Aldeia e mundo
Pedro J. Bondaczuk
“Agora que me vou é que me deixo/ficar perdidamente nesta estrada:/vou numa roda viva, mas sem eixo,/numa coisa futura, mas passada.//Vou e não vou e assim se vai compondo/o que me está aos poucos dividindo:/não a zoada azul de um marimbondo,/mas a certeza de um amor tão lindo.//Alguma coisa vai ficando, além do/tempo em que me dou e me reparto:/ficou meu coração, ficou batendo,/batendo na penumbra de algum quarto.//Ficou o que mais quero e vai comigo:/molharam nalgum curso os seus cabelos/para compor as novas semifusas/dos meus silêncios, dos meus atropelos.//Mas no curso dos dias que há por dentro/de cada um de nós, na nossa história,/alguém por certo encontrará o centro/de tudo que ficou na trajetória.//E o que ficou, ficou: raiz noctuma/enterrada nas ruas, nos quintais;/vento varrendo o pó de alguma furna,/chuvas de pedra, alguns trovões, Goiás”.
Vocês conhecem o autor deste magnífico poema? Caso a resposta seja negativa, não sabem o que estão perdendo. Estes versos, intitulados “No curso do dia”, são do poeta, ensaísta e crítico literário goiano Gilberto Mendonça Teles, 79 anos de idade e 50 de (boa) literatura. O poema que reproduzi está no livro “Saciologia goiana” (é “sa” mesmo e não “so”; vem de saciedade e não de sociologia). Com mais de meio século de atividade, este escritor erudito, mestre de literatura, tem que ser lido e estudado por todos os que freqüentam este complicado, mas fascinante mundo das letras. E há uma profusão de livros dele para ler. Só dos que consegui catalogar, são 23 de poesias e mais 14 de ensaios. Provavelmente, a quantidade é muito maior. Mesmo que não seja, todavia, convenhamos, trata-se de uma obra das mais consideráveis (e notáveis).
Neste país de dimensões continentais, via de regra, escritores que não residem e/ou não atuem no eixo Rio/São/Paulo/Belo Horizonte tendem a ser pouco divulgados, a despeito da qualidade de sua produção. É uma pena que isso ocorra. Não sei se este é o caso de Gilberto Mendonça Teles. Espero que não. Ocorre que li poucas referências, quase nenhuma, a seu respeito nas seções de literatura dos grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Atribuo o fato à desinformação dos editores. Afinal, Gilberto Mendonça Teles, membro da Academia Goiana de Letras, é o escritor goiano mais conhecido no mundo, com livros traduzidos para diversos idiomas e publicados nos principais países da Europa. Convenhamos, não é pouca coisa.
Nacionalmente, também firmou prestígio nos meios literários, quer por sua erudição, quer pela criatividade. Entre suas inúmeras conquistas, tem um feito que raríssimos escritores já conseguiram: recebeu o Prêmio Machado de Assis, considerado a maior premiação literária brasileira (uma espécie de “Nobel tupiniquim”), outorgado pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Como vêem, não exagero quando afirmo que quem não conhece sequer uma obra deste escritor conta com contundente lacuna em sua cultura.
Fiquei conhecendo os magníficos textos de Gilberto Mendonça Teles quase que por acaso. Em 1984, meu amigo dileto e companheiro de redação no Correio Popular de Campinas, o poeta e jornalista mineiro, natural de Ouro Fino, Maurício de Moraes (já falecido), deu-me de presente um livro, com a capa bastante machucada e com páginas grifadas com lápis vermelho do início ao fim e recomendou-me que lesse com atenção e que não me limitasse a ler, mas o estudasse, como ele já havia feito (daí o estado lamentável do volume). Como sou um sujeito enjoado com essa questão de ordem, mandei o exemplar para a encadernadora, antes mesmo de ler. E ele voltou com aspecto de novo, pelo menos por fora, já que os grifos não havia como apagar. Mas estes até que me ajudaram na leitura.
E querem saber qual foi esse livro? Foi “Drummond, a estilística da repetição”, justamente de Gilberto Mendonça Teles, lançado pela Livraria José Olympio Editora, em 1970, em comemoração ao jubileu de esmeralda do poeta de Itabira. O lançamento integrou a magnífica coleção “Documentos Brasileiros”. Oportunamente, prometo analisar em detalhes essa obra.
E por que o Maurício me deu especificamente este livro, de tanta estimação sua e que lhe fora tão útil, e não outro qualquer, de sua autoria, por exemplo? Por saber da minha apreciação (diria veneração) por Carlos Drummond de Andrade, a quem não tive, é verdade, o privilégio de conhecer pessoalmente, mas com o qual troquei algumas cartas (naquele tempo, nem se sonhava com a existência dos e-mails, recorde-se). Gilberto Mendonça Teles detectou, no estilo drummondiano, uma característica que, num poeta inábil ou sem tanta habilidade, seria desastroso, mas que no menestrel de Itabira é uma virtude, um charme a mais, uma façanha acessível a poucos: a repetição de palavras.
Li o extenso e detalhado ensaio, em forma de livro, primeiro num só sopro. Depois, como se faz com aquelas comidas deliciosas que não comemos cotidianamente, mas apenas em raras ocasiões especiais, fui “degustando”, por um tempo cuja extensão nem sei determinar, parágrafo a parágrafo, meditando sobre o que lia, voltando atrás quando algum conceito um pouco mais complexo não ficava bem “digerido” e, com isso, pude perceber a toda a extensão da genialidade de Carlos Drummond de Andrade.
Ler sobre o poeta de Itabira, para mim, é imensa satisfação, quase um delírio. Lê-lo, então, é um êxtase. E não me canso de escrever a seu respeito, o que sua vasta obra me propicia sem cessar. Quanto mais escrevo sobre ela, mais tenho a escrever. Mas, confesso, passei a ver seus poemas com outro enfoque, sob outro prisma, dando-lhes ainda maior valor, desde que li o livro de Gilberto Mendonça Teles (que parece que foi reeditado em 2005). E isso há já 26 longos anos! Voltarei, certamente, a tratar, oportunamente, destes dois magníficos poetas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
“Agora que me vou é que me deixo/ficar perdidamente nesta estrada:/vou numa roda viva, mas sem eixo,/numa coisa futura, mas passada.//Vou e não vou e assim se vai compondo/o que me está aos poucos dividindo:/não a zoada azul de um marimbondo,/mas a certeza de um amor tão lindo.//Alguma coisa vai ficando, além do/tempo em que me dou e me reparto:/ficou meu coração, ficou batendo,/batendo na penumbra de algum quarto.//Ficou o que mais quero e vai comigo:/molharam nalgum curso os seus cabelos/para compor as novas semifusas/dos meus silêncios, dos meus atropelos.//Mas no curso dos dias que há por dentro/de cada um de nós, na nossa história,/alguém por certo encontrará o centro/de tudo que ficou na trajetória.//E o que ficou, ficou: raiz noctuma/enterrada nas ruas, nos quintais;/vento varrendo o pó de alguma furna,/chuvas de pedra, alguns trovões, Goiás”.
Vocês conhecem o autor deste magnífico poema? Caso a resposta seja negativa, não sabem o que estão perdendo. Estes versos, intitulados “No curso do dia”, são do poeta, ensaísta e crítico literário goiano Gilberto Mendonça Teles, 79 anos de idade e 50 de (boa) literatura. O poema que reproduzi está no livro “Saciologia goiana” (é “sa” mesmo e não “so”; vem de saciedade e não de sociologia). Com mais de meio século de atividade, este escritor erudito, mestre de literatura, tem que ser lido e estudado por todos os que freqüentam este complicado, mas fascinante mundo das letras. E há uma profusão de livros dele para ler. Só dos que consegui catalogar, são 23 de poesias e mais 14 de ensaios. Provavelmente, a quantidade é muito maior. Mesmo que não seja, todavia, convenhamos, trata-se de uma obra das mais consideráveis (e notáveis).
Neste país de dimensões continentais, via de regra, escritores que não residem e/ou não atuem no eixo Rio/São/Paulo/Belo Horizonte tendem a ser pouco divulgados, a despeito da qualidade de sua produção. É uma pena que isso ocorra. Não sei se este é o caso de Gilberto Mendonça Teles. Espero que não. Ocorre que li poucas referências, quase nenhuma, a seu respeito nas seções de literatura dos grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Atribuo o fato à desinformação dos editores. Afinal, Gilberto Mendonça Teles, membro da Academia Goiana de Letras, é o escritor goiano mais conhecido no mundo, com livros traduzidos para diversos idiomas e publicados nos principais países da Europa. Convenhamos, não é pouca coisa.
Nacionalmente, também firmou prestígio nos meios literários, quer por sua erudição, quer pela criatividade. Entre suas inúmeras conquistas, tem um feito que raríssimos escritores já conseguiram: recebeu o Prêmio Machado de Assis, considerado a maior premiação literária brasileira (uma espécie de “Nobel tupiniquim”), outorgado pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Como vêem, não exagero quando afirmo que quem não conhece sequer uma obra deste escritor conta com contundente lacuna em sua cultura.
Fiquei conhecendo os magníficos textos de Gilberto Mendonça Teles quase que por acaso. Em 1984, meu amigo dileto e companheiro de redação no Correio Popular de Campinas, o poeta e jornalista mineiro, natural de Ouro Fino, Maurício de Moraes (já falecido), deu-me de presente um livro, com a capa bastante machucada e com páginas grifadas com lápis vermelho do início ao fim e recomendou-me que lesse com atenção e que não me limitasse a ler, mas o estudasse, como ele já havia feito (daí o estado lamentável do volume). Como sou um sujeito enjoado com essa questão de ordem, mandei o exemplar para a encadernadora, antes mesmo de ler. E ele voltou com aspecto de novo, pelo menos por fora, já que os grifos não havia como apagar. Mas estes até que me ajudaram na leitura.
E querem saber qual foi esse livro? Foi “Drummond, a estilística da repetição”, justamente de Gilberto Mendonça Teles, lançado pela Livraria José Olympio Editora, em 1970, em comemoração ao jubileu de esmeralda do poeta de Itabira. O lançamento integrou a magnífica coleção “Documentos Brasileiros”. Oportunamente, prometo analisar em detalhes essa obra.
E por que o Maurício me deu especificamente este livro, de tanta estimação sua e que lhe fora tão útil, e não outro qualquer, de sua autoria, por exemplo? Por saber da minha apreciação (diria veneração) por Carlos Drummond de Andrade, a quem não tive, é verdade, o privilégio de conhecer pessoalmente, mas com o qual troquei algumas cartas (naquele tempo, nem se sonhava com a existência dos e-mails, recorde-se). Gilberto Mendonça Teles detectou, no estilo drummondiano, uma característica que, num poeta inábil ou sem tanta habilidade, seria desastroso, mas que no menestrel de Itabira é uma virtude, um charme a mais, uma façanha acessível a poucos: a repetição de palavras.
Li o extenso e detalhado ensaio, em forma de livro, primeiro num só sopro. Depois, como se faz com aquelas comidas deliciosas que não comemos cotidianamente, mas apenas em raras ocasiões especiais, fui “degustando”, por um tempo cuja extensão nem sei determinar, parágrafo a parágrafo, meditando sobre o que lia, voltando atrás quando algum conceito um pouco mais complexo não ficava bem “digerido” e, com isso, pude perceber a toda a extensão da genialidade de Carlos Drummond de Andrade.
Ler sobre o poeta de Itabira, para mim, é imensa satisfação, quase um delírio. Lê-lo, então, é um êxtase. E não me canso de escrever a seu respeito, o que sua vasta obra me propicia sem cessar. Quanto mais escrevo sobre ela, mais tenho a escrever. Mas, confesso, passei a ver seus poemas com outro enfoque, sob outro prisma, dando-lhes ainda maior valor, desde que li o livro de Gilberto Mendonça Teles (que parece que foi reeditado em 2005). E isso há já 26 longos anos! Voltarei, certamente, a tratar, oportunamente, destes dois magníficos poetas.
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