Em Minas, “mina” poesia
Pedro J. Bondaczuk
O Estado de Minas Gerais deve este nome às suas minas de metais e pedras preciosos, notadamente de ouro (mas também de diamante e outras preciosidades), mas bem que poderia ser por “minar” poesia por todos os lados. A quantidade de bons poetas que lá nasceram (e co0ntinuam nascendo) é de tal sorte, que para relacionar a maioria, eu gastaria horas e horas, além de linhas e linhas de textos. Não o farei, obviamente, para não cansar o ilustre leitor que, ademais, conhece de sobejo uma grande quantidade deles.
Hoje, contudo, não vou falar especificamente de poetas (no masculino) mineiros, mas de uma poetisa em particular (e esta é a forma que prefiro para designar as damas que têm pacto com as musas, isso quando não são, simultaneamente, inspiradoras e inspiradas) das Gerais. Não é segredo para ninguém que me conheça minha incondicional admiração pela poesia de Adélia Prado. Aliás, nem é preciso me conhecer para chegar a essa (óbvia) constatação. Basta ler os espaços que edito, em que a poetisa é presença constante e quase que obrigatória. E não lhe faço o mínimo favor com isso. Pelo contrário. Valho-me da qualidade e genialidade de seus poemas para atrair recalcitrantes leitores que não costumam lá me ser muito fiéis.
O pretexto para escrever sobre Adélia (e sequer seria preciso haver algum) é sua presença na magnífica coleção editada pelo Instituto Moreira Salles, “Cadernos de Literatura Brasileira”, que dedica seu volume 9 à análise e crítica dessa poetisa das Gerais. Sua obra é estudada meticulosamente por Antonio Holhfeldt e Ana Miranda. Lendo esses estudos, nos habilitamos a compreender melhor e a valorizar ainda mais a inspirada arte de Adélia.
Além disso, na seção “Confluências” desse volume, personalidades do mundo artístico, literário e cultural, como a atriz Fernanda Montenegro, o cartunista Ziraldo e o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, escrevem sobre a obra da poetisa mineira. O livro traz, ainda, como atração especialíssima, três poemas inéditos da copiosa (e excelente) produção de Adélia, além de três de seus manuscritos. Como se vê, é uma preciosidade para os amantes de literatura em geral e de poesia em particular. É um livro para ser lido, relido e estudado com afinco e com carinho.
Diz-se, nos meios literários, que Adélia Luzia Prado de Freitas – nascida em Divinópolis em 13 de dezembro de 1935, portanto da minha geração – se descobriu como artista ao conhecer a forma peculiar do seu conterrâneo, Carlos Drummond de Andrade, de “poetar”. Mas ocorreu justamente o contrário. Foi o poeta de Itabira que descobriu a poesia da sua conterrânea e se encantou por ela. Tanto que “apadrinhou” seu primeiro livro, o “Bagagem”, publicado pela Editora Imago, tomando a iniciativa de levá-lo e recomendá-lo ao editor. Isso aconteceu em 1975. Sua decisão (ou seria ímpeto, impulso?) nasceu após ler alguns poemas de Adélia. Achou-os “fenomenais” (como se vê, não sou o único e nem um dos raros a pensar assim). O livro foi lançado, um ano depois, em 1976, no Rio de Janeiro, Estiveram presentes no lançamento personalidades do porte de Antonio Houaiss, Raquel Jardim, Clarice Lispector, Nélida Piñon, Alphonsus Guimaraens Filho e Affonso Romano de Sant”Anna, entre tantos outros.
A noite de autógrafo foi prestigiada, ainda, pelo ex-presidente da República (então cassado pela ditadura militar) Juscelino Kubitschek. E, claro, a figura central do evento foi o “padrinho” espiritual de Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade. A partir de então, para a nossa felicidade e o enriquecimento artístico-cultural e espiritual da nação, a poetisa mineira não parou mais de nos brindar com livros e mais livros, cada um melhor do que o outro. E já está mais do que na hora dela se tornar imortal e ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Méritos ela tem, e de sobejo. E não sou eu que afirmo isso, mas são os maiores experts de literatura do País.
Encerro estas confusas, mas entusiásticas considerações, com chave verdadeiramente de ouro. Ou seja, com esta pérola de poesia, intitulada “Com licença poética” (inspirada numa das mais conhecidas produções de Drummond), que diz:
“Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou”.
Depois disso, o que mais eu poderia dizer que acrescentasse o que quer que fosse sobre esta magnífica poetisa das Gerais? Obviamente, nada!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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