Friday, July 01, 2011







Só deu São Paulo

Pedro J. Bomdaczuk

O Festival dos Festivais da Rede Globo, encerrado no sábado passado com a finalíssima no Ginásio do Maracanãzinho, se não foi um primor de competição (e não foi mesmo), acabou sendo salvo pelo gongo, através de uma providencial decisão do júri escolhido para avaliar as composições concorrentes. Propositalmente ou não, os jurados acabaram dando ouvidos (e fazendo coro) à crítica e dando prêmio às únicas músicas (à exceção de uma que merecia melhor sorte) que tinham alguma qualidade.

E conforme a nossa previsão da semana passada, as duas vedetes da noite acabaram sendo "Escrito nas Estrelas", da dupla Arnaldo Black e Carlos Rennó, defendida com raro brilhantismo por Tetê Espíndola e "Mira Ira", de Vanderlei de Castro e Lula Barbosa, interpretada pelo próprio Lula ao lado de Míriam Mirah, que foram escorados pelos grupos Tarancón e Placa Luminosa. A única ressalva que fazemos a respeito do resultado é quanto a "Ellis, Ellis", que merecia melhor sorte do que simplesmente servir para premiar a interpretação impecável de Emílio Santiago. Mas isso seria já querer demais dos jurados, não é mesmo? Pelo visto, eles não entenderam nada da brilhante mensagem que Estevam Natolo Júnior e Marcelo Simões tentaram passar.

Não estamos aqui, longe disso, questionando a qualidade de "Verde", de Eduardo Gudin e Costa Neto, detentora da terceira colocação. A composição é de fato um samba muito gostoso, palatável e portanto um grande "prato" para o consumo popular. Mas no nosso entender, e seguiremos sempre batendo nesta tecla, "Ellis, Ellis" como proposta, quer temática, quer musical, é muitos furos superior a ela.

Mesmo assim, embora por vias tortuosas, o júri não deixou de reconhecer os méritos do trabalho deste jovem campineiro, que revelou inegável talento. Afinal, insistimos, qualquer obra para ser bem interpretada precisa, primordialmente, despertar a sensibilidade do intérprete. E só tem o condão de conseguir isso a composição que possua reais qualidades, como foi o caso de "Ellis, Ellis".

De qualquer forma, o que se verificou no Maracanãzinho, para constrangimento e insatisfação dos cariocas, foi uma noitada bem paulista. O ginásio transformou-se, no sábado, num autêntico "Recreio dos Bandeirantes". Dos sete prêmios atribuídos, quatro ficaram com os paulistas e um quinto foi conseguido graças à obra de um compositor de São Paulo. Isso apenas vem confirmar aquilo que todos já sabiam, mas que muitos ainda teimavam em não admitir. Nosso Estado, hoje, é aquele onde se faz o que há de melhor em termos musicais.

Os dois prêmios maiores couberam aos paulistas. A melhor letra premiou a irreverência do grupo "Joelho de Porco", que depois de décadas desafiando a censura e passando ao público uma mensagem autêntica, num período em que ninguém tinha tamanha ousadia, acaba reconhecido também por representantes do "establishment". Os cariocas é que ficaram sem entender nada. Vaiaram o tempo todo a gostosa crítica à nossa submissão cultural a "Tio Sam", uma composição coletiva de todos os seus bem-humorados integrantes, Próspero Albanese, Armando Ferrante, Tico Terpins e Zé Rodrix. O melhor arranjo também ficou para São Paulo, para o líder do grupo "Placa Luminosa", pelo tratamento que ele deu a "Mira Ira", que levantou toda a platéia, principalmente no seu irresistível refrão, fazendo com que esta até esquecesse o inexpressivo "O Condor", que os cariocas queriam impingir aos jurados.

E finalmente a melhor interpretação, que se não ficou para um paulista, teve decisiva participação de alguém do nosso Estado, mas especificamente, da nossa cidade, mostrando que musicalmente não somos tão inexpressivos como certas pessoas querem fazer crer. Emílio Santiago não conseguiria dar a interpretação que deu, embora seja um cantor reconhecidamente brilhante, a nenhuma das outras composições inscritas. Isso eu pagaria até para ver.

Fora as músicas premiadas, cujos compositores eram oriundos do nosso Estado, São Paulo conseguiu ainda classificar para as finais "Vamp Neguinha", de Cida Campos, defendida pelo Grupo Zipertensão e "Os Metaleiros Também Amam", outra brincadeira irreverente e galhofeira, esta de Carlos Mello e Ayrton Mugnaini, que o grupo "Língua de Trapo" interpretou sobranceiramente, em meio a vaias generalizadas e a toda a sorte de hostilidades.

Das doze classificadas para as finais, de um total de dez mil composições inscritas, 50%, ou seja, exatamente seis, eram de autores paulistas. Os compositores cariocas, tidos e havidos como os "donos" da MPB, foram a grande decepção do "Festival dos Festivais". O que de melhor conseguiram apresentar, embora de méritos reais, foi apenas um samba sem nada de excepcional, nem na letra e muito menos na música. E "Verde" sim foi uma composição carregada nas costas pela intérprete, esta revelação autêntica, que é a cantora originária de Belém do Pará, Leila Pinheiro. Tanto é verdade, que em momento algum que antecedeu às finais essa canção chegou a ficar cotada pela crítica para obter uma das três principais premiações. Os paulistas, portanto, fizeram, como se diz na gíria futebolística, "barba, cabelo e bigode", em pleno Maracanãzinho.

(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades do Correio Popular, em 1 de novembro de 1985)

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