Quem é exótico?
Pedro J. Bondaczuk
O estudo dos costumes de determinados povos, ou épocas, e de suas mudanças ao longo do tempo, é fascinante e, sobretudo, útil para o escritor que pretenda escrever ficção e situar suas histórias não no presente, mas em períodos bem diversos do que vive. Aquilo que é normal para mim, hoje, e se constitui em meu procedimento cotidiano, é considerado exótico e excêntrico pelos habitantes, digamos, de Papua-Nova Guiné, ou das Ilhas Fiji, ou da Tasmânia, ou mesmo de muitas das ex-repúblicas da extintas União Soviética, como o Kazaquistão, Uzbequistão ou Kirkhízia. E vice-versa, óbvio.
Mesmo aqui no Brasil, procedendo a uma rápida pesquisa em livros, jornais e revistas de cem ou duzentos anos atrás, constatamos facilmente que os hábitos e comportamentos, digamos, do século XIX, ou, para não ir tão longe, da primeira metade do século passado, são bem diferentes dos nossos atuais. Muito do que nossos antepassados faziam e gostavam, assim como suas vestimentas, seu linguajar, sua forma de lazer etc., soam-nos a exótico e insólito. Estivessem eles vivos, certamente considerariam nossos trajes, linguagens e preferências igualmente “fora do esquadro”.
Não tenho a menor dúvida de que, o que fazemos e o que gostamos serão encarados com a mesmíssima estranheza por nossos sucessores, em mais cem anos ou, quem sabe, em até mesmo mera uma década ou menos. É certo que o advento dos modernos meios de comunicação e de locomoção já promoveram e vêm promovendo certa padronização, uma espécie de estandardização de gostos e costumes. Nesse aspecto, os veículos que mais contribuem para essa homogeinização são o cinema e, principalmente, a televisão.
“Quer dizer, então, que o mundo todo caminha para um único padrão de preferências e comportamentos, com poucas, diria mínimas, variações”? Não é bem assim. Até porque, mesmo com todo o avanço da tecnologia, há, ainda, diversas áreas do Planeta que permanecem isoladas, em que nenhum europeu ou americano nunca ainda pisou, com seus povos vivendo como viviam há meio milênio ou mais, sem que suas populações tenham acesso aos citados meios de comunicação e de transporte. Vivem realidades diversas da nossa e nem mesmo duvido (embora ache improvável) que haja comunidades isoladas e esquecidas que ainda pratiquem rituais que aos nossos olhos são horrendos (e são mesmo), como a antropofagia.
O filósofo norte-americano Will Durant chegou a citar, em seu clássico “Filosofia da vida”, que “pelo menos nalgumas das Ilhas Salomão criaturas humanas (de preferência mulheres) são engordadas para a mesa, como nós o fazemos com os suínos”. Talvez isso, de fato, ocorresse no seu tempo (não tenho porque duvidar de sua revelação), na época em que escreveu seu célebre livro, ou seja, na primeira metade do século passado.
Hoje, todavia, esse arquipélago do Oceano Pacífico é um país independente, com assento nas Nações Unidas e com relativamente amplo contato com países da Europa, das Américas e da Ásia, através do comércio e do turismo. Pode até ser que haja, em lugares mais recônditos dessas ilhas, quem ainda pratique a antropofagia, talvez em caráter cerimonial, mas isso é um tanto duvidoso. Porém... nunca se sabe.
O que nós sabemos, de fato, dos gostos, hábitos e costumes dos habitantes de Papua-Nova Guiné, território outrora pertencente à Indonésia?. Pouco, muito pouco. Praticamente nada. Nem mesmo sabemos muita coisa sobre os indonésios, habitantes de um país insular caracterizado por uma profusão de vulcões em seu acidentado território, contudo mais populoso do que o Brasil.
Carlos Drummond de Andrade escreveu um bem-humorado poema, que ilustra a caráter a estranheza que determinados costumes alheios nos provocam (e vice-versa). Não por acaso, intitulou-o de “Anedota Búlgara”, que publicou, pela primeira vez, no livro “Alguma Poesia” (se não me falha a memória, datado de 1931). São estes os versos do poeta de Itabira: “Era uma vez um czar naturalista/que caçava homens./ Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,/ficou muito espantado/e achou uma barbaridade”.
Como será que nossos hábitos serão encarados dentro de cem anos? Ou como o são hoje pelos habitantes de lugares remotos que não mantêm contato com nossa cultura ocidental? Não achariam (ou não acham) porventura, normalíssimo engordar pessoas para fazer de suas carnes delicioso (para eles) guisado? E nós achamos isso selvageria e barbaridade. Mas será que não há costumes nossos que lhes causem pasmo e até horror? Possivelmente sim, embora eu seja incapaz de identificar quais.
Analisemos uma de nossas diversões mais populares: o futebol. Essa paixão do brasileiro (muitos chegam ao exagero de tratar seus times do coração com o fervor de uma religião) é um fenômeno relativamente novo. Chegou ao Brasil, se não me falha a memória, em 1898, trazido por Charles Miller. Será que nos próximos cem anos terá a mesma capacidade de polarização? Acredito que não! Será que os habitantes das Ilhas Salomão e de Papua-Nova Guiné acham normal esse nosso fanatismo? Presumo que não!
Será que não há por aí caçadores de homens horrorizados ao saberem que há quem cace borboletas e andorinhas? Vá saber! Será que no próximo século o Carnaval continuará tão popular e despertando tanto interesse nos nossos descendentes? Nunca haveremos de saber. Nossos pósteros, porém, possivelmente nos considerarão exóticos quando não bárbaros por esse e tantos outros costumes. Ou seja, rigorosamente como o “naturalista” do poema de Drummond considerou os que caçam borboletas e andorinhas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O estudo dos costumes de determinados povos, ou épocas, e de suas mudanças ao longo do tempo, é fascinante e, sobretudo, útil para o escritor que pretenda escrever ficção e situar suas histórias não no presente, mas em períodos bem diversos do que vive. Aquilo que é normal para mim, hoje, e se constitui em meu procedimento cotidiano, é considerado exótico e excêntrico pelos habitantes, digamos, de Papua-Nova Guiné, ou das Ilhas Fiji, ou da Tasmânia, ou mesmo de muitas das ex-repúblicas da extintas União Soviética, como o Kazaquistão, Uzbequistão ou Kirkhízia. E vice-versa, óbvio.
Mesmo aqui no Brasil, procedendo a uma rápida pesquisa em livros, jornais e revistas de cem ou duzentos anos atrás, constatamos facilmente que os hábitos e comportamentos, digamos, do século XIX, ou, para não ir tão longe, da primeira metade do século passado, são bem diferentes dos nossos atuais. Muito do que nossos antepassados faziam e gostavam, assim como suas vestimentas, seu linguajar, sua forma de lazer etc., soam-nos a exótico e insólito. Estivessem eles vivos, certamente considerariam nossos trajes, linguagens e preferências igualmente “fora do esquadro”.
Não tenho a menor dúvida de que, o que fazemos e o que gostamos serão encarados com a mesmíssima estranheza por nossos sucessores, em mais cem anos ou, quem sabe, em até mesmo mera uma década ou menos. É certo que o advento dos modernos meios de comunicação e de locomoção já promoveram e vêm promovendo certa padronização, uma espécie de estandardização de gostos e costumes. Nesse aspecto, os veículos que mais contribuem para essa homogeinização são o cinema e, principalmente, a televisão.
“Quer dizer, então, que o mundo todo caminha para um único padrão de preferências e comportamentos, com poucas, diria mínimas, variações”? Não é bem assim. Até porque, mesmo com todo o avanço da tecnologia, há, ainda, diversas áreas do Planeta que permanecem isoladas, em que nenhum europeu ou americano nunca ainda pisou, com seus povos vivendo como viviam há meio milênio ou mais, sem que suas populações tenham acesso aos citados meios de comunicação e de transporte. Vivem realidades diversas da nossa e nem mesmo duvido (embora ache improvável) que haja comunidades isoladas e esquecidas que ainda pratiquem rituais que aos nossos olhos são horrendos (e são mesmo), como a antropofagia.
O filósofo norte-americano Will Durant chegou a citar, em seu clássico “Filosofia da vida”, que “pelo menos nalgumas das Ilhas Salomão criaturas humanas (de preferência mulheres) são engordadas para a mesa, como nós o fazemos com os suínos”. Talvez isso, de fato, ocorresse no seu tempo (não tenho porque duvidar de sua revelação), na época em que escreveu seu célebre livro, ou seja, na primeira metade do século passado.
Hoje, todavia, esse arquipélago do Oceano Pacífico é um país independente, com assento nas Nações Unidas e com relativamente amplo contato com países da Europa, das Américas e da Ásia, através do comércio e do turismo. Pode até ser que haja, em lugares mais recônditos dessas ilhas, quem ainda pratique a antropofagia, talvez em caráter cerimonial, mas isso é um tanto duvidoso. Porém... nunca se sabe.
O que nós sabemos, de fato, dos gostos, hábitos e costumes dos habitantes de Papua-Nova Guiné, território outrora pertencente à Indonésia?. Pouco, muito pouco. Praticamente nada. Nem mesmo sabemos muita coisa sobre os indonésios, habitantes de um país insular caracterizado por uma profusão de vulcões em seu acidentado território, contudo mais populoso do que o Brasil.
Carlos Drummond de Andrade escreveu um bem-humorado poema, que ilustra a caráter a estranheza que determinados costumes alheios nos provocam (e vice-versa). Não por acaso, intitulou-o de “Anedota Búlgara”, que publicou, pela primeira vez, no livro “Alguma Poesia” (se não me falha a memória, datado de 1931). São estes os versos do poeta de Itabira: “Era uma vez um czar naturalista/que caçava homens./ Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,/ficou muito espantado/e achou uma barbaridade”.
Como será que nossos hábitos serão encarados dentro de cem anos? Ou como o são hoje pelos habitantes de lugares remotos que não mantêm contato com nossa cultura ocidental? Não achariam (ou não acham) porventura, normalíssimo engordar pessoas para fazer de suas carnes delicioso (para eles) guisado? E nós achamos isso selvageria e barbaridade. Mas será que não há costumes nossos que lhes causem pasmo e até horror? Possivelmente sim, embora eu seja incapaz de identificar quais.
Analisemos uma de nossas diversões mais populares: o futebol. Essa paixão do brasileiro (muitos chegam ao exagero de tratar seus times do coração com o fervor de uma religião) é um fenômeno relativamente novo. Chegou ao Brasil, se não me falha a memória, em 1898, trazido por Charles Miller. Será que nos próximos cem anos terá a mesma capacidade de polarização? Acredito que não! Será que os habitantes das Ilhas Salomão e de Papua-Nova Guiné acham normal esse nosso fanatismo? Presumo que não!
Será que não há por aí caçadores de homens horrorizados ao saberem que há quem cace borboletas e andorinhas? Vá saber! Será que no próximo século o Carnaval continuará tão popular e despertando tanto interesse nos nossos descendentes? Nunca haveremos de saber. Nossos pósteros, porém, possivelmente nos considerarão exóticos quando não bárbaros por esse e tantos outros costumes. Ou seja, rigorosamente como o “naturalista” do poema de Drummond considerou os que caçam borboletas e andorinhas.
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