Tuesday, April 19, 2011







Espécie em extinção?

Pedro J. Bondaczuk

Dia desses, iniciei um dos meus tweets no twitter com esta exclamação: “É duro ser escritor no Brasil!”. Sei que as dificuldades que nós, que exercemos esta até um tanto cabalística atividade, temos não se restringem ao nosso país. Mas resido aqui, não tenho a mais remota intenção de emigrar e por isso preocupo-me com meu “lar planetário”, com o canto do mundo que escolhi para viver, com o meu quintal. Outros que se preocupem com os seus. Mas, uns mais e outros menos, todos os escritores enfrentam várias barreiras que tornam a atividade pouco (ou nada) atrativa.

Mas no meu caso, qual o motivo desse desabafo, justo eu que sou obcecado pelo texto e faço da literatura não um meio de subsistência (até porque, se o fizesse, seria o indigente dos indigentes e teria que mendigar até o pão nosso de cada dia), mas uma das razões de viver? É porque escrever e publicar livros no Brasil é como falar sozinho pela rua, como plantar bananeira nu em pêlo em plena Praça da Sé ou como pregar no deserto, sob um sol escaldante de mais de 50 graus centígrados. Ou seja, manifestação de insanidade. E não sou o primeiro e nem o único a sentir, e expressar, esse desamparo.

Há alguns anos, li, numa entrevista de Lygia Fagundes Telles, esta declaração, que não difere em nada da minha em sua essência, embora tenha sido exposta com mais graça e beleza: “Digo sempre que há três espécies em extinção: o índio, a árvore e o escritor, esse marginalizado. É duro ser escritor num país com um índice tão alto de analfabetismo. E ainda por cima censurado”. Destaque-se que na ocasião em que Lygia fez esse desabafo, vivíamos os malfadados “anos de chumbo” da ditadura militar e os censores nos faziam cerco para impedir que nos expressássemos com liberdade.

Essa escritora carismática é muito especial para mim. Além de apreciar seus livros, todos eles – e, ademais, “rabiscados” (todos os volumes que me pertencem e que integram minha biblioteca), pois tenho o hábito de grifar à caneta os trechos que me agradem e que fatalmente acabo por comentar algum dia – tive o privilégio e a honra de perder para ela o primeiro lugar num concurso literário no Paraná, muito famoso nos anos 60, na edição de 1967, que revelou para o estrelato uma infinidade de escritores novos, até então no ostracismo. Não, leitor amigo, não sou masoquista. Não gosto de perder e nem de sofrer. Um ano antes, em 1966, vejam só, eu já havia perdido para ninguém menos que o magnífico Dalton Trevisan, o famoso “vampiro de Curitiba”. Como vêem, minhas derrotas são, pelo menos, “qualificadas”.

Vocês talvez estranhem eu reverenciar quem me derrotou. Mas faz todo o sentido do mundo. Só o fato de concorrer a um prêmio literário de prestígio, com “feras” desse porte, já me engrandeceu e fez com que eu subisse de patamar. Ademais, aprendi muito com ambos, notadamente com Lygia Fagundes Telles, de quem tenho não somente todos os livros que consegui encontrar, mas artigos de jornais e revistas e até uma cópia do seu discurso de posse na Academia Paulista de Letras. Mas, voltando ao tema, nós, escritores, somos, de fato, espécie em extinção, os últimos “heróis da resistência”.

Uma das maiores invenções do homem, que nós, pessoas modernas, não valorizamos devidamente, dada a facilidade de obtenção, é o livro. Ele permite o acúmulo de sabedoria, de experiências e de emoções de indivíduos especiais e possibilita o acesso a elas de gerações e mais gerações, séculos (às vezes milênios) afora, após a morte destes. Jorge Luís Borges observou, com argúcia, a esse respeito: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões do seu corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua vista; o telefone é extensão da voz; também temos o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação”.

Muito bem, mas essa invenção assombrosa depende de um personagem imprescindível, nem sempre devidamente valorizado, para existir. Claro que me refiro ao escritor. Sem ele, óbvio, não existiriam e não existirão livros. Por mais que a indústria editorial o considere personagem, digamos, secundário, não tem como descartá-lo. Não há livro sem textos, mesmo que estes se restrinjam a reles legendas de fotografias (pois há como fazer volumes só com fotos) ou de imagens de reprodução de quadros famosos. Mas sempre algumas palavras têm que ter. Se não houver nenhuma... Para haver livros, obviamente, há que existir texto e, por extensão, quem o escreva, o escritor. É verdade que muita gente que não é do ramo se aventura a publicar suas garatujas, sempre às próprias expensas, já que os editores não são burros de arriscar dinheiro bom em cima de produto ruim. Mas estes... bem, são uma outra história.

Tento ser (e agir) como Ernest Hemmingway recomendou que a gente fosse e agisse, neste texto, que pincei alhures: “Para o verdadeiro escritor, cada livro deve ser um novo início, no qual tenta alguma coisa que está além da realização. Deve sempre tentar o que nunca foi tentado ou que outros tentaram e não conseguiram. É porque tivemos tão grandes escritores no passado que um escritor é impelido para muito além de onde pode ir, onde ninguém pode ajudá-lo”. Tento ser original à minha maneira, mas sem abrir mão da principal característica do meu estilo (não sei se boa ou ruim), que considero rara virtude: a simplicidade. Tenho ojeriza por textos empolados e creio que meus leitores idem. Se não tivessem... não me prestigiariam com sua fidelidade.

Emile Zola definiu a literatura como “uma fatia de vida vista através de um temperamento”. É uma atividade que encerra em si um paradoxo. Para ser concebida, exige rigorosa solidão de quem a produz. Um escritor não elabora seus textos numa avenida, ou estádio de futebol, em meio a burburinhos e algaravias de multidões. Isola-se, concentra-se, prospecta idéias e sentimentos nas profundezas abissais do subconsciente e de lá extrai o precioso “petróleo”, que tenderá a se tornar combustível de inspiração e motivação para muitas vidas. Mas nunca sabe se foi bem-sucedido em sua tarefa. Até porque, para ele, o parâmetro do sucesso não é a quantidade de livros vendidos (facílima de apurar), importante para as livrarias e os editores, mas o tanto de volumes realmente lidos (impossível de se conhecer). Apenas uma, uma única e solitária figura lhe importa de fato, e quanto maior for sua quantidade, maior será seu sucesso. Quem? O leitor, claro!

É o único juiz cujo veredito o escritor acata e ao qual se submete. Fora dele... Lima Barreto, que não teve a felicidade de gozar, em vida, o sucesso que seu talento justificou que gozasse e que só passou a ter depois de morto, tinha essa consciência. Tanto que escreveu: “Quem faz as obras-primas não somos nós os autores e nem os críticos, nem os amigos dos autores: são os leitores e, sobretudo, o tempo”. Com esta declaração, concluo minha reflexão de hoje. O que poderia acrescentar a uma constatação tão lúcida, óbvia e verdadeira? Nada! Rigorosamente nada!






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