Zelda. Foi um total fracasso, tanto de venda, quanto de crítica.
Suas peças, de inegável valor artístico (e até humano), sempre enfrentaram (e em alguns casos ainda enfrentam) feroz oposição dos que misturam arte com moral, duas coisas imiscíveis, como água e óleo, principalmente quando levadas às telas do cinema. Para citar apenas um caso, lembre-se que o cardeal de Nova York, Francis Spellman, qualificou o roteiro do filme “Boneca de carne”, de 1956, dirigido por Elia Kazan, como “repugnante, deplorável, moralmente repulsivo e ofensivo aos padrões cristãos de decência”.
Ocorre que, infelizmente, é a vida de algumas pessoas infelizes e desorientadas é que é tudo isso e... muito mais. Outra peça que sofreu muita censura e que, quando transformada em filme, teve várias de suas cenas cortadas, foi “Um bonde chamado desejo”.
Com tudo isso, porém, o talento de Tennessee Williams teve que ser reconhecido, inclusive por quem menos se esperava: pelo governo norte-americano. Tanto que, em 1980, foi agraciado com a cobiçadíssima Medalha Presidencial da Liberdade, pelo então presidente Jimmy Carter.
Tennesse Williams tanto tentou se destruir que, finalmente, conseguiu. Morreu, aos 71 anos de idade (a um mês e um dia de completar 72), em um quarto do hotel Elysee, de Nova York, onde vivia. Causa da morte? Mistura de álcool e comprimidos, embora até hoje não se saiba se intencional ou acidental. Mas isso importa?
Pois é, se tinha alguém com tudo para ser esquecido, este foi Tennessee Williams. Todavia, não foi e não o será, pelo menos em médio prazo. Tanto que a Biblioteca dos Estados Unidos acaba de lançar 2.053 páginas com sua obra teatral. Ela vem se juntar, conforme lembra um despacho da agência noticiosa espanhola EFE, à de um grupo restrito e seletíssimo de autores teatrais: Eugene O’Neil, George S. Kaufman, Arthur Miller Thornton Wilder. Só estes cinco tiveram esse privilégio.
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