Sabedoria e conhecimento
Pedro J. Bondaczuk
A distinção entre sabedoria – ou seja, a capacidade de transformar a intuição, ou a impressão, ou a simples hipótese em “saber” – e o mero conhecimento é um tema que me fascina e que abordo sempre que tenho oportunidade. Essa é uma confusão muito comum que as pessoas fazem. Aquelas simples, por exemplo, que jamais tiveram acesso ao crescente e quase infinito acervo de informação hoje ao nosso dispor (às vezes sequer às primeiras letras) – muitas vezes sábias sem que nem mesmo se dêem conta – acham, na sua simplicidade (diria, santa ingenuidade) que esse dom precioso, ou seja, a sabedoria, só é acessível aos letrados. Aos que freqüentaram bibliotecas e escolas as mais diversas, que têm diplomas em profusão e que conhecem um pouco de tudo. Não é bem assim, creiam-me. E explico a razão.
Muitos desses “doutores”, autênticas enciclopédias ambulantes, não têm discernimento sequer para coisas elementares e comezinhas do dia a dia. Conhecem o âmago do átomo, mas são incapazes de sustentar um relacionamento afetivo sadio e equilibrado. São capazes de nos dar lições de física, química, astronomia ou seja de que disciplina for, mas desconhecem os princípios básicos de higiene e levam vidas tais que os aproximam precocemente do túmulo.
Cultura e informação não são, nunca foram e jamais serão sinônimas de sabedoria. Escrevi isso “n” vezes e, como num teorema, comprovei isso e demonstrei com exemplos práticos. Sábio é quem sabe aproveitar os conhecimentos que adquire, por ínfimos que sejam, mas em sentido prático. Ou seja, é pragmático. Sabe o que fazer com o pouco conhecimento que absorve. Ou que, apenas pela intuição, descobre os melhores caminhos do bem-viver.
Há muita, muitíssima gente com extensíssima coleção de diplomas, insisto, que não enxerga um palmo adiante do nariz. E que por isso, mesmo que goze de fama e seja reverenciada, não chega nem perto de cumprir a principal obrigação que temos na vida: a de sermos felizes. Certamente não são. Samuel Taylor Coleridge resume, nestas palavras, a essência da sabedoria: “Senso comum em grau incomum é o que o mundo chama de sabedoria”. É, de fato, isso, sem tirar e nem pôr.
Montaigne, um dos meus ensaístas prediletos, escreveu a propósito: “A maior coisa do mundo é saber ser para si mesmo”. Isto é o que classifico de sabedoria. É, antes de conhecer o que nos cerca ou que está tão longe que a nossa vista jamais conseguirá abarcar, saber quem é, como pensa, o que faz e o que deseja o próximo mais próximo de nós: nós mesmos. O autoconhecimento é a origem, o princípio e a fonte da sabedoria. Para isso, você sequer precisa saber ler. Claro que é útil e desejável que o saiba. Contudo, mesmo que você, paciente leitor, não concorde, convenhamos: não é essencial.
Oportunidades para adquirir conhecimentos e informações temos a todo o instante, e muitas. Temos que aproveitá-las. Hoje em dia, só é ignorante quem quer. Aliás, a esse propósito, o professor Idel Becker fez uma observação não apenas pertinente, mas perspicaz, posto que realíssima. Escreveu: “Morrer ignorante tendo tido capacidade para ser sábio, isso sim que é uma tragédia humana”. Concordo plenamente. Não há quem não disponha de tal capacidade, mesmo que não em grau superlativo. Notem que o mestre mencionou a “capacidade de ser sábio”, não a de ser culto, letrado ou mesmo bem-informado.
Costuma-se atribuir valor muito alto ao que se entende, erroneamente, por “sabedoria” e, em contrapartida, desdenhar de quem ignora fatos e informações, como se se tratasse de fera bronca, despida de razão e de importância. Há vários fatos a se considerar nessa questão.
Primeiro: é preciso definir com exatidão quem é sábio e por que. É o sujeito bem-informado? É o que conhece um pouco de tudo, de matemática, física, filosofia, direito etc.? Ou é a pessoa que tem noção dos valores, de virtudes e de moral e põe esses conceitos em prática?
Segundo ponto a considerar: o que se entende por ignorante? É o iletrado, que não teve acesso aos bancos escolares? Ou é quem aprendeu tudo o que os mestres tinham a lhe ensinar, mas não sabe o que fazer com todo esse conhecimento?
O terceiro ponto a se ressaltar é: o verdadeiro sábio nunca desdenha de ninguém, qualquer que seja seu grau de conhecimento. Respeita todo o mundo. É humilde e não é arrogante e nem age em circunstância alguma com arrogância. Vê em todo o ser humano, analfabeto ou não, fonte inesgotável de conhecimento e de experiência e busca usufruir plenamente deles.
Costuma-se rotular quem não conhece determinado assunto de ignorante. Por esse critério, porém, todos nós seres humanos, sem exceções, não importa seu grau de leitura e de informação, o somos. E olhem que somos os únicos seres viventes dotados de capacidade de entendimento. Afinal, não existe, nunca existiu e certamente jamais existirá quem conheça tudo de tudo. O pseudo-ignorante, que admite que nada sabe, é muito mais sábio do que o doutor em não sei quantas disciplinas, com pós-graduação, mestrado e doutorado nisso e mais aquilo, e que, por essa razão, pensa que “sabe tudo”. Claro que não sabe!
O norte-americano Arthur Gordon observou a esse propósito: “Talvez a longo prazo o começo da sabedoria resida na aceitação pura e simples de que as coisas não são sempre como gostaríamos que fossem, que nós mesmos não somos tão competentes, tão bons ou tão trabalhadores como gostaríamos de acreditar. Apesar disso...apesar disso... em cada sol que nasce há um novo dia, um novo desafio, uma nova oportunidade para fazer melhor”. E para chegar a essa conclusão, convenhamos, não são necessários diplomas, doutorados, excesso de leitura etc. Requer-se, somente, autoconhecimento, capacidade de auto-análise e... bom-senso.
O ensaísta norte-americano Henry David Thoreau constatou, no memorável ensaio “Caminhando”, do seu livro “Desobedecendo”, o seguinte, a propósito: “A ignorância às vezes é não apenas útil, mas linda; a chamada sabedoria é freqüentemente pior do que inútil, além de horrorosa. Com quem você preferiria lidar – com o homem que nada sabe de um assunto e – o que é raríssimo – sabe que nada sabe, ou com o outro que de fato sabe alguma coisa do assunto, mas pensa que sabe tudo?”. Minha escolha é óbvia. E a sua, qual é?
Pedro J. Bondaczuk
A distinção entre sabedoria – ou seja, a capacidade de transformar a intuição, ou a impressão, ou a simples hipótese em “saber” – e o mero conhecimento é um tema que me fascina e que abordo sempre que tenho oportunidade. Essa é uma confusão muito comum que as pessoas fazem. Aquelas simples, por exemplo, que jamais tiveram acesso ao crescente e quase infinito acervo de informação hoje ao nosso dispor (às vezes sequer às primeiras letras) – muitas vezes sábias sem que nem mesmo se dêem conta – acham, na sua simplicidade (diria, santa ingenuidade) que esse dom precioso, ou seja, a sabedoria, só é acessível aos letrados. Aos que freqüentaram bibliotecas e escolas as mais diversas, que têm diplomas em profusão e que conhecem um pouco de tudo. Não é bem assim, creiam-me. E explico a razão.
Muitos desses “doutores”, autênticas enciclopédias ambulantes, não têm discernimento sequer para coisas elementares e comezinhas do dia a dia. Conhecem o âmago do átomo, mas são incapazes de sustentar um relacionamento afetivo sadio e equilibrado. São capazes de nos dar lições de física, química, astronomia ou seja de que disciplina for, mas desconhecem os princípios básicos de higiene e levam vidas tais que os aproximam precocemente do túmulo.
Cultura e informação não são, nunca foram e jamais serão sinônimas de sabedoria. Escrevi isso “n” vezes e, como num teorema, comprovei isso e demonstrei com exemplos práticos. Sábio é quem sabe aproveitar os conhecimentos que adquire, por ínfimos que sejam, mas em sentido prático. Ou seja, é pragmático. Sabe o que fazer com o pouco conhecimento que absorve. Ou que, apenas pela intuição, descobre os melhores caminhos do bem-viver.
Há muita, muitíssima gente com extensíssima coleção de diplomas, insisto, que não enxerga um palmo adiante do nariz. E que por isso, mesmo que goze de fama e seja reverenciada, não chega nem perto de cumprir a principal obrigação que temos na vida: a de sermos felizes. Certamente não são. Samuel Taylor Coleridge resume, nestas palavras, a essência da sabedoria: “Senso comum em grau incomum é o que o mundo chama de sabedoria”. É, de fato, isso, sem tirar e nem pôr.
Montaigne, um dos meus ensaístas prediletos, escreveu a propósito: “A maior coisa do mundo é saber ser para si mesmo”. Isto é o que classifico de sabedoria. É, antes de conhecer o que nos cerca ou que está tão longe que a nossa vista jamais conseguirá abarcar, saber quem é, como pensa, o que faz e o que deseja o próximo mais próximo de nós: nós mesmos. O autoconhecimento é a origem, o princípio e a fonte da sabedoria. Para isso, você sequer precisa saber ler. Claro que é útil e desejável que o saiba. Contudo, mesmo que você, paciente leitor, não concorde, convenhamos: não é essencial.
Oportunidades para adquirir conhecimentos e informações temos a todo o instante, e muitas. Temos que aproveitá-las. Hoje em dia, só é ignorante quem quer. Aliás, a esse propósito, o professor Idel Becker fez uma observação não apenas pertinente, mas perspicaz, posto que realíssima. Escreveu: “Morrer ignorante tendo tido capacidade para ser sábio, isso sim que é uma tragédia humana”. Concordo plenamente. Não há quem não disponha de tal capacidade, mesmo que não em grau superlativo. Notem que o mestre mencionou a “capacidade de ser sábio”, não a de ser culto, letrado ou mesmo bem-informado.
Costuma-se atribuir valor muito alto ao que se entende, erroneamente, por “sabedoria” e, em contrapartida, desdenhar de quem ignora fatos e informações, como se se tratasse de fera bronca, despida de razão e de importância. Há vários fatos a se considerar nessa questão.
Primeiro: é preciso definir com exatidão quem é sábio e por que. É o sujeito bem-informado? É o que conhece um pouco de tudo, de matemática, física, filosofia, direito etc.? Ou é a pessoa que tem noção dos valores, de virtudes e de moral e põe esses conceitos em prática?
Segundo ponto a considerar: o que se entende por ignorante? É o iletrado, que não teve acesso aos bancos escolares? Ou é quem aprendeu tudo o que os mestres tinham a lhe ensinar, mas não sabe o que fazer com todo esse conhecimento?
O terceiro ponto a se ressaltar é: o verdadeiro sábio nunca desdenha de ninguém, qualquer que seja seu grau de conhecimento. Respeita todo o mundo. É humilde e não é arrogante e nem age em circunstância alguma com arrogância. Vê em todo o ser humano, analfabeto ou não, fonte inesgotável de conhecimento e de experiência e busca usufruir plenamente deles.
Costuma-se rotular quem não conhece determinado assunto de ignorante. Por esse critério, porém, todos nós seres humanos, sem exceções, não importa seu grau de leitura e de informação, o somos. E olhem que somos os únicos seres viventes dotados de capacidade de entendimento. Afinal, não existe, nunca existiu e certamente jamais existirá quem conheça tudo de tudo. O pseudo-ignorante, que admite que nada sabe, é muito mais sábio do que o doutor em não sei quantas disciplinas, com pós-graduação, mestrado e doutorado nisso e mais aquilo, e que, por essa razão, pensa que “sabe tudo”. Claro que não sabe!
O norte-americano Arthur Gordon observou a esse propósito: “Talvez a longo prazo o começo da sabedoria resida na aceitação pura e simples de que as coisas não são sempre como gostaríamos que fossem, que nós mesmos não somos tão competentes, tão bons ou tão trabalhadores como gostaríamos de acreditar. Apesar disso...apesar disso... em cada sol que nasce há um novo dia, um novo desafio, uma nova oportunidade para fazer melhor”. E para chegar a essa conclusão, convenhamos, não são necessários diplomas, doutorados, excesso de leitura etc. Requer-se, somente, autoconhecimento, capacidade de auto-análise e... bom-senso.
O ensaísta norte-americano Henry David Thoreau constatou, no memorável ensaio “Caminhando”, do seu livro “Desobedecendo”, o seguinte, a propósito: “A ignorância às vezes é não apenas útil, mas linda; a chamada sabedoria é freqüentemente pior do que inútil, além de horrorosa. Com quem você preferiria lidar – com o homem que nada sabe de um assunto e – o que é raríssimo – sabe que nada sabe, ou com o outro que de fato sabe alguma coisa do assunto, mas pensa que sabe tudo?”. Minha escolha é óbvia. E a sua, qual é?
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