Quem irá colher?
Pedro J. Bondaczuk
O poeta é, via de regra, um sujeito incompreendido. Suas atitudes, seu modo de ser e sua personalidade diferem do lugar comum. Aos olhos do mundo, é um excêntrico, e não apenas no falar e no escrever, mas nas atitudes e no modo de encarar a vida. Nem todos, claro, parecem ser assim. Mas no fundo, no fundo, são. Há os que dissimulam muito bem, comportam-se em sociedade como “pessoas normais”, seguindo, claro, aquele estereótipo de normalidade que o vulgo confere. Isso, todavia, não passa de máscara, de disfarce, de dissimulação. É isso! O poeta é um dissimulado por excelência. Ademais, o que é ser normal? E o que caracteriza essa tal de anormalidade? Eu diria, como aquele personagem de Shakespeare: “words, words, words...”
Perguntaram-me, dia desses, por que entre meus livros publicados não há nenhum de poesia? Afinal, já ganhei prêmio de âmbito nacional nesse gênero e tenho cinco obras poéticas prontinhas, que poderiam ser impressas já amanhã. Houve, até, interesse de editora em fazê-lo, mesmo sabendo que, no mercado editorial, salvo raríssimas exceções, poesia é prejuízo certo, é sinônimo de encalhe. A resposta pode não satisfazer ninguém, pode parecer artificial ou absolutamente falsa, mas é verdadeira.
Não publico livros de poesia porque, se o fizesse, estes seriam postos à venda, obviamente, até na tentativa de recuperar, pelo menos, os custos de produção. No entanto, não sou cúpido a ponto de “vender sentimentos”. Prefiro dá-los aos que me rodeiam, quer sejam objetos de meu afeto, quer desafetos; quer conhecidos e até íntimos, quer estranhos e rigorosamente desconhecidos. Não mercadejo intimidades. Estranho? Pois é, trata-se de característica nossa, dos contaminados por esse vírus incurável, que nos faz tão diferentes.
O escritor russo, Máximo Gorki, colocou a seguinte afirmação na boca de um de seus personagens, no conto “Konoválov” (que consta do livro “Os melhores contos de Máximo Gorki”, tradução de Leonid Kipman, Boa Leitura Editora): “Com a poesia dá-se o mesmo que acontece com todas as outras coisas: ela perde a singeleza sagrada, tão logo se transforma em profissão”. É isso! O poeta autêntico nunca é “profissional” da poesia. Caso escrevesse com objetivo precípuo de ganhar dinheiro, descaracterizaria sua arte. Seus versos, mesmo que fossem tecnicamente perfeitos, perderiam a espontaneidade, a sinceridade e, por extensão, a credibilidade. A meu ver, nem seriam poesia, mas arremedo bem feito dela. Ser poeta é uma condição de vida, um estado de espírito, um jeito de ser e nunca uma profissão. É assim que entendo as coisas.
Claro que quando eu “ficar encantado” (pois poeta não morre, se encanta), meus herdeiros poderão fazer o que quiserem com meus livros de poesia. Podem, até, publicarem-nos, com intuito comercial, com objetivo de vendas. Obviamente, então, não terei controle sobre o destino da minha produção poética. Ela tanto pode ser totalmente destruída, sem deixar o mais leve vestígio (o que me parece, agora, impossível, pois há poemas meus espalhados internet afora), como ser colocada em leilão, à espera da melhor oferta.
Caso os publique um dia, em vida, o farei com o sentido de oferta, de presente, de dádiva ao mundo. Arcarei, portanto, com os custos e darei, de graça, cada exemplar, às pessoas que sei que apreciam poesia e que, por isso, têm capacidade de lhe dar o devido valor. Loucura minha? Pode ser! Para ganhar dinheiro (e espero, de fato, ganhar), tenho minha obra em prosa. Tenho, notadamente, meus livros de contos, minha especialidade literária. É isso! Gosto de inventar e contar histórias. E essa aptidão eu cobro.
Não estão me entendendo? Sugiro-lhes, então, que leiam estas recomendações de Sérgio Buarque de Holanda, feitas no ensaio “João Cabral de Mello Neto” publicado no jornal “Folha da Manhã”, em 5 de agosto de 1952: “Para bem entender um poeta, com a visão necessariamente relativista que pertence a toda crítica séria, importa procurá-lo, inclusive, fora de sua obra poética e também, se possível, fora de seus escritos. Nada, neste caso, é inteiramente inútil, nada se perderá, para uma interpretação conscienciosa, ainda quando atinente apenas aos dados estéticos”.
Se um dia, pois, quiserem entender minhas atitudes e decisões (as posições que assumo e as idéias que tenho), procurem as respostas fora do âmbito poético. Pesquisem minha biografia. É fácil. Há trinta anos faço diário, sem deixar de registrar o que de mais importante fiz (e que me fizeram) um único dia que seja. Tenho, em minha biblioteca, pilhas e pilhas desses registros. Isso vale para quem se interessar de fato pelos meus textos. Quem não se interessar... que vá pra “Tonga da mironga do cabuletê”. Que sequer leia estas linhas. Seria inútil fazê-lo!!!
Para Iosif Alexandrovitch Brodsky, mais conhecido como Joseph Brodsky, poeta russo que surpreendeu o mundo quando, em 1987, conquistou o Prêmio Nobel de Literatura, “escrever é um acelerador de consciência, de pensamento e de compreensão do Universo. E fica-se dependente disso. Os que caem nesta espécie de dependência da linguagem são, julgo eu, poetas”. Essas palavras ele disse em 9 de dezembro de 1987, em Estocolmo, ao receber a premiação a que fez jus. Eu caí nessa espécie de dependência da linguagem. Mesmo que quisesse deixá-la. é um vício do qual não tenho mais remissão, não consigo mais me livrar. Mas estejam certos: jamais porei à venda meus mais íntimos sentimentos. Prometo, tão logo possa (se é que um dia irei poder), doá-los solenemente ao mundo. Enquanto isso não ocorre, faço a mesma indagação que Clarice Lispector um dia fez: “Quem virá colher os frutos de minha vida???”. Sim, amigos, quem virá???
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