Monday, April 18, 2011



Enxurrada de imagens


Pedro J. Bondaczuk


Há momentos em que o redator, aquele que tem compromisso de produzir, todos os 365 dias do ano, algum texto (como é o caso deste Editor), se perde em elucubrações e leva muito mais tempo que o normal para se desincumbir de sua tarefa. Raramente, todavia, isso ocorre por falta de assunto. Aliás, pelo contrário. Há tanta coisa para ser abordada, sua mente é assaltada por tão irresistível enxurrada de imagens, que reluta muito antes de decidir o que fazer. E às vezes sequer se decide. Deixa-se levar pelas circunstâncias. Escreve sem refletir e finda por produzir texto sem conteúdo, mesmo que elegante e bem ajustado.

O oposto também acontece, posto que raramente, pelo menos a quem seja afeito à escrita e tenha a aludida obrigação de produzir pelo menos um texto por dia. É o que ocorre, amiúde, comigo. Peno muito mais por excesso de temas do que por ausência deles. Aliás, não me lembro de um único dia em que me sentisse sem nenhum assunto.

Hoje, por exemplo, eu tinha em mente pelo menos três deles, cada um mais estimulante do que o outro, mas o espaço disponível contempla apenas um. Pensei, a princípio, em escrever, por exemplo, sobre o que ocorreu, certa feita, em meus tempos de menino, quando, recém-alfabetizado, minhas professoras (foram mais de uma) repreenderam meu pai por permitir (no meu caso, ele até incentivava) ler tantas revistas de histórias em quadrinhos, popularmente conhecidas como “gibis”. Argumentavam que essa leitura “bloquearia” minha imaginação e me condicionaria, me “viciaria” até a procurar somente textos que fossem acompanhados de ilustrações, de figuras, em detrimento dos livros sem nenhuma imagem.

Bah!! com o perdão da palavra, mas como eram tolas e ingênuas aquelas bem-intencionadas professorinhas! Meu saudoso e sábio pai, que na sua simplicidade tinha muito mais sabedoria do que muito sujeito arrogante e metido a auto-suficiente, com inúmeros diplomas universitários, mas sem o sempre bem vindo bom senso, ignorou solenemente essas reprimendas. Fez que nem era com ele. Tinha opinião formada a respeito que só mudaria se fosse convencido com argumentos sólidos e insofismáveis. Entendia que as histórias em quadrinhos eram rigorosamente o oposto do que as mestras asseguravam. Ou seja, entendia que eram magníficos estimulantes da imaginação e que sua leitura “treinaria” o subconsciente da criança (no caso, eu) a formar imagens próprias sempre que algum texto “seco”, sem ilustração, sugerisse. E ele tinha razão. Pelo menos no meu caso.

Tornei-me leitor compulsivo, apaixonado, obsessivo até. Devo ter lido, sem exagero algum, ao longo das minhas quase sete décadas de vida, alguns milhares de livros (não saberia definir quantos), e jamais enfrentei qualquer dificuldade de entendimento, mesmo quando se tratava de complexas obras de filosofia, de biologia, de física e vai por aí afora. Meu subconsciente foi “treinado”, desde tenra idade, a imediatamente formar “imagens” pertinentes tão logo inicie alguma leitura. Ou seja, as revistas de histórias em quadrinhos desenvolveram minha capacidade de imaginação. E o que é imaginar? A própria palavra já responde a questão: é formar “imagens”.

Bem, este era um dos assuntos que gostaria de tratar e que, oportunamente, tratarei com os devidos detalhamentos que merece. O outro refere-se a uma tese que levantei há muito tempo, segundo a qual jamais conheceremos a verdadeira história de um povo se não lermos os principais livros dos seus principais escritores. Os historiadores, via de regra, se atêm, com o máximo rigor, a documentos para relatar e fundamentar fatos. Estes, todavia, na sua frieza protocolar, não “explicam” o comportamento do povo, os motivos para agir de determinada forma e não de outra. Não desvendam sua cultura, seus ritos, costumes e tradições. Já o escritor...

"Deve-se ler, até mesmo, os que escrevem somente ficção, para compreender a história de um povo?”, perguntará o leitor, no intuito de pegar o redator de “calça curta”. Retruco: principalmente estes!!! E por que? Porque o ficcionista (romancista, contista ou novelista) tem que emprestar o máximo de verossimilhança aos seus enredos, para torná-los atrativos, interessantes e não raro inteligíveis. Por isso descreve, melhor do que ninguém, do que o historiador, o sociólogo ou o cientista do comportamento, por exemplo, como aquela determinada população age, do que gosta, o que detesta, o que anseia, o que teme, o que veste, come, faz etc.etc.etc. Enfim, capta a “alma” daquele povo.

Bem, sei que minha explicação ficou vaga em demasia e, na verdade, não explicou coisíssima nenhuma. Mas a intenção foi exatamente esta. Com isso, terei o pretexto de escrever (oportunamente) a respeito, para deixar tudo bem explicadinho, como manda o figurino. Mas não eram apenas estes dois os temas que, tão logo me sentei diante da telinha em branco do computador, me desafiaram hoje. Na verdade eram outros cinco ou seis, com uma enxurrada de idéias, argumentos e imagens. Decidi que não escreveria – não pelo menos com detalhes – sobre nenhum deles. Resolvi que, em vez disso, mostraria ao leitor a enrascada que o redator com obrigação de escrever um texto inédito por dia, às vezes se mete. Essa dúvida, para mim, é muito mais torturante do que a falta de assunto.


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