De polêmica em polêmica
Pedro J. Bondaczuk
O escritor canadense Yann Martel parece adorar uma boa polêmica. Caso não goste, as circunstâncias que o envolvem fazem com que, volta e meia, esteja metido em uma. É mister ressaltar que se trata de um sujeito bem-sucedido no mundo da literatura. Seu romance anterior, “A vida de Pi”, recebeu excelente acolhida da crítica de língua inglesa. Mais do que isso, esgotou edições após edições. Foi traduzido para 41 idiomas e valeu-lhe a consagração na época, com a conquista, em 2002, do cobiçado “Man Booker Prize”, um dos mais prestigiosos prêmios internacionais de literatura.
Esperava-se que Martel fosse “ surfar” nessa onda de sucesso, lançando novos livros, com a mesma qualidade de “A vida de Pi” e idêntico êxito. Não foi o que aconteceu. De repente, o escritor sumiu do cenário editorial por praticamente uma década, para só retornar agora, com o não menos polêmico romance “Beatriz & Virgílio”. Este, pelo menos no primeiro momento, parece não agradar à crítica. Pelo menos vem desagradando maioria dos críticos.
No novo livro, Yann Martel propõe-se a uma nova abordagem do “Holocausto” nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. O mesmo mote da sua história é a indagação dos que leram esse romance. O enredo começa envolvendo um escritor, que atravessa profunda crise de criatividade e que tem sua obra literária rejeitada por um editor que, após a leitura de algumas páginas, lhe indaga: sobre o que é o seu livro?
Ocorre que esse personagem principal não consegue resumir, de forma inteligível e coerente, esse misto de romance e ensaio que apresentou ao editor. Na vida real, no caso de “Beatriz & Virgílio”, fica-se com essa mesma dúvida, com idêntica sensação.
O motivo que me leva a escrever a propósito, porém, não é o enredo do livro, longe disso. E sequer me proponho a fazer uma resenha a respeito, já que nunca, em minhas análises, estraguei o fator surpresa do leitor. Quem quiser saber o assunto do romance, que o compre e leia. O que me move a tratar de Yann Martel é o fato de, volta e meia, estar envolvido em alguma (ou algumas) polêmica.
Por exemplo, todos conhecem-no como escritor canadense. Não é!. O Canadá não é sua terra natal, mas sim a Espanha, onde nasceu em 1963 (como se vê, é um autor bastante jovem, de apenas 48 anos de idade). Outro aspecto a ressaltar é o fato de utilizar, invariavelmente, animais em seus enredos, ora como “personagens centrais”, ora como subsidiários, diríamos, como “figurantes”. Fez isso em “A vida de Pi”. Torna a repetir a fórmula em “Beatriz & Virgílio”.
Aliás, no seu tão bem-sucedido e premiado romance anterior, envolveu-se (ou foi envolvido) em outra polêmica. Dessa vez, foi acusado de plagiar um trecho do livro do brasileiro Moacyr Scliar (recentemente falecido) “Max e os felino”". Yann Martel, obviamente, negou o plágio e aproveitou para elogiar a postura “elegante” do escritor gaúcho. Confessou que houve, sim, uma certa “influência”. Mas garantiu que não plagiou Scliar.
No livro do escritor brasileiro há um trecho em que um homem fica preso em um bote salva-vidas com uma pantera. Em “A vida de Pi”, “um adolescente divide o espaço com um tigre e outros bichos”. Da minha parte, estou convencido de que não houve o alegado plágio. Mas... a discussão rendeu, e por bom tempo, muita polêmica.
Yann Martel negou, em entrevista que concedeu ao jornal “O Estado de São Paulo”, que a demora para lançar “Beatriz & Virgílio” se deveu ao que atribuiu ao personagem principal do romance: à crise de criatividade (o grande “fantasma” de nós, escritores e, ademais, de todos os artistas). Justificou que o tema exigia maiores pesquisas, já que pretendia tratar o Holocausto de forma original. Ou seja, sem uma descrição explícita daqueles horrores, mas de forma metafórica. Para tanto, leu muitos livros a propósito, escritos por sobreviventes de campos de concentração, e esteve, até mesmo, na Polônia e em Israel, para entrevistar alguns deles.
Mas se vocês pensam que as polêmicas em que Martel se envolveu foram, apenas, as citadas, estão enganados. A maior delas envolveu o próprio primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper. O político fez uma declaração nitidamente infeliz, em que mostrou que não era, digamos, grande leitor de obras literárias. Disse que o seu livro favorito (vejam só!)_era o “Guiness Book”. Martel não se fez de rogado. Mandou ao primeiro-ministro, a cada duas semanas, ao longo de quatro anos, bons livros, de todos os tipos, acompanhados de cartas justificando a escolha.
Claro que isso repercutiu, e bastante. Mas o escritor admitiu que essa sua “gentileza” lhe consumiu um tempo enorme, o que, conforme disse, retardou a conclusão e publicação de “Beatriz & Virgílio” (lançado, no Brasil, pela Editora Nova Fronteira, com tradução de Maria Helena Rouanet).
Justificando a presença de animais em seus enredos, Yann Martel afirmou: “Poucos autores de ficção adulta recorrem a animais. O resultado não é só uma ausência cada vez maior de animais em nosso mundo real, mas também no imaginário. Só autores de literatura infantil fazem muito uso de animais. É uma pena. Eu não sei o que há de infantil sobre um tigre ou elefante”. Eu também não!
A propósito, a Beatriz, do título do romance, não é nenhuma donzela, ou princesa, ou sequer mulher. É uma mula! E seu “parceiro”, Virgílio, vem a ser um macaco. Podem falar o que quiserem de Martel, menos que ele não seja original. E, principalmente, que não adore uma boa polêmica.
Pedro J. Bondaczuk
O escritor canadense Yann Martel parece adorar uma boa polêmica. Caso não goste, as circunstâncias que o envolvem fazem com que, volta e meia, esteja metido em uma. É mister ressaltar que se trata de um sujeito bem-sucedido no mundo da literatura. Seu romance anterior, “A vida de Pi”, recebeu excelente acolhida da crítica de língua inglesa. Mais do que isso, esgotou edições após edições. Foi traduzido para 41 idiomas e valeu-lhe a consagração na época, com a conquista, em 2002, do cobiçado “Man Booker Prize”, um dos mais prestigiosos prêmios internacionais de literatura.
Esperava-se que Martel fosse “ surfar” nessa onda de sucesso, lançando novos livros, com a mesma qualidade de “A vida de Pi” e idêntico êxito. Não foi o que aconteceu. De repente, o escritor sumiu do cenário editorial por praticamente uma década, para só retornar agora, com o não menos polêmico romance “Beatriz & Virgílio”. Este, pelo menos no primeiro momento, parece não agradar à crítica. Pelo menos vem desagradando maioria dos críticos.
No novo livro, Yann Martel propõe-se a uma nova abordagem do “Holocausto” nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. O mesmo mote da sua história é a indagação dos que leram esse romance. O enredo começa envolvendo um escritor, que atravessa profunda crise de criatividade e que tem sua obra literária rejeitada por um editor que, após a leitura de algumas páginas, lhe indaga: sobre o que é o seu livro?
Ocorre que esse personagem principal não consegue resumir, de forma inteligível e coerente, esse misto de romance e ensaio que apresentou ao editor. Na vida real, no caso de “Beatriz & Virgílio”, fica-se com essa mesma dúvida, com idêntica sensação.
O motivo que me leva a escrever a propósito, porém, não é o enredo do livro, longe disso. E sequer me proponho a fazer uma resenha a respeito, já que nunca, em minhas análises, estraguei o fator surpresa do leitor. Quem quiser saber o assunto do romance, que o compre e leia. O que me move a tratar de Yann Martel é o fato de, volta e meia, estar envolvido em alguma (ou algumas) polêmica.
Por exemplo, todos conhecem-no como escritor canadense. Não é!. O Canadá não é sua terra natal, mas sim a Espanha, onde nasceu em 1963 (como se vê, é um autor bastante jovem, de apenas 48 anos de idade). Outro aspecto a ressaltar é o fato de utilizar, invariavelmente, animais em seus enredos, ora como “personagens centrais”, ora como subsidiários, diríamos, como “figurantes”. Fez isso em “A vida de Pi”. Torna a repetir a fórmula em “Beatriz & Virgílio”.
Aliás, no seu tão bem-sucedido e premiado romance anterior, envolveu-se (ou foi envolvido) em outra polêmica. Dessa vez, foi acusado de plagiar um trecho do livro do brasileiro Moacyr Scliar (recentemente falecido) “Max e os felino”". Yann Martel, obviamente, negou o plágio e aproveitou para elogiar a postura “elegante” do escritor gaúcho. Confessou que houve, sim, uma certa “influência”. Mas garantiu que não plagiou Scliar.
No livro do escritor brasileiro há um trecho em que um homem fica preso em um bote salva-vidas com uma pantera. Em “A vida de Pi”, “um adolescente divide o espaço com um tigre e outros bichos”. Da minha parte, estou convencido de que não houve o alegado plágio. Mas... a discussão rendeu, e por bom tempo, muita polêmica.
Yann Martel negou, em entrevista que concedeu ao jornal “O Estado de São Paulo”, que a demora para lançar “Beatriz & Virgílio” se deveu ao que atribuiu ao personagem principal do romance: à crise de criatividade (o grande “fantasma” de nós, escritores e, ademais, de todos os artistas). Justificou que o tema exigia maiores pesquisas, já que pretendia tratar o Holocausto de forma original. Ou seja, sem uma descrição explícita daqueles horrores, mas de forma metafórica. Para tanto, leu muitos livros a propósito, escritos por sobreviventes de campos de concentração, e esteve, até mesmo, na Polônia e em Israel, para entrevistar alguns deles.
Mas se vocês pensam que as polêmicas em que Martel se envolveu foram, apenas, as citadas, estão enganados. A maior delas envolveu o próprio primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper. O político fez uma declaração nitidamente infeliz, em que mostrou que não era, digamos, grande leitor de obras literárias. Disse que o seu livro favorito (vejam só!)_era o “Guiness Book”. Martel não se fez de rogado. Mandou ao primeiro-ministro, a cada duas semanas, ao longo de quatro anos, bons livros, de todos os tipos, acompanhados de cartas justificando a escolha.
Claro que isso repercutiu, e bastante. Mas o escritor admitiu que essa sua “gentileza” lhe consumiu um tempo enorme, o que, conforme disse, retardou a conclusão e publicação de “Beatriz & Virgílio” (lançado, no Brasil, pela Editora Nova Fronteira, com tradução de Maria Helena Rouanet).
Justificando a presença de animais em seus enredos, Yann Martel afirmou: “Poucos autores de ficção adulta recorrem a animais. O resultado não é só uma ausência cada vez maior de animais em nosso mundo real, mas também no imaginário. Só autores de literatura infantil fazem muito uso de animais. É uma pena. Eu não sei o que há de infantil sobre um tigre ou elefante”. Eu também não!
A propósito, a Beatriz, do título do romance, não é nenhuma donzela, ou princesa, ou sequer mulher. É uma mula! E seu “parceiro”, Virgílio, vem a ser um macaco. Podem falar o que quiserem de Martel, menos que ele não seja original. E, principalmente, que não adore uma boa polêmica.
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