Festival razoável
Pedro J. Bondaczuk
O "Festival dos Festivais" da Rede Globo, concluída a última etapa eliminatória realizada sábado passado no Rio de Janeiro, entra, amanhã, em seu momento decisivo, mostrando um saldo decepcionante. Não resta dúvida de que, a despeito do brilho de uma ou de outra composição, nada de realmente novo e revolucionário surgiu no panorama musical brasileiro em decorrência do certame. O festival teve somente o condão de demonstrar uma falta de criatividade muito grande da nova geração de compositores que está surgindo, que um dia terá a difícil incumbência de substituir feras do porte de um Chico Buarque, um Milton Nascimento, um Caetano Veloso ou um Paulinho da Viola.
De todas as quatro fases eliminatórias, existe quase que um consenso do público e da crítica de que a etapa desenvolvida no Rio de Janeiro foi a mais fraca. Não havia como o júri deixar de apontar para as semifinais as seis músicas que escolheu. "Ela é uma Delícia", "Verde", "O Condor", "A Fim de Você", "Vamp Neguinha" e "Não Agüento Mais" foram as menos ruins das 12 canções mostradas, onde o apelo ao visual sobrepujou a preocupação com letras e melodias. No contexto geral, a menos que aconteça alguma "jabaquarada" dos jurados indicados para as semifinais, dificilmente mais do que uma destas selecionadas conseguirá chegar à etapa final. Talvez, quem sabe, "O Condor" chegue, pela melodia bastante interessante, bem escorada pelo coral "Raça", composto por 50 vozes. A letra, porém, é fraca. As demais...
Para amanhã estão classificadas várias das favoritas da crítica e do público e entre elas uma que o telespectador campineiro, certamente, vai prestar um pouquinho mais de atenção, por motivos óbvios. Por tratar-se de composição de gente daqui, que milita na cidade. E porque "Ellis, Ellis", convenhamos, é uma música agradável, bem produzida, tem um grande intérprete para defendê-la e possui uma letra falando de uma pessoa muito importante de nosso tempo. Nestas circunstâncias, é muito difícil que o crítico local fique totalmente isento para fazer um julgamento.
Outra composição forte, com alguma condição de emplacar, é o "Condor", com as limitações que expusemos acima, ou seja, sua letra não ajuda. Nesse aspecto, a nossa preferida, entre as doze concorrentes de amanhã, é "Minha Aldeia", falando das belezas e encantos de uma cidade de pequeno porte da Amazônia. Só que, nesse caso, o que não ajuda muito é a melodia, que dificilmente conseguirá empolgar a platéia, um fator de pressão muito importante sobre o júri, em se tratando de um festival dessa natureza.
Concorrentes capazes de cair no gosto do público são "Verdejar", que foi a que mais agradou na eliminatória de São Paulo e "Dono da Terra", interpretada por um grupo de crianças, "Os Abelhudos", o que certamente vai contar muitos pontos na simpatia popular. Em Recife, quando ela foi classificada, a platéia vibrou, embora a composição não possuísse torcida organizada, como aconteceu com diversas outras. Dependendo de como será formado o grupo de jurados, duas outras músicas podem surpreender. Uma é o superagitado reggae, com um título um tanto exótico (como aliás é tudo o que lembre a Jamaica), o "Caribe, Calibre, Amor", seguindo mais ou menos a linha de alguns trabalhos de Gilberto Gil. A outra é "Última Voz do Brasil", um autêntico "happening" musical e que agitou o Ibirapuera no mês passado.
Claro que tentar prever as classificadas não passa de um exercício de adivinhação. Há muitos fatores em jogo que certamente vão influenciar na decisão do júri, além dos que já citamos. Como por exemplo, a performance dos intérpretes, o gosto pessoal da maioria dos jurados ou o prestígio dos compositores concorrentes, que sempre acaba tendo algum peso nessas ocasiões.
Além das composições mencionadas, consideradas favoritas de boa parte da crítica, concorrem, ainda, na fase de amanhã: "Os Metaleiros Também Amam" (classificada em São Paulo), "Vidraça" (Rio de Janeiro), "Vulcão Feminino" (Porto Alegre), "Verde" (Rio de Janeiro, vista por muitos como tendo também algumas chances) e "Esse Gaiteiro" (Porto Alegre, cuja atração é a interpretação do popular Renato Borghetti).
Apesar do "Festival dos Festivais" ter ficado muito aquém daquilo que se esperava, não se pode dizer que foi um fracasso total. Pelo menos teve o mérito de apresentar uma grande variedade de propostas. Pode até ser, como afirmamos há duas semanas, neste mesmo espaço, que de alguma delas surja um novo movimento musical, como a Bossa Nova e o Tropicalismo. Pena que, conforme afirmou em entrevista ao Correio Popular, anteontem, um dos autores de "Ellis, Ellis", Estevam Natolo Júnior, tenha sido dada tanta ênfase ao visual, em detrimento ao conceitual. Esperamos, apenas, que o júri demonstre competência e não venha a arruinar de vez, com um veredito desastrado, um festival apenas razoável.
(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades, do Correio Popular, em 11 de outubro de 1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O "Festival dos Festivais" da Rede Globo, concluída a última etapa eliminatória realizada sábado passado no Rio de Janeiro, entra, amanhã, em seu momento decisivo, mostrando um saldo decepcionante. Não resta dúvida de que, a despeito do brilho de uma ou de outra composição, nada de realmente novo e revolucionário surgiu no panorama musical brasileiro em decorrência do certame. O festival teve somente o condão de demonstrar uma falta de criatividade muito grande da nova geração de compositores que está surgindo, que um dia terá a difícil incumbência de substituir feras do porte de um Chico Buarque, um Milton Nascimento, um Caetano Veloso ou um Paulinho da Viola.
De todas as quatro fases eliminatórias, existe quase que um consenso do público e da crítica de que a etapa desenvolvida no Rio de Janeiro foi a mais fraca. Não havia como o júri deixar de apontar para as semifinais as seis músicas que escolheu. "Ela é uma Delícia", "Verde", "O Condor", "A Fim de Você", "Vamp Neguinha" e "Não Agüento Mais" foram as menos ruins das 12 canções mostradas, onde o apelo ao visual sobrepujou a preocupação com letras e melodias. No contexto geral, a menos que aconteça alguma "jabaquarada" dos jurados indicados para as semifinais, dificilmente mais do que uma destas selecionadas conseguirá chegar à etapa final. Talvez, quem sabe, "O Condor" chegue, pela melodia bastante interessante, bem escorada pelo coral "Raça", composto por 50 vozes. A letra, porém, é fraca. As demais...
Para amanhã estão classificadas várias das favoritas da crítica e do público e entre elas uma que o telespectador campineiro, certamente, vai prestar um pouquinho mais de atenção, por motivos óbvios. Por tratar-se de composição de gente daqui, que milita na cidade. E porque "Ellis, Ellis", convenhamos, é uma música agradável, bem produzida, tem um grande intérprete para defendê-la e possui uma letra falando de uma pessoa muito importante de nosso tempo. Nestas circunstâncias, é muito difícil que o crítico local fique totalmente isento para fazer um julgamento.
Outra composição forte, com alguma condição de emplacar, é o "Condor", com as limitações que expusemos acima, ou seja, sua letra não ajuda. Nesse aspecto, a nossa preferida, entre as doze concorrentes de amanhã, é "Minha Aldeia", falando das belezas e encantos de uma cidade de pequeno porte da Amazônia. Só que, nesse caso, o que não ajuda muito é a melodia, que dificilmente conseguirá empolgar a platéia, um fator de pressão muito importante sobre o júri, em se tratando de um festival dessa natureza.
Concorrentes capazes de cair no gosto do público são "Verdejar", que foi a que mais agradou na eliminatória de São Paulo e "Dono da Terra", interpretada por um grupo de crianças, "Os Abelhudos", o que certamente vai contar muitos pontos na simpatia popular. Em Recife, quando ela foi classificada, a platéia vibrou, embora a composição não possuísse torcida organizada, como aconteceu com diversas outras. Dependendo de como será formado o grupo de jurados, duas outras músicas podem surpreender. Uma é o superagitado reggae, com um título um tanto exótico (como aliás é tudo o que lembre a Jamaica), o "Caribe, Calibre, Amor", seguindo mais ou menos a linha de alguns trabalhos de Gilberto Gil. A outra é "Última Voz do Brasil", um autêntico "happening" musical e que agitou o Ibirapuera no mês passado.
Claro que tentar prever as classificadas não passa de um exercício de adivinhação. Há muitos fatores em jogo que certamente vão influenciar na decisão do júri, além dos que já citamos. Como por exemplo, a performance dos intérpretes, o gosto pessoal da maioria dos jurados ou o prestígio dos compositores concorrentes, que sempre acaba tendo algum peso nessas ocasiões.
Além das composições mencionadas, consideradas favoritas de boa parte da crítica, concorrem, ainda, na fase de amanhã: "Os Metaleiros Também Amam" (classificada em São Paulo), "Vidraça" (Rio de Janeiro), "Vulcão Feminino" (Porto Alegre), "Verde" (Rio de Janeiro, vista por muitos como tendo também algumas chances) e "Esse Gaiteiro" (Porto Alegre, cuja atração é a interpretação do popular Renato Borghetti).
Apesar do "Festival dos Festivais" ter ficado muito aquém daquilo que se esperava, não se pode dizer que foi um fracasso total. Pelo menos teve o mérito de apresentar uma grande variedade de propostas. Pode até ser, como afirmamos há duas semanas, neste mesmo espaço, que de alguma delas surja um novo movimento musical, como a Bossa Nova e o Tropicalismo. Pena que, conforme afirmou em entrevista ao Correio Popular, anteontem, um dos autores de "Ellis, Ellis", Estevam Natolo Júnior, tenha sido dada tanta ênfase ao visual, em detrimento ao conceitual. Esperamos, apenas, que o júri demonstre competência e não venha a arruinar de vez, com um veredito desastrado, um festival apenas razoável.
(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades, do Correio Popular, em 11 de outubro de 1985)
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