Sunday, July 03, 2011







Questão de crença

Pedro J. Bondaczuk


A sabedoria é, também, questão de crença. Claro que não só dela. Mas sem ela... Como você poderá saber em profundidade algo em que não acredita liminarmente? Pois se não crê, automaticamente não se esforçará para aprender a respeito. E sem o aprendizado (e não me refiro ao formal, o das escolas e universidades, mas ao ditado pela vida), você passará a anos-luz de distância da almejada (e desejada) sabedoria.

Sobre o papel que a consciência desempenha em nossos atos e posturas, Machado de Assis tem uma citação no mínimo curiosa. Creio que seja verdadeira. Pelo menos o tantinho de experiência que tenho me diz que é. O lúcido e preclaro fundador da Academia Brasileira de Letras escreveu, em uma de suas crônicas: “Assim é que um pobretão, crendo ser rico, não padece miséria alguma, e um opulento crendo ser pobre, dá cabo da vida para fugir à mendicidade. Tudo é reflexo da consciência”.

Exagero à parte, esse mesmo tipo de crença pode, em determinadas circunstâncias, ser transposto para o caso da sabedoria. Se você, em seu íntimo, não se sentir sábio, ou a caminho de se tornar um, estará predisposto a de fato nunca ser. Não a buscará e, não a buscando, lógico, jamais a encontrará. Johann Wolfgang Von Goethe escreveu algo mais ou menos com esse mesmo sentido: “Assim que você confiar em si próprio, saberá como se deve viver”. Nunca saberemos se isso é verdadeiro se jamais tentarmos.

E qual é o superlativo de sábio? No meu entender, é gênio. Claro que é uma condição incomum, anormal e, para Fernando Pessoa é, até mesmo, uma “insanidade”. O poeta português entende que se trata de um desarranjo mental similar, guardadas as proporções, ao da loucura, posto que com pequena diferença, que ao fim e ao cabo se torna essencial. Afirma que a genialidade “ é a insanidade tornada sã pela diluição no abstrato, como um veneno convertido em remédio mediante mistura”.

Curiosa essa comparação que, no meu entender, esclarece a questão. Fernando Pessoa diz mais a propósito: “Seu produto próprio (o da genialidade) é a novidade abstrata – isto é, uma novidade que, no fundo, se conforma com as leis gerais da inteligência humana e não com as leis particulares da doença mental. A essência do gênio é a inadaptação ao ambiente; é por isso que o gênio (a menos que seja acompanhado de talento do espírito) é em geral incompreendido pelo seu ambiente, e eu digo 'em geral' e não 'universalmente' porque muito depende do ambiente. Não é a mesma coisa ser um gênio na antiga Grécia e na moderna Europa ou no mundo moderno”.

Aliás, não é a mesma coisa não só ser gênio em ambientes e eras tão díspares, como ser apenas sábio. E esse “apenas” meu é mera força de expressão para enfatizar o valor do gênio. Não diminui, pois, a importância da sabedoria, mas exalta a da genialidade. Tanto uma, quanto a outra, parecem escassear face certa lassidão mental que caracteriza nossa era.

“Mas como?!”, dirá o leitor, achando que o cronista está dizendo o maior dos disparates. “Vivemos em plena era da comunicação total e de um máximo de conhecimento!”, certamente lembrará. É verdade! Mas apenas em parte. Tanto um, quanto outro, não estão universalizados. Aliás, como sempre ocorreu ao longo da História. Ademais, as pessoas fazem enorme confusão semântica em relação aos conceitos.

Concordo plenamente com o escritor francês André Malraux quando acentua: "Estamos vivendo a civilização do conhecimento, mas não da sabedoria. A sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo". E está havendo (excluam as exceções) esse tempero? É isso o que vemos no dia a dia? Não, não e não! Pode até sobrar conhecimento. Mas o juízo... é tão difícil de achar como localizar uma agulha em um palheiro.

Agora sou eu que questiono: de que me vale, por exemplo, conhecer nomes de borboletas, de flores ou de pássaros, a classificação de seus grupos e famílias, saber de seus hábitos e distinguir sua morfologia, se eu for incapaz de os identificar quando vir um desses espécimes? E mais, que valia me trará esse conhecimento se, em contrapartida, eu não souber sequer como chegar ao coração do meu próprio filho, for incapaz de lhe dar os conselhos de que ele precisar e desconhecer a forma de conquistar sua amizade? Com as informações, serei considerado culto, sem dúvida. Mas estarei longe, muito longe de ser sequer esclarecido, quanto mais sábio. Com a aptidão humana da empatia, porém, poderei não estar revelando cultura alguma, é verdade. Mas exercitarei um pouco de sabedoria.

Não raro procuramos nos outros o que nós mesmos deveríamos conhecer de sobejo, mas não conhecemos: a “arte” de viver. Consultamos grandes mestres, buscamos inspiração na vida dos notórios vencedores, recorremos, até, a manuais de auto-ajuda, no afã de encontrar essa lição essencial. Tudo isso pode ser útil, sem dúvida, mas desde que contemos com um fator imprescindível: a autoconfiança.

Se não confiarmos em nós mesmos, se temermos nos expor para não errar, toda tentativa de aprendizado será vã. Seremos eternos fracassados, lamurientos e covardes, desperdiçando o maior bem que temos: a vida. A principal chave do sucesso, qualquer que seja nosso objetivo, é uma só: confiarmos, sem dúvidas ou vacilações, em nossas forças e em nossa capacidade.

Reitero a observação de Johann Wolfgang von Göethe que transcrevi acima: “Assim que você confiar em si próprio, saberá como se deve viver”. E saberá mesmo! Simples assim! E “talvez”, então, você (e eu, claro, que sou um tremendo trapalhão) comece a dar os primeiros passos que o conduzam à sabedoria.

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