Sunday, July 24, 2011







Índia luta pela sobrevivência

Pedro J. Bondaczuk


O presidente indiano, Ramaswamy Venkataraman, em discurso que pronunciou no início do corrente ano, fez um dramático apelo por reconciliação no país, sob pena da violência acabar por desagregar a Índia. Pouca gente deu atenção às suas sombrias, mas lúcidas advertências.
No plano interno, as pessoas estavam preocupadas com os problemas econômicos e sociais que afetam essa desarmoniosa sociedade. No externo, as atenções estavam todas voltadas para a guerra do Golfo Pérsico.
A invasão iraquiana do Kuwait, em 2 de agosto de 1990, fez com que os meios de comunicação não se detivessem no drama que se desenrolava, por exemplo, na cidade de Ayodhya, Estado de Uttar Pradesh, onde muçulmanos e hinduístas se trucidavam em torno de uma questão sem grande importância para os ocidentais, mas fundamental para os habitantes da região.
A controvérsia, ainda irresoluta, gira em torno de um santuário. Os seguidores do hinduísmo, religião majoritária da Índia, querem, de todas as formas, demolir uma mesquita, erguida no século XVI. Argumentam que no local onde ela se situa, havia, há séculos, um templo em homenagem ao deus Rama, que teria nascido exatamente ali.
Na impossibilidade das partes dialogarem, já que o preconceito e o fanatismo impedem uma atitude racional, nos últimos dois anos, apenas por causa desse tema, mais de duas mil pessoas, de ambas facções, já foram mortas. Como a cada morte tem correspondido uma vingança, a escalada da violência em Uttar Pradesh está longe de ser detida.
Houvesse somente esse problema, e ainda assim existiriam sérios motivos de preocupação para as autoridades. A questão, porém, não passa de uma minúscula gota de água num oceano de ódios acumulados às vezes por milênios.
Os “sikhs” do Estado do Punjab, o mais rico e progressista do país, querem, a todo o custo, a sua separação, para estabelecer ali a República do Kalistão, aquilo que denominam de “pátria dos puros”. A região transformou-se num barril de pólvora, principalmente após a intervenção armada no Templo Dourado de Amritsar, o santuário mais sagrado da seita, ocorrida em 6 de junho de 1984, e que redundou na morte de cerca de 700 separatistas.
No Sul, há o ressentimento dos tamis contra as autoridades de Nova Delhi, pela intervenção indiana no Sri Lanka, em agosto de 1987. A interferência da Índia na guerra civil do país insular vizinho teve o objetivo de promover sua reconciliação nacional.
Todavia, as tropas enviadas para lá foram atacadas por guerrilheiros da etnia minoritária e reagiram. Em pouco tempo, ao invés de contribuírem para a promoção da paz, atolaram-se na violência e, literalmente, não conseguiram sair dela. Os tamis contavam que as forças indianas os beneficiariam. Quando perceberam que não seria bem assim, que seu objetivo não era este, ficaram muito ressentidos com o então primeiro-ministro Rajiv Gandhi.
Daí as suspeitas maiores sobre a autoria do assassinato do jovem político estarem recaindo sobre este grupo étnico do Sri Lanka e seus irmãos na própria Índia. Violência, porém, há em muitos outros Estados do país, pelas mais diversas razões. Como em Assam. Como em Andra Pradesh. Como na sempre explosiva Cachemira e Jammu.
O ex-primeiro-ministro assassinado, em seu último depoimento, ainda não publicado, para a revista Eyewitness, previu que esse clima de ódio ameaçava a nação de desagregação. Que o país estava lutando agora não apenas para se desenvolver, mas pela sobrevivência. “Sobrevivência enquanto nação. Talvez sobrevivência enquanto civilização”. Os fatos posteriores se encarregaram de demonstrar que ele estava totalmente certo.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 24 de maio de 1991)

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