Sunday, April 24, 2011







Potências têm dívida moral com povo da Etiópia


Pedro J. Bondaczuk


A queda de Addis Abeba em poder dos rebeldes etíopes, ocorrida na madrugada da terça-feira, pôs fim a 17 anos de regime marxista, imposto a ferro e fogo no país, em setembro de 1974, com o golpe de Estado liderado pelo general Aman Michael Andon, que destronou o imperador Hailé Sellassié, denominado o “Leão de Judá” e acabou com a monarquia.
Na oportunidade, este fato foi considerado uma grande conquista para a União Soviética, então em plena fase de exportação da Revolução. A intentona militar seria muito oportuna para Moscou, cinco anos mais tarde, que com a mudança de rumo político do hoje deposto presidente da Somália, Mohammed Siad Barre – derrubado, também, por guerrilheiros em janeiro passado – perderia importantes bases navais no Mar Vermelho, no chamado Chifre da África.
A Etiópia, país de 51 milhões de habitantes, no qual mais de 50% da população são cristãos coptas, serviu de uma espécie de joguete, de peão no tabuleiro de xadrez estratégico de várias potências, em especial neste século.
Em 1896, o imperador Menelik I, por exemplo, conseguiu derrotar um forte exército italiano e dessa maneira evitar o triste destino de colônia de alguma nação européia, que pretendiam lhe reservar. Mas sua vitória não foi total. Perdeu a província da Eritréia para os invasores.
Quarenta anos depois, um de seus sucessores, Rãs Tafari Makonnen, que após ascender ao trono mudaria seu nome para Hailé Selassié – cujo significado é “O Poder da Trindade” – teria menos sorte no confronto com a Itália. Em 1935, tropas do ditador fascista Benito Mussolini invadiram a Etiópia e, depois de quase um ano de desesperada resistência, os etíopes renderam-se em 1936. Seu monarca fugiu para a Europa, onde empreendeu incansável campanha de propaganda para recuperar a autonomia nacional.
E esta viria cinco anos depois, em plena Segunda Guerra Mundial. Durante a campanha na África, contingentes aliados, liderados pelos britânicos, mas contando com muitos e bravos soldados da Etiópia, expulsaram os italianos dali e Selassié regressou em triunfo para reassumir o trono.
Mas as complicações estavam longe de acabar. A Eritréia permanecia desmembrada do restante do seu território. Ela apenas foi reintegrada em 1952, mediante uma resolução das Nações Unidas, que determinou que a província formasse uma federação com a Etiópia.
O imperador, todavia, simplesmente reabsorveu a região, sem lhe conceder a devida autonomia. Em 1961, os eritreus se rebelaram e pegaram em armas, dando início à atual guerra civil, cujo número de mortos foi tão grande a ponto de se tornar impossível de se contabilizar.
A economia etíope, que já era frágil, se deteriorou de vez. Hoje o país conta com uma das menores rendas per capita do mundo. Cada cidadão da Etiópia recebe, em média, US$ 147 por ano. Isto equivale a cerca de Cr$ 44.100,00 anuais ou Cr$ 3.675,00 por mês.
A agricultura virtualmente desapareceu como atividade econômica, por causa de sucessivas secas e, principalmente, porque a prolongada guerra civil ocupou a maioria dos braços válidos, para extinguir vidas, ao invés de garantir seu sustento.
Caso o país não receba uma urgente ajuda financeira e humanitária do exterior, as promessas dos rebeldes, que puseram fim à ditadura marxista de 17 anos, de construir uma sociedade plenamente democrática, não passarão de meras palavras ao vento. O mundo tem uma dívida moral imensa com a Etiópia.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 30 de maio de 1991)

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