Monday, July 11, 2011







Um festival de clichês


Pedro J. Bondaczuk


A Rede Globo vem anunciando, desde o ano passado, com relativo destaque, a realização daquilo que denominou de “Festival dos Festivais”. Pela insistência nas chamadas, não é difícil de se concluir que a ele foi destinado o papel de principal atração nas comemorações do 20º aniversário da emissora, que transcorre neste ano.
A promoção, frise-se, foi muito bem organizada, nos mínimos detalhes. Programas introdutórios, contando um pouco da história desse tipo de evento, foram realizados, com boa aceitação por parte do telespectador.
Desde o final de 1984, a Globo abriu inscrições, em várias partes do País, para os compositores que julgassem ter talento e quisessem mostrar seu trabalho num palco mais amplo, de abrangência nacional. Centenas deles atenderam ao chamado e criou-se a expectativa de que esse seria um festival diferente dos anteriores promovidos pela emissora, que premiaram músicas inexpressivas, hoje relegadas ao completo esquecimento.
Havia a esperança de que promoções semelhantes àquelas da TV Record, nos idos de 1965 e 1966, que sacudiram a massa e fizeram o povo cantar, iriam se repetir. Ou seja, a crítica e, porque não dizer, também o público, esperavam que o evento causasse uma nova revolução na MPB. Que promovesse, entre outras coisas, a descoberta de novos talentos, numa época em que eles se tornam a cada dia mais raros.
Toda essa expectativa, no entanto, começou a ruir no sábado, com a realização, no Ginásio Geraldão, no Recife, da primeira eliminatória do tão badalado “Festival dos Festivais”. O telespectador, acostumado ao tradicional filme após a novela das oito, ou mudou de canal, ou foi dormir mais cedo, e frustrado por ter esperado algo muito melhor do que aquilo que lhe foi impingido.
O que se viu, nessa etapa inaugural, foi um desfile cansativo de clichês, de ritmos que eram tudo, menos música popular brasileira. Quem se manteve ligado na apresentação, constatou uma sucessão de letras confusas e sem criatividade – o Brasil anda carente de bons letristas – (à exceção da composição “Minha Aldeia”) e do reflexo do “Rock in Rio” na forma de compor dos nossos compositores.
O que mais aborrece a gente é o fato de não ver um único samba entre as doze concorrentes. A composição que mais se aproximou de algo realmente nosso, que não cheirasse a nenhum “Caribe Calibre” ou outras baboseiras do gênero, foi um chorinho, até muito convencional, do veterano compositor pernambucano Rossini Guimarães que, a rigor, não tinha nada de excepcional, mas pelo menos não macaqueava a nenhum astro, artificiosamente forjado pela mídia, do Exterior.
No mais, tudo não passou de bagulho, desses que entopem, aos milhares, as casas de disco e poluem nossos ouvidos diariamente, através das emissoras de rádio. A própria montagem do espetáculo deixou muito a desejar. A sensação de vibração do público, que a Globo procurava passar ao telespectador, soou bastante falsa.
O único momento em que ela nos pareceu autêntica foi no momento da vaia, sonora, ampla, unânime e irrestrita, dada ao corpo de jurados, que não classificou a música preferida da platéia, “Os Jovens Não Podem Morrer”. Para ser honesto, essa composição não merecia sequer ter sido classificada para a eliminatória. Tinha, apenas, o refrão, e nada mais. Mas o público a queria e, “vox populi...”
Diante desse fiasco do Recife, a expectativa, que era das mais promissoras, se reverte completamente para a próxima etapa, que ocorre dia 24 deste mês, em Porto Alegre. Se a eliminatória de sábado foi uma amostra dos rumos atuais da música popular brasileira, o público poderá ficaar certo de que, por mais um bom período, terá, ainda, que contar com os velhos ídolos (que aos poucos vão ficando envelhecidos e acomodados), se quiser ouvir boas composições. Terá que continuar com Paulinho da Viola, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa e Milton Nascimento, entre outros.
O interessante em tudo isso é que, durante muito tempo, as pessoas que atuam no meio musical se queixaram da censura, afirmando que ela estava castrando a sua criatividade. De fato, uma obra de arte deve ser totalmente livre, sem qualquer espécie de restrição, para poder merecer esse nome.
A Velha República se foi, entramos em novos tempos, de total liberdade de expressão, e qual é o resultado? É esse festival de clichês e lugares-comuns, mal-alinhavados, mostrando que as pessoas parecem ter desaprendido de pensar.
Para culminar, a própria transmissão do espetáculo de sábado, por parte do pessoal da Globo, deixou muito a desejar. Ficou muitos furos distante do apregoado “padrão global”, que embora criticado por muitos, é a razão de ser do sucesso da emissora junto ao público.
Vimos um Nelson Mota inseguro e gago, muito distante dos velhos tempos, em que suas aparições na emissora eram diárias. Assistimos uma Glória Maria fazendo as eternas perguntas óbvias para o público das arquibancadas do Geraldão (do tipo “você está torcendo por tal música?” para pessoa portando faixa com o nome da composição perguntada) e recebendo resposta do mesmo calibre. E por aí afora... Enfim, para quem esperava assistir a um super-festival, ficou a frustração de ter visto uma disputa de colegiais. E isso é enganação ao público. Ou não?

(Artigo publicado na coluna semanal “Vídeo”, na página 20, “Arte e Variedades”, do Correio Popular, em 2 de agosto de 1985).

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