Wednesday, July 27, 2011







O bom e o ruim do festival


Pedro J. Bondaczuk


O "Festival dos Festivais", realização da Rede Globo destinada a marcar o vigésimo aniversário da emissora, chega à sua fase final amanhã, apresentando uma série de coisas boas e ruins. As negativas já tivemos a oportunidade de expor em análises anteriores, neste mesmo espaço, e centralizam-se, sobretudo, numa ênfase exagerada no lado visual da apresentação das concorrentes em detrimento do conteúdo. E em algumas decisões equivocadas dos dois júris, o da fase classificatória e o da semifinal (mais este último) nas diversas etapas da competição.

Sábado passado os jurados cometeram uma outra gafe, ao desclassificarem o único samba incluído no festival, o "Recriando a Criação", da dupla Martinho da Vila e Zé Catimba, colocando em seu lugar o "Vamp Neguinha", outra brincadeira musical do tipo de "Os Metaleiros Também Amam". Mas o erro de escolha, felizmente, ficou restrito apenas a essa composição. As demais classificadas para a final de amanhã, "Novos Rumos", "Verde", "Tempo Certo", "Escrito nas Estrelas" e "Mira Ira" são trabalhos de excelente qualidade (eu diria até, surpreendente) e que passaram um tanto despercebidos nas primeiras fases da competição.

Nesse elenco supracitado estão, inclusive, duas das nossas favoritas (e também do público, a julgar pela sua reação) para vencer o festival. A primeira delas é uma moderna canção de amor composta por Arnaldo Black e Carlos Rennó, defendida com uma garra invulgar por uma das melhores intérpretes da jovem geração de cantores da atualidade, a sensual, trepidante, bonita e afinadíssima Tetê Espínola. Séria candidata, por sinal, ao prêmio de interpretação, ao lado da paraense Leila Pinheiro e de Emílio Santiago. Trata-se de "Escrito nas Estrelas", uma das coisas mais lindas que foram compostas nos últimos tempos.

Mas a grande favorita do festival (se o júri não desejar fazer média) é sem dúvida nenhuma essa empolgante canção de Vanderlei de Castro e Lula Barbosa, "Mira Ira". Empolgante pela letra, explorando um tema de cultura indígena, bem dentro da moderna música latino-americana. Empolgante pelo excelente arranjo musical, um dos melhores de toda a competição. Empolgante por seu refrão, que fez, no sábado passado, a platéia toda, presente ao Maracanãzinho, prorromper no consagrador corinho de "já ganhou". E, sobretudo, empolgante, arrepiante, vibrante na interpretação de Lula Barbosa e do Grupo Tarancón. Dificilmente, portanto, essa composição deixará de ser a ganhadora do "Festival dos Festivais".

Uma terceira favorita, que reúne algumas chances reais, é "Ellis, Ellis", do campineiro Estevam Natolo Júnior, em parceria com o baiano Marcelo Simões, defendida com talento e emoção por Emílio Santiago. Trata-se de uma canção mais para se ouvir do que para se dançar, com uma letra evocando (com muita inteligência e propriedade) trechos de músicas que compuseram o repertório de uma das melhores cantoras brasileiras de todos os tempos.

Em competições dessa natureza, onde as classificadas representam, cada uma delas, um caminho totalmente diferente da moderna MPB, é muito arriscado o crítico fazer qualquer previsão quanto à vencedora. Mas dificilmente haverá qualquer surpresa. Talvez "O Condor", de Oswaldo Montenegro, venha a se constituir na "zebra", mas, se isso ocorrer, estará sendo cometida outra grande gafe. Não que a composição não reúna seus méritos. Ocorre que as três mencionadas anteriormente lhe são muitos furos superiores.

O "Festival dos Festivais", se não foi aquilo que o público e a crítica esperavam, em seu conjunto, em alguns aspectos, deixa um saldo muito bom. Em primeiro lugar, coloca em confronto na finalíssima de amanhã doze tendências diferentes entre si na música brasileira. Inclusive um autêntico chorinho, "Novos Rumos", do veterano compositor pernambucano Rossini Ferreira, em parceria com Ana Ivo e um bumba-meu-boi ribamar, bem no estilo do Maranhão, "Tempo Certo", de Ubiratan de Souza. Mostra excelentes intérpretes, alguns até então desconhecidos do grande público, como Cida Moreira, a paraense Leila Pinheiro, Emílio Santiago, Oswaldo Montenegro, Tetê Espínola e o grupo Tarancón. Sem falar dos sempre eficientes grupos Língua de Trapo e Joelho de Porco. Ou da graça e candura de "Os Abelhudos". Apresenta, sobretudo, arranjos de primeiríssima qualidade.

É evidente que muitos críticos vão discordar de nós, o que é muito saudável. Mas quem entende de verdade de música e não é apenas um curioso sabe que "Mira Ira", ou "Escrito nas Estrelas" não ficam nada a dever, por exemplo, a "Disparada", a "Ponteio", a "Sabiá" e a algumas outras tantas grandes vencedoras de festivais passados. É preciso criticar aquilo que é passivo de crítica. Afinal, nossa função é exatamente esta. Mas esse exercício requer lucidez, conhecimento, objetividade e sobretudo isenção. Afirmar que o festival não trouxe nenhuma contribuição à música popular é a ausência completa de tudo isso. É não querer enxergar o óbvio e tapear a opinião e o bom gosto do telespectador.

(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedade, do Correio Popular, em 25 de outubro de 1985)

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