Hierarquia e liderança
Pedro J. Bondaczuk
As mais diversas e heterogêneas sociedades, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de líderes, de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias – desde as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias e nacionais. Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores do que outros. Quem nunca ouviu falar, por exemplo, dos “machos alfas”, entre os lobos? Entre os búfalos, há determinados líderes das manadas que lhes conferem segurança e tranqüilidade. Vi, não faz muito, em um documentário, o caso de um desses animais que enfrentou uma onça, que ameaçava o rebanho, e venceu-a, em luta renhida, pondo-a para correr. Esses indivíduos mais aptos do que outros (física, mental ou moralmente) são os que, pelo menos teoricamente, normalmente constituem as elites das diversas sociedades.
Há, é certo, os que não se enquadram neste esquema. Por uma razão ou outra, discordam tanto da liderança, quanto da hierarquia vigente na sociedade de que fazem parte. Transformam-se em rebeldes, em contestadores, em questionadores que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários, fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal. A História, mesmo que truncada e parcial (já expliquei porque é impossível que seja rigorosamente exata e completa), registra, em suas páginas manchadas de sangue e, via de regra, escritas com as tintas do acaso, tanto o lado positivo dessa rebeldia (no sentido de se opor a tiranos e tiranias), quanto o negativo, por desorganizar determinadas sociedades.
E por que trago este tema à baila? Bem, de uns tempos para cá, venho tratando de uma série de conceitos teóricos, aparentemente óbvios, mas não bem compreendidos por todos. Cheguei a pensar em mudar de assunto, por achar tais questões áridas em demasia. A pedidos, todavia, prosseguirei nessa trilha, que se presta, convenhamos, a muitas reflexões.
E o que vem a ser uma hierarquia? De acordo com a enciclopédia eletrônica Wikipédia, é a “ordenação de elementos em ordem crescente de importância”. Nessa forma de organização, cada um de seus integrantes é subordinado ao que lhe está imediatamente acima, exceto, claro, o que está no topo, que não se subordina a ninguém.
As hierarquias apresentam-se nas mais variadas formas, dependendo onde são criadas e para qual fim. Podem ser familiares, empresariais, religiosas, esportivas, econômicas, políticas, etc.etc.etc. Todas, porém, guardam mais ou menos a mesma conformação. Uma organização, para que funcione a contento, como dela se espera, requer também um “líder”. O conceito de liderança é um dos temas com os quais mais tenho trabalhado nos últimos anos, quer em textos, quer em palestras e conferências, quer em debates com estudantes. E nesses eventos percebi que nem sempre o assunto é entendido com correção. Há quem confunda o líder, por exemplo, com o tirano, com o mandão, com o que se julga com poder de decidir sobre a vida e a morte de subordinados. Mas ele não se vale da coação para comandar os liderados. Outros confundem-no com um “chefe”. Há, todavia, diferenças abissais entre estes dois elementos de uma hierarquia.
Liderança, para que fique claro, é o processo de conduzir um grupo de pessoas, transformando-o numa equipe para gerar resultados. Até aí, eu não disse muita coisa. Devo acrescentar, pois, que liderar é contar com a habilidade de motivar, de influenciar e de extrair o máximo de capacidade e eficiência dos liderados. Como? No grito? Com ameaças? Instituindo alguma escala de prêmios e castigos, conforme o desempenho? Não, não e não!!! O líder que merece, de fato, essa designação é o que extrai o máximo de seus liderados de forma ética e positiva, de sorte que contribuam, “por vontade própria” (e este é o seu distintivo e diferencial), para o alcance dos objetivos pretendidos. Portanto, não manda, induz. Não ordena, sugere. Não exige, dá o exemplo.
E no que o líder se diferencia do chefe? Em tudo. Chega a ser até surpreendente e estranho que ambos venham a ser confundidos (e são). O chefe é apenas a pessoa encarregada por um superior na escala hierárquica para determinada tarefa à frente de um grupo. Este sim recebe, mediante delegação, autoridade para mandar e exigir. Ou seja, ordena, não dialoga. Manda e exige ser obedecido. Conforme o caso, não aceita a menor contestação dos subordinados. Afinal, os resultados da atuação do grupo que chefia serão cobrados dele por seus superiores.
Outra diferença? O chefe é escolhido por alguém, já o líder emerge naturalmente na organização (ou numa sociedade) de forma espontânea. Não se forma, é inato. Sua personalidade e autoridade moral são tão grandes, que ninguém sequer discute sua liderança. Esta impõe-se natural e espontaneamente. As pessoas seguem-no não por serem obrigadas a tal, ou por temerem-no, mas por confiarem nele. São capazes, se preciso, de confiar (e confiam mesmo) as próprias vidas às suas mãos.
Muitos confundem, por outro lado, governantes, escolhidos pelo povo (ou que assumem o poder pela força das armas, o que é mais trágico), atribuindo-lhes suposta capacidade de liderança nacional. Vários deles, ao longo da história, já conduziram (e há os que ainda conduzem) populações inteiras a catastróficas e estúpidas guerras. Deveriam se conscientizar da gravidade de seus atos, mas não se conscientizam. Precisariam ter noção das desgraças que vão causar, mas não têm. Deveriam entender (mas não entendem) a real natureza do poder que lhes é outorgado (ou que usurpam). Necessitariam ter em mente o todo, e se conscientizar que o período que vivem é um mero segmento de algo muito maior, infinitamente mais amplo, que é o eterno.
Não há glória alguma em destruir, causar dor, matar. E nem há ciência. As feras broncas, sem raciocínio, sentimentos ou moral, fazem isso até com maior eficiência, quando não com “perfeição”. Na verdade, não somos nada. Somos menos do que um piscar de olhos na eternidade. E, no entanto... alguns de nossos atos têm um alcance tão grande, que continuam a produzir efeitos através dos anos. Às vezes, até por séculos, muito tempo depois da nossa extinção como pessoas.
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