Palavras que fascinam
Pedro J. Bondaczuk
O matogrossense Manoel de Barros é, sem favor algum, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. Ombreia-se, tranquilamente, com um Drummond, um Bandeira, um Quintana e tantos outros, embora não seja tão badalado como ele3s. Pudera, não vive em nenhuma cidade do que se convencionou chamar de “grande centro”, ou seja, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador ou Recife.
Vivesse, seria, sem dúvida, um dos poetas mais lidos e requisitados do País. Quem nunca o leu e não se deliciou com sua poesia não sabe o que está perdendo. Incluo-o entre meus favoritos e leio tudo o que posso, escrito por ele, que me caia em mãos. Tenho centenas e centenas de seus poemas arquivados em uma pasta especial no arquivo eletrônico do meu computador. Guardadas as devidas proporções – já que não passo de um poeta “menor” (e aqui cabe até o superlativo, que talvez seja até um neologismo, “menoríssimo”) – sofri fortíssima influência dele na minha forma de “poetar”.
Mas não é especificamente de Manoel de Barros que vou tratar. Escrever a seu respeito, aliás, para mim, que sou seu admirador incondicional, é moleza. Comentarei algo menos explícito, que esse criativo poeta, com cheiro de mato e, portanto, de Brasil, disse e que me acendeu uma luzinha no fundo do cérebro. Ele afirmou, certa ocasião: “Palavras têm sedimento. Têm boa cópia de lodo, usos do povo, cheiros de infância, permanências por antros, ancestralidades, bosta de morcegos etc.”. E como têm!
Em outra fala de Manoel de Barros, desta vez em conversa com seu amigo Guimarães Rosa (outro mestre na criação de neologismos), afirmou: “Temos que enlouquecer o nosso verbo, adoecê-lo de nós, a ponto que esse verbo possa transfigurar a natureza. Humanizá-la”.
Desde que li isso é o que procuro fazer. Ou seja, “enlouquecer” o meu verbo e “adoecê-lo” de mim Já escrevi centenas de vezes que sou absolutamente fascinado pela palavra e, mais especificamente, pelas que integram o meu idioma. Minha pátria, como a de Fernando Pessoa, também é a “língua portuguesa”. Por causa dessa veneração pela língua do meu país, tive (e ainda tenho) dificuldades de aprender outros. Trata-se de uma resistência subconsciente. Consigo ler, é verdade, até que bem em francês, inglês, espanhol e italiano. Escrevo mais ou menos nessas línguas. Mas falar...!
Suas palavras soam-me rústicas, toscas, bárbaras. Não têm a musicalidade da língua de Camões. Algumas palavras nos fascinam em particular apenas pelo som que produzem ao serem pronunciadas, mesmo que não atentemos ou até desconheçamos seu significado. Nesse aspecto, lembro-me (com ternura, carinho e saudade) de um episódio envolvendo uma das minhas filhas, a segunda em idade entre seus três irmãos. Quando aquela garotinha esperta e sapeca tinha apenas quatro aninhos, dei-lhe uma boneca de pano, (que achava particularmente horrorosa), artesanato indígena de uma tribo que visitei. Tinha valor cultural, não artístico. Pelo menos era o que eu achava.
A filhona, contudo, não pensava como eu. Havia ganhado várias outras (de mim, das tias, dos avós, do padrinho) ricas, importadas, que eram o que havia de melhor e mais sofisticado nesse tipo de brinquedo, mas preferida era... justamente a bruxinha de pano. E sabem qual o nome que a garotinha lhe deu? Garrafa! Sim, não estou brincando, foi Garrafa mesmo! Minha filha encantou-se com o som dessa palavra (vai se saber por que!). Antes mesmo de ganhar a tal boneca, já vivia repetindo-a e fora do contexto, claro, pois sequer sabia ainda seu significado.
Hoje, quando nos lembramos desse episódio, damos gostosas gargalhadas. Mas passados tantos anos – minha filhona transformou-se em excelente e reputada jurista – conhecendo, claro, o que vem a ser uma garrafa, percebo que ela continua fascinada pela palavra. Ou, mais especificamente, por seu som. Também agi assim na minha infância. Elegi um termo que por muito tempo não me saiu do ouvido (e de vez em quando repito-o baixinho para mim mesmo). Ele aparece, inclusive, em vários dos meus poemas. Querem saber qual é? É “plenilúnio”.
Ouvi essa palavra quando tinha cinco anos, num sarau realizado na casa do meu avô paterno – as pessoas de hoje nem desconfiam o que seja isso – em que, além de música instrumental (de piano), e de canto (de canções folclóricas), havia declamação de poesias. E num dos sonetos declamados na ocasião, lá estava ela, a palavrinha mágica que me encantou, robusta, brilhante e pomposa. Repeti-a, baixinho, uma porção de vezes para decorar. Seus dois “eles” faziam-na plástica, líquida, melíflua, agradabilíssima ao meu ouvido. Imaginei dezenas de significados, alguns mágicos, para ela. Queria perguntar a algum adulto o que “plenilúnio” queria dizer, mas temia que zombassem de mim.
Anos depois (não muitos, é verdade, talvez no máximo um ou dois) quando descobri o significado da palavra, confesso que fiquei um tanto decepcionado. “Signífica só lua cheia?!”, perguntei, em tom de exclamação aos meus botões. Ainda assim, o termo não perdeu, para mim, um certo quê de magia que sempre teve, o mesmo que garrafa tinha para a minha filha. Claro que a “plenilúnio” juntei mais uma centena de palavras prediletas, desta vez, contudo, tendo na ponta da língua seus respectivos significados.
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