Iluminista dos trópicos
Pedro J. Bondaczuk
Nós, aqui do Sudeste e, mais especificamente, do eixo Rio-São Paulo, raramente nos damos conta que em outras regiões do País, diria em todas, também se faz literatura, e de primeira qualidade. Só nos lembramos de escritores de outras áreas, que não a nossa, quando conquistam algum prêmio literário desses bem badalados, logram eleger-se para a Academia Brasileira de Letras ou... quando morrem.
No dia 26 de fevereiro de 2011, no mesmo domingo em que a cultura brasileira perdeu um de seus maiores expoentes, Moacir Scliar, morria, na Beneficência Portuguesa de Belém, no Pará, um dos mais completos intelectuais que o Brasil já produziu, caracterizado, com extrema felicidade por Adriana Klautau Leite, como “o iluminista dos trópicos”: Benedito José Viana da Costa Nunes.
Esse paraense afável e sempre bem humorado, de uma cultura geral tamanha que não seria nenhum exagero (pelo contrário) caracterizá-lo como “gênio”, nasceu na bela capital do Pará em 21 de novembro de 1929. Morreu, portanto, aos 81 anos, abrindo uma lacuna que dificilmente será preenchida nos cenários literário, filosófico e cultural nacionais.
Sua erudição não o fez escritor popular. Nem poderia. É preciso muito preparo para entender o que escreveu. Não que seu estilo fosse obscuro, longe disso, mas os temas que tratou é que são sumamente complexos. Ademais, não era poeta, romancista ou contista e, por isso, não atraiu tantos leitores. Conquistou-os, sim, mas estes se caracterizaram sempre pela “qualidade intelectual” e não pela quantidade.
Benedito Nunes foi crítico literário (dos mais respeitados do País pela coerência e precisão de análise), professor, ensaísta e, principalmente, filósofo. Provavelmente, o mais reputado e respeitado do Brasil. Afinal, foi o fundador da Academia Brasileira de Filosofia. Convenhamos, não é pouca coisa.
Caracterizar com precisão o tipo de literatura feito por Benedito Nunes com um simples rótulo é, virtualmente, impossível. Adriana Leite informa que, em certa ocasião, Clarice Lispector disse ao intelectual paraense: “Você não é um crítico, mas algo diferente, que não sei o que é”. Eu, humildemente, sei: é gênio! É a melhor caracterização que encontro ao ler o que escreveu.
Antônio Cândido, embora não com as mesmas palavras que usei, sugeriu a mesma coisa, ao afirmar que Benedito Nunes representava “um tipo muito raro de intelectual, capaz de ser um grande crítico literário e, ao mesmo tempo, um filósofo”. E que filósofo! Foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará.
O que caracteriza um escritor e o marca na memória nacional? Ora, ora, ora, claro, a sua obra! E a de Benedito Nunes é das mais brilhantes e ecléticas. Escreveu, por exemplo, “O drama da linguagem, uma leitura de Clarice Lispector”. Foi esse livro, aliás, que levou a escritora a se manifestar da forma que se manifestou para esse intelectual, ou seja, negando que ele fosse “só” um crítico literário. Era isso e muito mais.
Outras obras suas são, por exemplo, “O tempo na narrativa. Introdução à Filosofia da Arte”; “O dorso do tigre” (ensaios filosóficos e literários); “João Cabral de Melo Neto” (que integra a Coleção Poetas Modernos do Brasil); “Oswald Canibal” (da Coleção Elos); “Passagem para o poético: A filosofia contemporânea”; “No tempo do niilismo e outros ensaios” e “Crivo de papel” (ensaios literários e filosóficos).
Escreveu outros livros, mas creio que os que citei já se constituem em boa amostragem da sua importância. Outro parâmetro de avaliação das obras de um autor é a quantidade de prêmios e a importância deles, que recebeu. E nesse quesito, também, Benedito Nunes tem sólidas conquistas a ostentar. Foi agraciado, por exemplo, com o Jabuti, de 1967, pelo estudo da obra do filósofo Martin Heidegger, um dos mais complexos e badalados do século XX. Ganhou, ainda, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 2010, pelo conjunto de sua obra. E que obra!
Citando, mais uma vez, o artigo de Adriana Klautau Leite, publicado no site “Revista Brasileiros” (WWW.revistabrasileiros.com.br), é mister citar a curiosa definição de Benedito Nunes acerca do próprio trabalho: “Um tipo mestiço das duas espécies, a filosofia e a literatura. Tento, dessa forma, fazer a ligação entre os dois campos, porém sem nivelar e diminuir um ou outro, mas mostrar as suas correlações, afinidades e oposições”. E deve-se acrescentar, conseguiu essa façanha com competência e brilhantismo. Diria, de forma bem popular, “com um pé nas costas”.
O amazonense, aliás, manauara, Milton Hatoum assim se manifestou em relação a esse legítimo “iluminista dos trópicos”: Benedito Nunes é um intelectual completo, um humanista. A filosofia e a literatura não estão separadas na visão crítica de Benedito. É claro que há trabalhos dele estritamente filosóficos, como o de Heidegger, mas é um desses filósofos apaixonados por literatura, uma espécie de iluminista dos trópicos, do Equador, para ser mais exato. Ele soube, na crítica literária, usar a filosofia com muita propriedade”.
A propósito, para quem não lembra, o Iluminismo, movimento filosófico de fins do século XVII e início do XVIII, foi uma síntese de diversas tradições filosóficas, sociais, políticas, correntes intelectuais e atitudes religiosas. Foi uma aposta no homem mediante a convicção de que ele pode tornar o mundo melhor, através da introspecção, livre exercício das suas capacidades e engajamento político-social.
Pedro J. Bondaczuk
Nós, aqui do Sudeste e, mais especificamente, do eixo Rio-São Paulo, raramente nos damos conta que em outras regiões do País, diria em todas, também se faz literatura, e de primeira qualidade. Só nos lembramos de escritores de outras áreas, que não a nossa, quando conquistam algum prêmio literário desses bem badalados, logram eleger-se para a Academia Brasileira de Letras ou... quando morrem.
No dia 26 de fevereiro de 2011, no mesmo domingo em que a cultura brasileira perdeu um de seus maiores expoentes, Moacir Scliar, morria, na Beneficência Portuguesa de Belém, no Pará, um dos mais completos intelectuais que o Brasil já produziu, caracterizado, com extrema felicidade por Adriana Klautau Leite, como “o iluminista dos trópicos”: Benedito José Viana da Costa Nunes.
Esse paraense afável e sempre bem humorado, de uma cultura geral tamanha que não seria nenhum exagero (pelo contrário) caracterizá-lo como “gênio”, nasceu na bela capital do Pará em 21 de novembro de 1929. Morreu, portanto, aos 81 anos, abrindo uma lacuna que dificilmente será preenchida nos cenários literário, filosófico e cultural nacionais.
Sua erudição não o fez escritor popular. Nem poderia. É preciso muito preparo para entender o que escreveu. Não que seu estilo fosse obscuro, longe disso, mas os temas que tratou é que são sumamente complexos. Ademais, não era poeta, romancista ou contista e, por isso, não atraiu tantos leitores. Conquistou-os, sim, mas estes se caracterizaram sempre pela “qualidade intelectual” e não pela quantidade.
Benedito Nunes foi crítico literário (dos mais respeitados do País pela coerência e precisão de análise), professor, ensaísta e, principalmente, filósofo. Provavelmente, o mais reputado e respeitado do Brasil. Afinal, foi o fundador da Academia Brasileira de Filosofia. Convenhamos, não é pouca coisa.
Caracterizar com precisão o tipo de literatura feito por Benedito Nunes com um simples rótulo é, virtualmente, impossível. Adriana Leite informa que, em certa ocasião, Clarice Lispector disse ao intelectual paraense: “Você não é um crítico, mas algo diferente, que não sei o que é”. Eu, humildemente, sei: é gênio! É a melhor caracterização que encontro ao ler o que escreveu.
Antônio Cândido, embora não com as mesmas palavras que usei, sugeriu a mesma coisa, ao afirmar que Benedito Nunes representava “um tipo muito raro de intelectual, capaz de ser um grande crítico literário e, ao mesmo tempo, um filósofo”. E que filósofo! Foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará.
O que caracteriza um escritor e o marca na memória nacional? Ora, ora, ora, claro, a sua obra! E a de Benedito Nunes é das mais brilhantes e ecléticas. Escreveu, por exemplo, “O drama da linguagem, uma leitura de Clarice Lispector”. Foi esse livro, aliás, que levou a escritora a se manifestar da forma que se manifestou para esse intelectual, ou seja, negando que ele fosse “só” um crítico literário. Era isso e muito mais.
Outras obras suas são, por exemplo, “O tempo na narrativa. Introdução à Filosofia da Arte”; “O dorso do tigre” (ensaios filosóficos e literários); “João Cabral de Melo Neto” (que integra a Coleção Poetas Modernos do Brasil); “Oswald Canibal” (da Coleção Elos); “Passagem para o poético: A filosofia contemporânea”; “No tempo do niilismo e outros ensaios” e “Crivo de papel” (ensaios literários e filosóficos).
Escreveu outros livros, mas creio que os que citei já se constituem em boa amostragem da sua importância. Outro parâmetro de avaliação das obras de um autor é a quantidade de prêmios e a importância deles, que recebeu. E nesse quesito, também, Benedito Nunes tem sólidas conquistas a ostentar. Foi agraciado, por exemplo, com o Jabuti, de 1967, pelo estudo da obra do filósofo Martin Heidegger, um dos mais complexos e badalados do século XX. Ganhou, ainda, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 2010, pelo conjunto de sua obra. E que obra!
Citando, mais uma vez, o artigo de Adriana Klautau Leite, publicado no site “Revista Brasileiros” (WWW.revistabrasileiros.com.br), é mister citar a curiosa definição de Benedito Nunes acerca do próprio trabalho: “Um tipo mestiço das duas espécies, a filosofia e a literatura. Tento, dessa forma, fazer a ligação entre os dois campos, porém sem nivelar e diminuir um ou outro, mas mostrar as suas correlações, afinidades e oposições”. E deve-se acrescentar, conseguiu essa façanha com competência e brilhantismo. Diria, de forma bem popular, “com um pé nas costas”.
O amazonense, aliás, manauara, Milton Hatoum assim se manifestou em relação a esse legítimo “iluminista dos trópicos”: Benedito Nunes é um intelectual completo, um humanista. A filosofia e a literatura não estão separadas na visão crítica de Benedito. É claro que há trabalhos dele estritamente filosóficos, como o de Heidegger, mas é um desses filósofos apaixonados por literatura, uma espécie de iluminista dos trópicos, do Equador, para ser mais exato. Ele soube, na crítica literária, usar a filosofia com muita propriedade”.
A propósito, para quem não lembra, o Iluminismo, movimento filosófico de fins do século XVII e início do XVIII, foi uma síntese de diversas tradições filosóficas, sociais, políticas, correntes intelectuais e atitudes religiosas. Foi uma aposta no homem mediante a convicção de que ele pode tornar o mundo melhor, através da introspecção, livre exercício das suas capacidades e engajamento político-social.
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