Sucesso, fama e reconhecimento
Pedro J. Bondaczuk
O sucesso, em qualquer empreendimento – e, no nosso caso, no mundo literário, já que literatura é objeto constante e obsessivo das nossas preocupações – é sumamente enganador e não raro até cruel. Não, leitor, não estou fazendo apologia da débâcle e nem defendendo a tese de que o fracasso é melhor. Nem seria burro de fazê-lo.
Mas o êxito acaba sendo um prêmio muito pequeno, diria ínfimo, para compensar o tremendo esforço que temos que fazer para a sua obtenção. É sumamente efêmero e não raro enganador. Se é difícil chegar-se ao topo, muito mais complicado e árduo é manter-se no alto. O sucesso só faz sentido se for contínuo, não episódico. Depois de obtido, temos que ganhar, ganhar e ganhar sempre. Continuar ganhando sem cessar. Caso venhamos a tropeçar, todo o mérito que tivemos para chegar ao alto será esquecido e apenas nossos defeitos serão ressaltados.
O técnico do Internacional de Porto Alegre, Celso Roth, deu uma definição pitoresca, mas verdadeira e inteligente, do seu significado, no programa “Bola da vez”, da emissora de televisão a cabo ESPN Brasil que participou recentemente. Disse que o “sucesso não cumpre as promessas que faz”. E como não cumpre!!! Nesse aspecto, é um tremendo mentiroso. Quem se acomoda após ser bem-sucedido cria todas as condições para cair de ponta-cabeça do topo do Monte Everest ao fundo do abismo de nove quilômetros de fundura, numa das fossas existentes no Oceano Pacífico. É uma queda e tanto!!
Mais enganador ainda do que um ocasional sucesso, aquele sem continuidade, é a fama. Esta é infinitamente mais “mentirosa”. Não me recordo qual o escritor que disse que ela é nada mais do que o produto de uma soma de equívocos. Ademais, pode ser positiva ou negativa. Há muito bandido por aí que é bem mais famoso (e muito mais) do que os gigantes da espécie, os gênios, os sábios e os santos. Na fama, exageram-se, sempre e sempre, tanto as virtudes quanto os defeitos de quem a goza. Além do que, é mais volátil ainda do que o sucesso. Em três tempos, o “famoso” despenca dos píncaros da glória para o pélago do absoluto ostracismo.
A estas duas condições, prefiro algo bem mais raro, contudo consistente: o reconhecimento. Este tem ingredientes de ambos, mas quando ocorre, é inscrito no mármore e não na areia da praia. As ondas das circunstâncias, portanto, não o apagam jamais. Daí, certamente, sua raridade. São pouquíssimas as pessoas que contam com a eterna gratidão da humanidade e com esse valioso, sólido e tão cobiçado reconhecimento (é o que cobiço).
Entre os escritores, o sucesso na carreira literária é difícil de se obter, é verdade, mas está ao nosso alcance, dentro das nossas possibilidades, dependendo das circunstâncias. Podemos, num inexplicável e generoso lampejo de genialidade, escrever um livro que beire a perfeição. Que tenha, simultaneamente, conteúdo, exatidão e que tenha o condão de despertar empatia no leitor. Se bem acolhido por alguma editora de prestígio, se bem editado, revisado, distribuído (e a distribuição é fundamental) e divulgado, pode, perfeitamente, se tornar um best-seller. Reúne, pelo menos, todas as condições para isso. Se será, ou não, são outros quinhentos. Mas tem possibilidades concretas de esgotar edição após edição. Cumpridas todas as etapas que citei, não será nenhuma surpresa esse escritor se tornar famoso. Surgirão exageros em torno da sua figura, claro, quer para o bem, quer (principalmente) para o mal. Sua biografia será distorcida, desvirtuada e exagerada a tal ponto dele não se reconhecer no perfil que for traçado.
Todavia, o público, e mais do que ele, a editora e a crítica, esperarão desse escritor outra, e mais outra e mais outra obra ainda mais genial do que a primeira, que o tornou campeão de vendas e famoso. Aí está a armadilha. Até porque, o julgamento da qualidade de um livro (e me refiro apenas aos bons) é sumamente subjetiva. Por mais adjetivos que os críticos utilizem para exaltar ou para depreciar algum texto, essa será apenas “sua opinião”. Não quer dizer que tenham razão, tanto num, quanto no outro caso. De repente, o sucesso anterior pode se transformar, num piscar de olhos, num fracasso exponencial, elevado à enésima potência. Os louvores tendem a se transformar em chacotas. E a euforia, fatalmente, acaba virando depressão.
Já o reconhecimento ocorre (quando acontece, é evidente) levando em conta não apenas um livro ou dois, mas o conjunto da obra de um escritor. Por isso, vem quase sempre depois da sua morte. E pode nem acontecer nos meses ou até nos anos subseqüentes ao falecimento. Às vezes ocorre um ou dois séculos depois. Não vou citar nenhum caso específico, até para deixar a você, caro leitor, esse exercício de memória (ou de pesquisa, como queira). Tente lembrar casos em que escritores, tidos e havidos como “fracassados” por seus contemporâneos, foram reconhecidos como talentosos e geniais algumas gerações depois.
É difícil (se não impossível) definir as diretrizes para uma boa literatura, aquela com tendência a durar, a inscrever o nome do autor no mármore do reconhecimento e não na areia da praia do ocasional sucesso. Ele deve ser otimista e deixar sempre implícito que no final das contas tudo vai dar certo? Deve explorar a grandeza e a capacidade de solução dos problemas da mente humana? Ou é conveniente e oportuno fazer da sua pena um irado instrumento de denúncia das taras, sacanagens e injustiças humanas? O que você acha?
Da minha parte, prefiro, nesta questão, ficar em cima do muro. Mas se omito minha opinião, pelo menos trago-lhes a de alguém muito mais habilitado e qualificado do que eu: a do escritor albanês, Ismail Kadaré, que foi diversas vezes candidato ao Prêmio Nobel de Literatura, embora sem nunca ter ganhado. Em entrevista publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, ele opinou: “Acho que a grande literatura é aquela que consegue misturar de maneira natural os eventos épicos com o lado grotesco e trágico da vida”. Convenhamos, fazer essa mistura, e ainda mais com naturalidade, com graça e espontaneidade, é desafio digno de um titã. Se dá certo ou não, não faço a menor idéia. Só sei que não nos custa tentarmos adotar essa fórmula.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O sucesso, em qualquer empreendimento – e, no nosso caso, no mundo literário, já que literatura é objeto constante e obsessivo das nossas preocupações – é sumamente enganador e não raro até cruel. Não, leitor, não estou fazendo apologia da débâcle e nem defendendo a tese de que o fracasso é melhor. Nem seria burro de fazê-lo.
Mas o êxito acaba sendo um prêmio muito pequeno, diria ínfimo, para compensar o tremendo esforço que temos que fazer para a sua obtenção. É sumamente efêmero e não raro enganador. Se é difícil chegar-se ao topo, muito mais complicado e árduo é manter-se no alto. O sucesso só faz sentido se for contínuo, não episódico. Depois de obtido, temos que ganhar, ganhar e ganhar sempre. Continuar ganhando sem cessar. Caso venhamos a tropeçar, todo o mérito que tivemos para chegar ao alto será esquecido e apenas nossos defeitos serão ressaltados.
O técnico do Internacional de Porto Alegre, Celso Roth, deu uma definição pitoresca, mas verdadeira e inteligente, do seu significado, no programa “Bola da vez”, da emissora de televisão a cabo ESPN Brasil que participou recentemente. Disse que o “sucesso não cumpre as promessas que faz”. E como não cumpre!!! Nesse aspecto, é um tremendo mentiroso. Quem se acomoda após ser bem-sucedido cria todas as condições para cair de ponta-cabeça do topo do Monte Everest ao fundo do abismo de nove quilômetros de fundura, numa das fossas existentes no Oceano Pacífico. É uma queda e tanto!!
Mais enganador ainda do que um ocasional sucesso, aquele sem continuidade, é a fama. Esta é infinitamente mais “mentirosa”. Não me recordo qual o escritor que disse que ela é nada mais do que o produto de uma soma de equívocos. Ademais, pode ser positiva ou negativa. Há muito bandido por aí que é bem mais famoso (e muito mais) do que os gigantes da espécie, os gênios, os sábios e os santos. Na fama, exageram-se, sempre e sempre, tanto as virtudes quanto os defeitos de quem a goza. Além do que, é mais volátil ainda do que o sucesso. Em três tempos, o “famoso” despenca dos píncaros da glória para o pélago do absoluto ostracismo.
A estas duas condições, prefiro algo bem mais raro, contudo consistente: o reconhecimento. Este tem ingredientes de ambos, mas quando ocorre, é inscrito no mármore e não na areia da praia. As ondas das circunstâncias, portanto, não o apagam jamais. Daí, certamente, sua raridade. São pouquíssimas as pessoas que contam com a eterna gratidão da humanidade e com esse valioso, sólido e tão cobiçado reconhecimento (é o que cobiço).
Entre os escritores, o sucesso na carreira literária é difícil de se obter, é verdade, mas está ao nosso alcance, dentro das nossas possibilidades, dependendo das circunstâncias. Podemos, num inexplicável e generoso lampejo de genialidade, escrever um livro que beire a perfeição. Que tenha, simultaneamente, conteúdo, exatidão e que tenha o condão de despertar empatia no leitor. Se bem acolhido por alguma editora de prestígio, se bem editado, revisado, distribuído (e a distribuição é fundamental) e divulgado, pode, perfeitamente, se tornar um best-seller. Reúne, pelo menos, todas as condições para isso. Se será, ou não, são outros quinhentos. Mas tem possibilidades concretas de esgotar edição após edição. Cumpridas todas as etapas que citei, não será nenhuma surpresa esse escritor se tornar famoso. Surgirão exageros em torno da sua figura, claro, quer para o bem, quer (principalmente) para o mal. Sua biografia será distorcida, desvirtuada e exagerada a tal ponto dele não se reconhecer no perfil que for traçado.
Todavia, o público, e mais do que ele, a editora e a crítica, esperarão desse escritor outra, e mais outra e mais outra obra ainda mais genial do que a primeira, que o tornou campeão de vendas e famoso. Aí está a armadilha. Até porque, o julgamento da qualidade de um livro (e me refiro apenas aos bons) é sumamente subjetiva. Por mais adjetivos que os críticos utilizem para exaltar ou para depreciar algum texto, essa será apenas “sua opinião”. Não quer dizer que tenham razão, tanto num, quanto no outro caso. De repente, o sucesso anterior pode se transformar, num piscar de olhos, num fracasso exponencial, elevado à enésima potência. Os louvores tendem a se transformar em chacotas. E a euforia, fatalmente, acaba virando depressão.
Já o reconhecimento ocorre (quando acontece, é evidente) levando em conta não apenas um livro ou dois, mas o conjunto da obra de um escritor. Por isso, vem quase sempre depois da sua morte. E pode nem acontecer nos meses ou até nos anos subseqüentes ao falecimento. Às vezes ocorre um ou dois séculos depois. Não vou citar nenhum caso específico, até para deixar a você, caro leitor, esse exercício de memória (ou de pesquisa, como queira). Tente lembrar casos em que escritores, tidos e havidos como “fracassados” por seus contemporâneos, foram reconhecidos como talentosos e geniais algumas gerações depois.
É difícil (se não impossível) definir as diretrizes para uma boa literatura, aquela com tendência a durar, a inscrever o nome do autor no mármore do reconhecimento e não na areia da praia do ocasional sucesso. Ele deve ser otimista e deixar sempre implícito que no final das contas tudo vai dar certo? Deve explorar a grandeza e a capacidade de solução dos problemas da mente humana? Ou é conveniente e oportuno fazer da sua pena um irado instrumento de denúncia das taras, sacanagens e injustiças humanas? O que você acha?
Da minha parte, prefiro, nesta questão, ficar em cima do muro. Mas se omito minha opinião, pelo menos trago-lhes a de alguém muito mais habilitado e qualificado do que eu: a do escritor albanês, Ismail Kadaré, que foi diversas vezes candidato ao Prêmio Nobel de Literatura, embora sem nunca ter ganhado. Em entrevista publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo”, ele opinou: “Acho que a grande literatura é aquela que consegue misturar de maneira natural os eventos épicos com o lado grotesco e trágico da vida”. Convenhamos, fazer essa mistura, e ainda mais com naturalidade, com graça e espontaneidade, é desafio digno de um titã. Se dá certo ou não, não faço a menor idéia. Só sei que não nos custa tentarmos adotar essa fórmula.
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