Wednesday, April 27, 2011







O medo de perder

Pedro J. Bondaczuk

O ciúme é, ao lado do amor (ao qual está associado), um dos sentimentos mais explorados em literatura, quer em ficção, quer em estudos psicológicos e/ou comportamentais. Não há, por exemplo, romance, novela, conto ou peça teatral em que não haja a presença dessa reação instintiva de quem teme perder o que considera precioso. Se moderado, é inequívoca demonstração de afeto. Mas quando passa do ponto... tende a destruir um amor, por mais arraigado e profundo que seja. Não raro transforma-o em ódio feroz e é causa de milhões de tragédias mundo afora e a cada dia.
Li poemas magníficos que tratam, com sensibilidade e perícia, de ciúmes. Não daquele louco e homicida, do qual devemos nos livrar o mais rápido que pudermos, caso já esteja instalado em nossa mente, ou nos prevenirmos, se ele ainda não se instalou. Os psicólogos asseguram que se trata de um dos instintos básicos do “bicho homem”. A enciclopédia eletrônica Wikipédia traz uma definição desse sentimento, dada pelos especialistas israelenses Ayala Pines e Elliot Aronson, que é a seguinte: “Reação complexa a uma ameaça perceptível a uma relação valiosa ou à sua qualidade”.
Observe-se, portanto, que o ciúme pode se fazer presente (e invariavelmente se faz), não somente em relacionamentos amorosos, mas em amizades, em locais de trabalho, e em todos os tipos de competição, quando intuímos (ou somente desconfiamos) que nosso competidor tem algo que não temos e que queremos ou que é melhor do que nós em algum aspecto, ou em tudo.
Convivemos com o ciúme desde tenra idade. Filhos primogênitos, por exemplo, sentem-no o tempo todo, tão logo a família seja aumentada e apareçam outros irmãos. Sentem que o afeto dos pais, por não ser mais exclusivo, de alguma forma será menor, mesmo que não o seja. A tradição bíblica deixa claro que o primeiro homicídio que teria ocorrido no mundo seria causado por esse tão complexo sentimento. Trata-se da narrativa do assassinato cometido por Caim contra seu irmão Abel. Mesmo que se trate de mera alegoria, é um dos textos que mais deveriam ser refletidos, para nos fazer admirar e até imitar atitudes positivas e virtudes dos outros, em vez de reagirmos a elas com ira e com violência.
Claro que não pretendo esgotar o assunto, que tem variáveis mil que poderiam ser abordadas. Contudo, por tratar-se de tema onipresente em literatura, é inteligente e saudável pensarmos no assunto e, sobretudo, útil, para quando formos engendrar algum enredo de romance, conto, novela ou peça de teatro e compor o perfil dos respectivos personagens.
A psicóloga clínica Mariagrazia Marini destaca que o ciúme é quase sempre marcado pelo medo (real ou irreal) e/ou vergonha de se perder o amor da pessoa amada. Todos sabem, por exemplo, como o vulgo trata de traições conjugais. Pitorescamente, a vítima é execrada e alvo de chacotas, enquanto o agente da traição é poupado. Trata-se de estranha (e burra) inversão de valores. Termos como “corno” e “chifrudo” são comuníssimos, usados para depreciar o traído, deixando implícito que isso se deu por sua incompetência. Na verdade, quase nunca é.
O ciúme envolve, sempre, três ou mais pessoas. Temos, em primeiro lugar, um sujeito ativo, ou seja, o que o sente. A lógica diz que necessariamente deve haver pelo menos um outro personagem, o central, “de quem se tem ciúme”. Por fim, entram em cena os últimos agentes essenciais (pode ser um ou podem ser vários): o (ou os) que desperta (ou que despertam) esse primitivo e instintivo sentimento, ou seja quem “ameaça” o ciumento. Essa reação pode ser motivada, concreta, real (quando há risco real de se perder pessoa, coisa ou situação que se valoriza) ou sem nenhum motivo (cujo risco exista, claro, apenas na cabeça do ciumento).
Estou evitando de citar livros e autores que exploraram com perícia esse tema, por serem sobejamente conhecidos dos amantes de literatura. Estou certo que cada um de vocês será capaz de citar, no mínimo, dez livros, quer do mesmo autor, quer de autores diferentes, em que o tema é abordado. Só não posso deixar de mencionar o mais conhecido deles, a peça “O mercador de Veneza”, de William Shakespeare, e seu personagem emblemático, Otelo, que no final das contas esgana Desdemona, cego de rancor e de ciúmes.
Posso citar, todavia, algumas frases de escritores célebres a respeito. Stendhal, por exemplo, escreveu: “Para certas mulheres altivas e donas de si, o ciúme do homem amado pode se apresentar como maneira especial de mostrar o valor que essas mulheres possuem”. Já para o sisudo ensaísta Michel de Montaigne, “de todas as enfermidades que acometem o espírito, o ciúme é aquela à qual tudo serve de alimento e nada serve de remédio”. E não está certo o ilustre escritor francês? Claro que sim.
François de Rochefoucauld, por seu turno, escreveu a propósito: “O ciúme, o receio de deixar, o medo de ser deixado são as dores inseparáveis do declínio do amor”. E o italiano Paolo Mantegazza desabafa: “Que vida de inferno é a vida do ciumento! Antes não amar, do que amar desse modo”.
Prefiro, todavia, esta exclamação, quase que em forma de prece, de William Shakespeare: “Meu Senhor, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e, suspeitando, adora”. E não é?!

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