Tuesday, April 26, 2011






Tempus fugit

Pedro J. Bondaczuk


Acordei, nesta manhã de terça-feira, com uma expressão latina me “verrumando” o cérebro, perfurando-o, corroendo-o e não me saiu do pensamento um só instante, até agora: “tempus fugit”. Por que penso tão insistentemente nisso? Não sei! Sei que o poeta romano Virgílio utilizou essa expressão em suas “Geórgicas”. Mas faz um bom tempo que não releio este maravilhoso livro. Mas decorei várias de suas passagens. Seria Virgílio, no além, me instando a não esquecê-lo? Se for... Ora, ora, ora, venerado mestre, é desnecessária sua exortação. Como eu poderia esquecer o guardião e guia de Dante Aligheri pelos caminhos do Inferno, do Purgatório e do Céu, em sua “Divina Comédia”?!
Não, decididamente, não é o espírito de Virgílio me cobrando mais atenção para seus inspirados versos. Até porque, ele não se expressou, nas Geórgicas, com apenas essas duas palavras. O verso em que elas aparecem é, literalmente, este: “Sed fugit interea fugit irreparabile tempus” que, numa tradução mais ou menos livre (ainda não me esqueci das aulas de latim da adolescência), quer dizer: “Mas ele foge; irreversivelmente o tempo foge”. E foge mesmo! E como foge! Haveria alguma forma de detê-lo? Seria possível fazer a Terra parar de girar, mesmo que por fração de segundos? Não! Não mesmo! Claro que não!
Se não é por causa de Virgílio, por que essa expressãozinha pernóstica continua me amofinando, como o tic-tac do relógio de parede que está bem à minha frente no meu gabinete de trabalho? E a coisa continua ritmada em meu cérebro. Posso até ouvir uma voz, embora eu esteja rigorosamente sozinho, seguindo o ritmo dos ponteiros: tempus (tic) fugit (tac). Ainda se fosse alguma melodia que ressoasse nas abóbodas do cerebelo, eu entenderia. Volta e meia, desperto com uma canção diferente no ouvido, que teima em me fazer cantarolá-la o dia todo.
Com você, leitor amigo, não ocorre, às vezes, a mesma coisa? Você não desperta, em determinado dia, com uma palavrinha que ouviu não sabe onde (e certamente a ouviu e seu cérebro registrou, se não, não a estaria repetindo e com tamanha insistência)? Não negue! Claro que isso já aconteceu com você. Acontece com todo o mundo. Talvez você não esteja prestando atenção (não pelo menos a devida) ao o que ocorre em seu interior.
Caso quisesse escrever a respeito da expressão latina, poderia redigir até um tratado. O tempo é, certamente, se não o tema que mais explorei em minha literatura, um dos que mais vezes abordei. Mesmo não sendo nada concreto... Não passa de metáfora, de mera convenção humana, embora possamos senti-lo, sofrer seus efeitos, quase apalpá-lo até. Tempus (tic), fugit (tac), continua a expressãozinha, como um mantra, como os sons de um tambor, ou de um carrilhão repercutindo no cérebro.
Ah, mestre Virgílio, prometo lê-lo tão logo consiga pôr ponto final nestas divagações (ou seriam elucubrações?) e, dessa forma, retornar ao meu normal. Mas... o que é normalidade? O que é sanidade? O que é loucura? Em certa medida, somos todos um tanto destemperados, meio que malucos. Como na história do “Alienista”, do me3stre Machado de Assis, estamos fora da Casa Verde, é verdade. Todavia, os que lá estão, tidos e havidos como malucos, é que são os lúcidos. Loucos somos nós, que estamos fora dela.
Que o tempo foge, sem a mais remota possibilidade de retenção, é óbvio! Num átimo de segundo dou-me conta, por exemplo, que logo, logo será Natal. E eu que ainda não “digeri” na mente os acontecimentos do Natal anterior, que me parece ter sido ontem. Ou há poucas horas, sei lá.
De repente, dou-me conta que já se passaram seis meses da inauguração do meu novo e funcional gabinete de trabalho, com o qual vinha sonhando há anos, e que, finalmente, pude montar. E do jeitinho que planejei, com equipamentos informáticos novinhos em folha, de primeiríssima qualidade (computador de última geração, impressora, copiadora, scanner e toda a parafernália moderna que facilita sobremaneira nossa vida, de intelectuais do século XXI). Parece que foi ontem que eu vivia a expectativa de estrear as novas máquinas, o novo espaço, o novo mundo restrito e particular que construí para mim. Se bobear... a esta altura todo o equipamento já pode estar defasado, tão rápidas são as inovações nesse campo tecnológico.
Pois é, tempus fugit. Mais um aniversário meu está às portas, lembrando-me dessa verdade. Não sei se por delicadeza (acredito que sim), todos os que me cercam asseguram que o tempo não me modificou em nada (como esse pessoal é mentiroso!). “Caramba, Pedrão, o que você anda tomando?! Está sem cabelos brancos e nem tem rugas no rosto”, exclamou, outro dia (ou seria no ano passado?) um amigo que não sai aqui de casa. Sei lá! Ademais, nem sempre cabelos grisalhos são o melhor termômetro para medir a passagem do tempo. É questão de nível adequado de melanina. Se você o tiver, sua cabeleira permanecerá na cor natural, livrando-o do vexame de ter que pintá-la. Caso contrário... Conheço muito garotão com os cabelos totalmente grisalhos. Como explicar?
Eureka!!!! Descobri porque a tal expressão latina não me sai da memória desde que acordei. A explicação está no relógio de parede, bem à frente da minha escrivaninha. É óbvio!!! Trata-se de uma peça “antígona”, posto que muitíssimo bem-conservada, como se houvesse saído da fábrica ontem. Acima do mostrador dos ponteiros, em algarismos romanos, há uma águia estilizada em pleno vôo, carregando nas garras uma faixa com alguns dizeres. E sabem o que está escrito nela? Pois é... está escrito, exatamente, “tempus fugit”. Nada mau para suscitar reflexão, não é mesmo?!




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