Apenas metáfora
Pedro J. Bondaczuk
Uma das palavras da língua portuguesa (e todas as suas correspondentes nos demais idiomas, claro) que nunca podemos tomar ao pé da letra, caso busquemos a desejável objetividade do cientista e a exatidão, é “ressurreição”. Trata-se, na verdade, de apenas metáfora. E por que cheguei a essa conclusão? Simples. Porque se trata de rigorosa impossibilidade biológica. Ninguém que tenha morrido ressurgiu, jamais, intacto, da morte. Esta é, além de inexorável, definitiva.
“E os casos relatados pela Bíblia, não contam?”, perguntará o leitor. Estes, todavia, estão no instável e movediço terreno das crenças, no qual nem quero pisar. Cada pessoa tem lá a sua fé, e respeito o que os outros crêem, compactuando com eles ou não. O fundamento do cristianismo, por exemplo, é a ressurreição de Jesus Cristo, três dias após a crucificação. Entre seus milagres, no curto tempo em que permaneceu entre os homens, se destaca o da ressurreição de Lázaro. Tudo isso, todavia, carece de comprovação científica. Está, somente, no plano da fé. Ou você acredita ou não. E não me perguntem no que creio ou deixo de crer, porque não direi. Esse é um assunto que é só meu. Ademais, jamais tive a mínima veleidade de fazer proselitismo.
Nos relatos bíblicos há, até mesmo, casos de pessoas que nunca teriam morrido. Uma delas é o patriarca Enoque, ascendente de Noé e pai de Matusalém (o ser humano que teria vivido mais tempo desde que o mundo é mundo), que teria sido “arrebatado, vivo”, por Deus, pois seu proceder era tão probo e ilibado, que logrou merecer a imortalidade. Caso parecido foi o do profeta Elias, no tempo dos juízes na trajetória histórica do povo hebreu. Ele teria sido levado para o céu em uma “carruagem de fogo” (o que muitos ufólogos interpretam como sendo passageiro de um disco voador de ETs, que lhe teriam dado carona para seguir para outro mundo alhures).
Não sou teólogo e, por isso, reservo-me o direito de omitir minha opinião sobre se creio ou não nesses casos. Todavia, até por ser jornalista e por isso condicionado a pisar, sempre e sempre, o áspero e quase nunca ameno solo da realidade, reitero que, biologicamente, a ressurreição é uma impossibilidade. Por conseqüência, a palavra não passa de mera metáfora. Outra crença dos cristãos é a de que todos os bilhões e bilhões de seres humanos que já viveram, vivem e ainda viverão neste Planeta haverão de ressurgir, um dia, e do jeitinho que eram (ou que são ou serão), num hipotético Juízo Final. Nesse implacável tribunal cósmico, todos, rigorosamente todos teriam (ou terão?) que dar conta da totalidade dos seus atos. Os que justificarem a passagem pela Terra, com obras construtivas e atitudes probas e sadias, se tornariam (ou se tornarão?) imortais, como prêmio, e viverão num magnífico e inimaginável (de tão bom) paraíso. Já os que mataram, roubaram, agrediram, traíram, mentiram, escravizaram e cometeram toda a sorte de horrores e patifarias, arderiam (ou arderão?) no fogo eterno (seria no sol?).
Reitero, no entanto, que também (ou principalmente) esta ressurreição está adstrita exclusivamente à fé para deixar de ser metáfora. Objetivamente, não pode deixar. Nem essa volta da morte é possível e nem a palavra que a nomeia expressa a mais remota possibilidade. Ninguém, comprovadamente, jamais ressurgiu, está ressurgindo ou vai ressurgir dos mortos, pelo menos não fisicamente.
Há, sim, algumas formas simbólicas de ressurreição. Por exemplo, há pessoas que viveram há dois ou três milênios e de cuja vida não restaram sequer as mais reles provas de que existiram, quanto mais dos seus atos ou obras. Todavia, é possível (só não sei se provável) que algum arqueólogo, alhures, algum dia, desenterre a localidade em que viveu. E que, da sua vida ou obra haja algum tipo de registro incontestável. Improvável, mas não impossível. A memória desse indivíduo passará, dessa forma, se isso acontecer, por súbita “ressurreição”.
Há lembranças do nosso passado, de pessoas ou de fatos rigorosamente esquecidos, que sem mais e nem menos afloram, subitamente, à memória. Ao pé da letra, não se trata de ressurreição, porquanto não morreram, mas foram, somente olvidadas. Metaforicamente, contudo, cabe essa expressão.
Os poetas sabem, como ninguém, utilizar essa figura de linguagem. Exemplifico com este poema, que partilho com vocês, de Mauro Sampaio (sobre o qual tenho escrito bastante e escreverei muito mais). Seu título é justamente “Ressurreição”, e diz: “Na ressurreição da minha saudade, quanta chuva!/Árvore ao longe!/Mais além, muito além da linha do futuro,/o passado nítido como um dia de sol!/Hoje é dia de festa./A ressurreição dos sonhos em minha saudade!/A ressurreição da vida em meus sonhos!/E a mágoa, não sei de quê é uma saudade estranha./E as angústias tão veladas que lancei à vida,/estão chegando em ciranda com a vida!/Hoje o dia é de ressurreição./Rondo o meu passado/e vou tão distraído e tão a gosto/que escorrego e caio por inteiro dentro dele!”.
Lindo poema, não é mesmo? Agora dá para o leitor entender que não exagero quando ombreio Mauro Sampaio aos mais renomados poetas, pelo menos brasileiros, como Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meirelles, entre tantos outros? Por isso, sua memória e, sobretudo, sua poesia não podem morrer, para que não se faça necessária a respectiva e justíssima ressurreição!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Uma das palavras da língua portuguesa (e todas as suas correspondentes nos demais idiomas, claro) que nunca podemos tomar ao pé da letra, caso busquemos a desejável objetividade do cientista e a exatidão, é “ressurreição”. Trata-se, na verdade, de apenas metáfora. E por que cheguei a essa conclusão? Simples. Porque se trata de rigorosa impossibilidade biológica. Ninguém que tenha morrido ressurgiu, jamais, intacto, da morte. Esta é, além de inexorável, definitiva.
“E os casos relatados pela Bíblia, não contam?”, perguntará o leitor. Estes, todavia, estão no instável e movediço terreno das crenças, no qual nem quero pisar. Cada pessoa tem lá a sua fé, e respeito o que os outros crêem, compactuando com eles ou não. O fundamento do cristianismo, por exemplo, é a ressurreição de Jesus Cristo, três dias após a crucificação. Entre seus milagres, no curto tempo em que permaneceu entre os homens, se destaca o da ressurreição de Lázaro. Tudo isso, todavia, carece de comprovação científica. Está, somente, no plano da fé. Ou você acredita ou não. E não me perguntem no que creio ou deixo de crer, porque não direi. Esse é um assunto que é só meu. Ademais, jamais tive a mínima veleidade de fazer proselitismo.
Nos relatos bíblicos há, até mesmo, casos de pessoas que nunca teriam morrido. Uma delas é o patriarca Enoque, ascendente de Noé e pai de Matusalém (o ser humano que teria vivido mais tempo desde que o mundo é mundo), que teria sido “arrebatado, vivo”, por Deus, pois seu proceder era tão probo e ilibado, que logrou merecer a imortalidade. Caso parecido foi o do profeta Elias, no tempo dos juízes na trajetória histórica do povo hebreu. Ele teria sido levado para o céu em uma “carruagem de fogo” (o que muitos ufólogos interpretam como sendo passageiro de um disco voador de ETs, que lhe teriam dado carona para seguir para outro mundo alhures).
Não sou teólogo e, por isso, reservo-me o direito de omitir minha opinião sobre se creio ou não nesses casos. Todavia, até por ser jornalista e por isso condicionado a pisar, sempre e sempre, o áspero e quase nunca ameno solo da realidade, reitero que, biologicamente, a ressurreição é uma impossibilidade. Por conseqüência, a palavra não passa de mera metáfora. Outra crença dos cristãos é a de que todos os bilhões e bilhões de seres humanos que já viveram, vivem e ainda viverão neste Planeta haverão de ressurgir, um dia, e do jeitinho que eram (ou que são ou serão), num hipotético Juízo Final. Nesse implacável tribunal cósmico, todos, rigorosamente todos teriam (ou terão?) que dar conta da totalidade dos seus atos. Os que justificarem a passagem pela Terra, com obras construtivas e atitudes probas e sadias, se tornariam (ou se tornarão?) imortais, como prêmio, e viverão num magnífico e inimaginável (de tão bom) paraíso. Já os que mataram, roubaram, agrediram, traíram, mentiram, escravizaram e cometeram toda a sorte de horrores e patifarias, arderiam (ou arderão?) no fogo eterno (seria no sol?).
Reitero, no entanto, que também (ou principalmente) esta ressurreição está adstrita exclusivamente à fé para deixar de ser metáfora. Objetivamente, não pode deixar. Nem essa volta da morte é possível e nem a palavra que a nomeia expressa a mais remota possibilidade. Ninguém, comprovadamente, jamais ressurgiu, está ressurgindo ou vai ressurgir dos mortos, pelo menos não fisicamente.
Há, sim, algumas formas simbólicas de ressurreição. Por exemplo, há pessoas que viveram há dois ou três milênios e de cuja vida não restaram sequer as mais reles provas de que existiram, quanto mais dos seus atos ou obras. Todavia, é possível (só não sei se provável) que algum arqueólogo, alhures, algum dia, desenterre a localidade em que viveu. E que, da sua vida ou obra haja algum tipo de registro incontestável. Improvável, mas não impossível. A memória desse indivíduo passará, dessa forma, se isso acontecer, por súbita “ressurreição”.
Há lembranças do nosso passado, de pessoas ou de fatos rigorosamente esquecidos, que sem mais e nem menos afloram, subitamente, à memória. Ao pé da letra, não se trata de ressurreição, porquanto não morreram, mas foram, somente olvidadas. Metaforicamente, contudo, cabe essa expressão.
Os poetas sabem, como ninguém, utilizar essa figura de linguagem. Exemplifico com este poema, que partilho com vocês, de Mauro Sampaio (sobre o qual tenho escrito bastante e escreverei muito mais). Seu título é justamente “Ressurreição”, e diz: “Na ressurreição da minha saudade, quanta chuva!/Árvore ao longe!/Mais além, muito além da linha do futuro,/o passado nítido como um dia de sol!/Hoje é dia de festa./A ressurreição dos sonhos em minha saudade!/A ressurreição da vida em meus sonhos!/E a mágoa, não sei de quê é uma saudade estranha./E as angústias tão veladas que lancei à vida,/estão chegando em ciranda com a vida!/Hoje o dia é de ressurreição./Rondo o meu passado/e vou tão distraído e tão a gosto/que escorrego e caio por inteiro dentro dele!”.
Lindo poema, não é mesmo? Agora dá para o leitor entender que não exagero quando ombreio Mauro Sampaio aos mais renomados poetas, pelo menos brasileiros, como Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Cecília Meirelles, entre tantos outros? Por isso, sua memória e, sobretudo, sua poesia não podem morrer, para que não se faça necessária a respectiva e justíssima ressurreição!
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