Para que desenvolva o “eu”, qualquer pessoa precisa, antes de tudo, ser educada a reconhecer que sequer sobreviverá se não compreender e reconhecer o “tu”. Trata-se de longo e penoso processo de educação, que ainda sequer começou. O homem, por enquanto, nem mesmo aprendeu, ainda, a dominar seus instintos de fera (como o impulso sexual, por exemplo) colocando-os sob a rígida administração da razão. Não se conscientizou, sequer, do que os animais irracionais praticam, instintivamente, desde o surgimento da vida na Terra, ou seja, que é essencial e indispensável preservar o ambiente em que vive. Não se deu conta que é impossível transgredir as leis da natureza sem que haja um futuro castigo, inexorável e inevitável, por essa transgressão. Em termos de mentalidade, portanto, o ser humano, enquanto espécie, não evoluiu praticamente nada em relação ao ancestral das cavernas, embora, individualmente, alguns indivíduos beirem a compreensão do óbvio.
Thursday, April 30, 2009
Divina preguiça
Pedro J. Bondaczuk
A palavra preguiça tem, com razão, conotação bastante negativa. Caracteriza a indolência, a falta de vontade de trabalhar, de agir e até de pensar. Em última análise, rotula o máximo da omissão. O sujeito preguiçoso quer tudo pronto ao seu dispor, sem se dispor a fazer coisíssima nenhuma, se possível nem se mover para comer, exigindo que outros lhe ponham comida na boca.
Fosse o mundo depender de pessoas assim, estaríamos perdidos. Há, porém, um sentido nobre para o termo, que raramente alguém utiliza, por causa do seu significado mais popular e pejorativo. É aquele estado de descontração total, de absoluto relaxamento, ideal para nos reparar as forças físicas e/ou mentais. É o que os romanos chamavam de “ócio com dignidade”.
É nesse estado que surgem algumas idéias, impossíveis de nos visitar quando estamos tensos, ativos e/ou excitados. Foi a ele que Mário de Andrade dedicou instigante texto, que denominou de “A divina preguiça”. Ademais, outros tantos escritores, como Paul Laforgue (genro de Karl Marx) e Bertrand Russell, também escreveram a respeito e traçaram essa distinção.
O artigo “A divina preguiça” foi publicado por Mário de Andrade no jornal “A Gazeta” de São Paulo, da Fundação Casper Líbero, em 3 de setembro de 1918. Antecede, portanto, ao livro “Macunaíma”, escrito dez anos depois. O texto jornalístico e o romance, portanto, não têm nenhuma relação, a não ser certa identidade temática.
Este “herói sem caráter”, aliás, é utilizado, por muitos, como uma espécie de símbolo do brasileiro (ou seu estereótipo, o que é mais correto afirmar). Ele sim era dotado daquele tipo de preguiça condenável, que a palavra, sempre que mencionada, traz, de imediato, à mente. Não é ele, portanto, o que recomendo.
Em certo trecho da referida crônica, o escritor paulistano chega a sugerir: “A arte nasceu porventura de um bocejo sublime, assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação da natureza”. E respondam-me, com sinceridade: “Quem nunca teve esse tipo de ‘preguiça’”?!
Discordo, todavia, de Paulo Prado ao caracterizar o brasileiro como Macunaíma em potencial. Num texto seu, muito conhecido, dá a entender que os males do Brasil seriam: “um patriotismo fofo, leis com parolas, preguiça, ferrugem, formiga e mofo”. Essas características, convenhamos, podem ser encontradas em pessoas de qualquer país do mundo. Não têm nada a ver com nacionalidade.
O historiador, e secretário do Ministério de Cultura, Célio Turino, escreveu um excelente texto a propósito do artigo de Mário de Andrade, intitulado “O herói sem nenhum trabalho”, publicado em 1° de fevereiro de 2007, cuja leitura recomendo a quem puder ter acesso a ele. É muito esclarecedor.
Já Eneida Maria de Souza observa, em “A preguiça-mal de origem”, que o escritor paulistano (um dos maiores intelectuais do seu tempo) entendia que a condição de ociosidade era válida, sobretudo, ao gesto de meditação, de descontração do intelecto, “a uma certa maneira de filosofar e de exercitar um saber paciente, calmo, desprovido do caráter utilitário de outro tipo de trabalho”.
Em carta escrita ao seu tio Pio, datada de 1933, Mário de Andrade confessou: “Tenho o dom espantoso e bem raro de me considerar feliz (...) A paz dos justos, a serenidade dos experientes, a generosidade dos superiores e aquela concepção de vida que não de alegria se alimenta, mas de amorosa contemplação e paciência, que por isso mesmo não é nem alegre, nem triste, mas é maravilhosamente sábia”.
Esse ócio digno e sereno é a coroação da utopia dos que idealizam a sociedade perfeita, igualitária e justa, em que ninguém precise sequer trabalhar, por todos terem garantida a satisfação das suas necessidades vitais. Na concepção desses delirantes sonhadores, o homem terá todo o tempo do mundo para dedicar-se, apenas, às artes, à filosofia e à expansão do que tem de mais nobre: sua capacidade de pensar e, sobretudo, de imaginar.
O que Mário de Andrade sugere, portanto, não é a preguiça, no sentido usual do termo. Não é a inércia, a acomodação ou a omissão. Longe disso. É, sim, um tempo benigno de reflexão, sem nenhum outro tipo de preocupação para atrapalhar e, sobretudo, de contemplação. Esse tipo de “divina preguiça” é o que também mais quero, sem dúvida. Quem não quer?
A palavra preguiça tem, com razão, conotação bastante negativa. Caracteriza a indolência, a falta de vontade de trabalhar, de agir e até de pensar. Em última análise, rotula o máximo da omissão. O sujeito preguiçoso quer tudo pronto ao seu dispor, sem se dispor a fazer coisíssima nenhuma, se possível nem se mover para comer, exigindo que outros lhe ponham comida na boca.
Fosse o mundo depender de pessoas assim, estaríamos perdidos. Há, porém, um sentido nobre para o termo, que raramente alguém utiliza, por causa do seu significado mais popular e pejorativo. É aquele estado de descontração total, de absoluto relaxamento, ideal para nos reparar as forças físicas e/ou mentais. É o que os romanos chamavam de “ócio com dignidade”.
É nesse estado que surgem algumas idéias, impossíveis de nos visitar quando estamos tensos, ativos e/ou excitados. Foi a ele que Mário de Andrade dedicou instigante texto, que denominou de “A divina preguiça”. Ademais, outros tantos escritores, como Paul Laforgue (genro de Karl Marx) e Bertrand Russell, também escreveram a respeito e traçaram essa distinção.
O artigo “A divina preguiça” foi publicado por Mário de Andrade no jornal “A Gazeta” de São Paulo, da Fundação Casper Líbero, em 3 de setembro de 1918. Antecede, portanto, ao livro “Macunaíma”, escrito dez anos depois. O texto jornalístico e o romance, portanto, não têm nenhuma relação, a não ser certa identidade temática.
Este “herói sem caráter”, aliás, é utilizado, por muitos, como uma espécie de símbolo do brasileiro (ou seu estereótipo, o que é mais correto afirmar). Ele sim era dotado daquele tipo de preguiça condenável, que a palavra, sempre que mencionada, traz, de imediato, à mente. Não é ele, portanto, o que recomendo.
Em certo trecho da referida crônica, o escritor paulistano chega a sugerir: “A arte nasceu porventura de um bocejo sublime, assim como o sentimento do belo deve ter surgido duma contemplação da natureza”. E respondam-me, com sinceridade: “Quem nunca teve esse tipo de ‘preguiça’”?!
Discordo, todavia, de Paulo Prado ao caracterizar o brasileiro como Macunaíma em potencial. Num texto seu, muito conhecido, dá a entender que os males do Brasil seriam: “um patriotismo fofo, leis com parolas, preguiça, ferrugem, formiga e mofo”. Essas características, convenhamos, podem ser encontradas em pessoas de qualquer país do mundo. Não têm nada a ver com nacionalidade.
O historiador, e secretário do Ministério de Cultura, Célio Turino, escreveu um excelente texto a propósito do artigo de Mário de Andrade, intitulado “O herói sem nenhum trabalho”, publicado em 1° de fevereiro de 2007, cuja leitura recomendo a quem puder ter acesso a ele. É muito esclarecedor.
Já Eneida Maria de Souza observa, em “A preguiça-mal de origem”, que o escritor paulistano (um dos maiores intelectuais do seu tempo) entendia que a condição de ociosidade era válida, sobretudo, ao gesto de meditação, de descontração do intelecto, “a uma certa maneira de filosofar e de exercitar um saber paciente, calmo, desprovido do caráter utilitário de outro tipo de trabalho”.
Em carta escrita ao seu tio Pio, datada de 1933, Mário de Andrade confessou: “Tenho o dom espantoso e bem raro de me considerar feliz (...) A paz dos justos, a serenidade dos experientes, a generosidade dos superiores e aquela concepção de vida que não de alegria se alimenta, mas de amorosa contemplação e paciência, que por isso mesmo não é nem alegre, nem triste, mas é maravilhosamente sábia”.
Esse ócio digno e sereno é a coroação da utopia dos que idealizam a sociedade perfeita, igualitária e justa, em que ninguém precise sequer trabalhar, por todos terem garantida a satisfação das suas necessidades vitais. Na concepção desses delirantes sonhadores, o homem terá todo o tempo do mundo para dedicar-se, apenas, às artes, à filosofia e à expansão do que tem de mais nobre: sua capacidade de pensar e, sobretudo, de imaginar.
O que Mário de Andrade sugere, portanto, não é a preguiça, no sentido usual do termo. Não é a inércia, a acomodação ou a omissão. Longe disso. É, sim, um tempo benigno de reflexão, sem nenhum outro tipo de preocupação para atrapalhar e, sobretudo, de contemplação. Esse tipo de “divina preguiça” é o que também mais quero, sem dúvida. Quem não quer?
Wednesday, April 29, 2009
REFLEXÃO DO DIA
O homem polui, cada vez mais, o seu “lar” espacial, com dejetos de toda a sorte: gases, esgotos, derramamento de petróleo etc.etc.etc. É verdade que na natureza nada se cria e nada se perde: tudo se transforma. Mas todos esses dejetos gerados através de milênios não se evaporaram e nem irão se evaporar no ar, como por encanto. Suponhamos que o bíblico Jardim do Éden exista e venha a ser encontrado pelo homem. Imaginem mais: que seja localizado por alguma dessas engenhocas que orbitam o Planeta e venha a ser apropriado por alguém. Se tal ocorrer (claro que não passa somente de hipótese), não tardará para que, logo, se transforme num inferno. É provável que, de imediato, alguma incorporadora imobiliária o transforme num resort, com hotéis, restaurantes, boates e tantas outras bobagens que as pessoas consideram o suprassumo do conforto e da sofisticação. E aí... O homem (ainda) não merece este ou qualquer Paraíso. Será que um dia vai merecer?
Sedução que engana
Pedro J. Bondaczuk
A beleza, assim como a feiúra, não está nas pessoas, paisagens ou coisas. Está no nosso interior. Prende-se aos nossos gostos e critérios de avaliação estética. O que é feio para uns, pode não o ser para outros e vice-versa. Ademais, há quem considere a beleza não somente útil, como essencial e até transcendental. São os artistas, que perseguem o belo ao longo de toda a vida. Buscam, porém, a beleza que concebem por critérios estritamente pessoais.
Há, contudo, quem a considere inútil e banal – ou por suposto pragmatismo exacerbado (como diz o povão, “beleza não põe a mesa”), ou por viver em um mundo sombrio e cinzento, repleto de trevas e horror, ou por ambos motivos, não importa.
O poeta Mauro Sampaio retrata o sentimento destes anti-estetas, no poema “Beleza inútil”: “A beleza inútil./A imóvel beleza sem reflexo./Tudo parte de dentro,/com a percepção do imponderável./O que é, não é, sendo no momento./O apelo é interior./A necessidade desaparece./O amor é desfigurado e sem memória./Os gestos pararam./O movimento é emprestado./A presença é apenas de objeto./O tédio abre a boca em um bocejo enorme e inútil./Inútil como tudo o mais!”.
Fico imaginando se, eventualmente, houvesse vida inteligente alhures e se, a improbabilidade imensa de haver um encontro entre esses supostos (por enquanto só imaginados) extraterrestres e nós furasse espetacularmente e viéssemos a nos encontrar. Qual seria a impressão estética dos ETs sobre nós? Tenho quase certeza que nos achariam horríveis, monstruosos, assustadores. E que a recíproca seria verdadeira.
Esse encontro, claro, dadas as megadistâncias do universo, tem probabilidade beirando o zero de acontecer. E essa só não é absoluta porque o absolutismo, seja no que for que se pensar, é restrito ao Criador de tudo o que há: galáxias, constelações, estrelas, planetas, matéria, energia, as mais minúsculas e invisíveis células etc.etc.etc. No mais... tudo é, pelo menos teoricamente, possível (posto que improvável).
Nosso hipotético ET, por exemplo, diante da mulher mais bonita da Terra, certamente relutaria em se aproximar dela. Avaliaria os riscos de um contato com uma criatura, na sua concepção estética, horrenda, pavorosa, assustadora e monstruosa, e se afastaria logo dela.
Caso fosse, realmente, aquele estereótipo que pintamos dos marcianos, ou seja, um homenzinho verde, cabeça ovalada e sem cabelos, olhos grandes (duas vezes maiores do que os nossos), sem cílios e nem sobrancelhas, altura de no máximo 50 centímetros, com braços e pernas extremamente delgados, a despeito de mãos e pés enormes e desproporcionais, nos teria na conta de “mal-feitos”. Possivelmente, o seu susto, diante da nossa presença, seria muito maior do que o nosso face à dele.
Nosso hipotético ET teria a conformação orgânica adaptável às condições de seu planeta de origem, ou seja, à composição química dos gases da sua atmosfera, à força gravitacional da sua terra, à temperatura, pressão etc. etc. etc. Diz a mínima lógica, portanto, que não poderia, em circunstância alguma, se parecer minimamente conosco.
Daí, para ele, nossa maior beldade ser, com certeza, criatura horrenda e deformada. Estranharia, de cara, por exemplo, a existência de cabelos. Acharia desproporcional ao conjunto tanto o tamanho dos braços e pernas, quanto o torneado das coxas (que achamos tão belo e sedutor), além das dimensões das mãos, dos pés, dos dedos, dos olhos e vai por aí afora. E o que acharia dos seios? Horríveis!
Mesmo para nós, que por instinto, consideramos um corpo humano maravilhoso (alguns deles, claro, não todos), se o analisarmos, em relação, por exemplo, às flores, com seu colorido e simetria, talvez venhamos a mudar, e radicalmente, nosso conceito. Ademais, como tudo o que é vivo, esse organismo que admiramos em todo seu esplendor, tende a envelhecer, a murchar, a morrer e a se decompor.
Vem-me, a propósito, à mente, trecho do romance “A Pata da Gazela”, de José de Alencar, que anotei em minha agenda de trabalho, em que o romancista constata: “O que é o corpo humano no fim de contas? O que é o contorno suave de um talhe elegante, e a cútis acetinada de um rosto ou de um colo mimoso? Um pouco de matéria a que a luz transmite a cor, o espírito e a vida. Tirem-lhe esses dois alentos, e verão que lodo impuro e nauseante ficam sendo aquelas formas sedutoras”.
Por isso, eu não estranharia nada, nada se algum hipotético ET que nos visitasse (ou nós visitássemos seu planeta, não importa) se aterrorizasse com a nossa aparência física, o que acho absolutamente provável. Principalmente diante de um ser humano de maior idade, considerando a possibilidade do seu processo de envelhecimento se dar muito mais lentamente do que o nosso e dele viver séculos (quem sabe milênios) e não meras sete ou oito décadas, se tanto, como ocorre conosco.
A beleza, portanto, assim como a feiúra, são sempre relativas. Principalmente a primeira, é, de fato, sedução enganosa. Caso nos engane (e engana sempre e muito), não enganaria, sem dúvida, nosso hipotético ET, que gritaria de pavor e fugiria espavorido para onde suas pernas (ou asas caso as tivesse) o levassem, para bem distante de nós. Como se vê, questão de ponto de vista...
A beleza, assim como a feiúra, não está nas pessoas, paisagens ou coisas. Está no nosso interior. Prende-se aos nossos gostos e critérios de avaliação estética. O que é feio para uns, pode não o ser para outros e vice-versa. Ademais, há quem considere a beleza não somente útil, como essencial e até transcendental. São os artistas, que perseguem o belo ao longo de toda a vida. Buscam, porém, a beleza que concebem por critérios estritamente pessoais.
Há, contudo, quem a considere inútil e banal – ou por suposto pragmatismo exacerbado (como diz o povão, “beleza não põe a mesa”), ou por viver em um mundo sombrio e cinzento, repleto de trevas e horror, ou por ambos motivos, não importa.
O poeta Mauro Sampaio retrata o sentimento destes anti-estetas, no poema “Beleza inútil”: “A beleza inútil./A imóvel beleza sem reflexo./Tudo parte de dentro,/com a percepção do imponderável./O que é, não é, sendo no momento./O apelo é interior./A necessidade desaparece./O amor é desfigurado e sem memória./Os gestos pararam./O movimento é emprestado./A presença é apenas de objeto./O tédio abre a boca em um bocejo enorme e inútil./Inútil como tudo o mais!”.
Fico imaginando se, eventualmente, houvesse vida inteligente alhures e se, a improbabilidade imensa de haver um encontro entre esses supostos (por enquanto só imaginados) extraterrestres e nós furasse espetacularmente e viéssemos a nos encontrar. Qual seria a impressão estética dos ETs sobre nós? Tenho quase certeza que nos achariam horríveis, monstruosos, assustadores. E que a recíproca seria verdadeira.
Esse encontro, claro, dadas as megadistâncias do universo, tem probabilidade beirando o zero de acontecer. E essa só não é absoluta porque o absolutismo, seja no que for que se pensar, é restrito ao Criador de tudo o que há: galáxias, constelações, estrelas, planetas, matéria, energia, as mais minúsculas e invisíveis células etc.etc.etc. No mais... tudo é, pelo menos teoricamente, possível (posto que improvável).
Nosso hipotético ET, por exemplo, diante da mulher mais bonita da Terra, certamente relutaria em se aproximar dela. Avaliaria os riscos de um contato com uma criatura, na sua concepção estética, horrenda, pavorosa, assustadora e monstruosa, e se afastaria logo dela.
Caso fosse, realmente, aquele estereótipo que pintamos dos marcianos, ou seja, um homenzinho verde, cabeça ovalada e sem cabelos, olhos grandes (duas vezes maiores do que os nossos), sem cílios e nem sobrancelhas, altura de no máximo 50 centímetros, com braços e pernas extremamente delgados, a despeito de mãos e pés enormes e desproporcionais, nos teria na conta de “mal-feitos”. Possivelmente, o seu susto, diante da nossa presença, seria muito maior do que o nosso face à dele.
Nosso hipotético ET teria a conformação orgânica adaptável às condições de seu planeta de origem, ou seja, à composição química dos gases da sua atmosfera, à força gravitacional da sua terra, à temperatura, pressão etc. etc. etc. Diz a mínima lógica, portanto, que não poderia, em circunstância alguma, se parecer minimamente conosco.
Daí, para ele, nossa maior beldade ser, com certeza, criatura horrenda e deformada. Estranharia, de cara, por exemplo, a existência de cabelos. Acharia desproporcional ao conjunto tanto o tamanho dos braços e pernas, quanto o torneado das coxas (que achamos tão belo e sedutor), além das dimensões das mãos, dos pés, dos dedos, dos olhos e vai por aí afora. E o que acharia dos seios? Horríveis!
Mesmo para nós, que por instinto, consideramos um corpo humano maravilhoso (alguns deles, claro, não todos), se o analisarmos, em relação, por exemplo, às flores, com seu colorido e simetria, talvez venhamos a mudar, e radicalmente, nosso conceito. Ademais, como tudo o que é vivo, esse organismo que admiramos em todo seu esplendor, tende a envelhecer, a murchar, a morrer e a se decompor.
Vem-me, a propósito, à mente, trecho do romance “A Pata da Gazela”, de José de Alencar, que anotei em minha agenda de trabalho, em que o romancista constata: “O que é o corpo humano no fim de contas? O que é o contorno suave de um talhe elegante, e a cútis acetinada de um rosto ou de um colo mimoso? Um pouco de matéria a que a luz transmite a cor, o espírito e a vida. Tirem-lhe esses dois alentos, e verão que lodo impuro e nauseante ficam sendo aquelas formas sedutoras”.
Por isso, eu não estranharia nada, nada se algum hipotético ET que nos visitasse (ou nós visitássemos seu planeta, não importa) se aterrorizasse com a nossa aparência física, o que acho absolutamente provável. Principalmente diante de um ser humano de maior idade, considerando a possibilidade do seu processo de envelhecimento se dar muito mais lentamente do que o nosso e dele viver séculos (quem sabe milênios) e não meras sete ou oito décadas, se tanto, como ocorre conosco.
A beleza, portanto, assim como a feiúra, são sempre relativas. Principalmente a primeira, é, de fato, sedução enganosa. Caso nos engane (e engana sempre e muito), não enganaria, sem dúvida, nosso hipotético ET, que gritaria de pavor e fugiria espavorido para onde suas pernas (ou asas caso as tivesse) o levassem, para bem distante de nós. Como se vê, questão de ponto de vista...
Tuesday, April 28, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Se o Jardim do Éden de fato existe e se vier a ser encontrado, logo será apropriado por alguém e utilizado com fins lucrativos. Caso seja descoberto, será, sobretudo, magnífico ponto turístico, a render dividendos para o país que se apropriar da área e decretar ali sua soberania e suas leis. Seus frutos serão colhidos todos, até os não-maduros, para a venda. Logo, as árvores que os produzirem estarão esgotadas, ressequidas e mortas, por causa da exploração irracional. Ademais, o Éden, não tenham dúvidas, não seria “democrático” e livre. Só os afortunados, os detentores de gordas contas bancárias, em dólares e euros, para esbanjar, teriam acesso a ele. Não tardaria para que o Paraíso tivesse, ao seu redor, inúmeras atividades marginais, ilícitas e criminosas, como tráfico de drogas, prostituição, jogatina e outras tantas coisas viciosas e ruins. Melhor, portanto, que esse paraíso terrestre (se existir) continue restrito ao terreno das ilusões e fantasias humanas.
Esforços frutíferos
Pedro J. Bondaczuk
A vida, sobretudo a humana, consiste, em sua maior parte, de atividades, quer as físicas, quer intelectuais, quer ambas, simultaneamente. Despendemos, diariamente, uma carga imensa, incontável, de esforços, para andar, falar, trabalhar, copular, brigar ou jogar, não importa. Uns, esforçam-se mais, por serem ou mais fortes ou mais ativos, outros menos, por deficiências orgânicas ou temperamento. Mas todos, de uma maneira ou de outra, fazem força o tempo todo. Até durante o sono, sem que percebamos, nos esforçamos muito. Nosso corpo não foi projetado para a inércia, mas para a atividade.
Há, porém, os que entendem que os esforços devem ser, sempre, dirigidos e seletivos, ou seja, objetivos, caso contrário serão considerados inúteis, mera perda de tempo e de energia. Contesto os que pensam assim. Não vejo inutilidade alguma, e muito menos desperdício, em atividade alguma, desde que não seja 24 horas por dia, 30 dias no mês e 12 meses ao ano a mesmíssima, o que, claro, é impossível. Portanto...
Esforçar-se, em última análise, é viver. Só não faz esforço algum, obviamente, aquele que já morreu. E por que? Somente porque não conta mais com aquele “motor” que empresta dinamismo e vigor aos seres vivos. Por isso, entra em rápido processo de decomposição. Essa constatação parece para lá de óbvia, mas nunca é demais repeti-la, pois muitos parecem que não a entendem, ou relutam em entender.
Concordo plenamente com o sociólogo francês, Roger Caillois, quando afirma: “Não existem esforços inúteis”. E arremata: “Sísifo ganhava músculos”. Esse estudioso do comportamento, que morreu em 1978, aos 65 anos de idade, foi autor de um livro que até hoje corre o mundo e que na versão brasileira recebeu o título de “Os homens e os jogos”. Nele, aborda a necessidade humana de “brincar”. Caillois estendeu e completou seus estudos a respeito em outra obra, igualmente best-seller, intitulada “Homo Ludens”. Sim, amigos, jogar é, desde sempre, mais do que diversão, necessidade humana.
Não vou ser chato de expor os argumentos do sociólogo (aliás irretorquíveis), para não tirar o gostinho do leitor de consultar, por si só, os dois livros que citei. É leitura que recomendo a todos, especialmente aos amantes de “games”, que têm em Callois um grande defensor.
A propósito, muita gente talvez não se lembre quem foi Sisifo, que o pesquisador francês afirmou que “ganhava músculos” com sua atividade. Qual era ela? Quem foi esse personagem? Para quem não sabe (e não é feio não saber, mas o não querer aprender), informo que se trata de intrigante personagem da mitologia grega. Filho do rei Eólo e da rainha Enarete, era considerado o mais astuto dos mortais. Tanto, que enganou, em ocasiões diferentes, praticamente a totalidade dos deuses do Olimpo.
Sua esperteza era tamanha, que mesmo assim, descontentando os senhores dos destinos humanos, morreu de velhice. Aí, porém, foi que começou o seu drama (e que drama!). Sua alma foi conduzida, por Hermes, ao Hades e Zeus, o senhor supremo do Olimpo, atribuiu-lhe um castigo sem-fim, ou seja, para toda a eternidade.
E qual foi a tal punição? Foi a de rolar, com as mãos, uma enorme pedra de mármore, montanha acima, até o cume. Fácil, não é mesmo? Muita calma, afoito leitor. O castigo não era tão simples. Todas as vezes que Sisifo estava quase alcançando o topo, o pesado bloco rolava ladeira abaixo, até o ponto de partida, por meio de uma força irresistível: a da gravidade. E ele tinha, então, que recomeçar tudo outra vez, sempre e sempre, com o mesmíssimo resultado.
Por isso que todas as vezes que alguém quer se valer de uma metáfora, para ilustrar alguma tarefa inútil e infrutífera, se refere ao tal “Trabalho de Sísifo”. Caillois, contudo, argumenta que até esse esforço tinha algum proveito. “Qual?”, perguntaria o leitor desatento. “Ganhava músculos!”, responde o sociólogo francês.
Há algum desperdício de energia, por exemplo, numa caminhada, numa pelada com os amigos, num passeio de bicicleta, numa partida de frescobol na praia ou num simples jogo de peteca? Se não fizermos só isso, o tempo todo, mas também trabalharmos, andarmos, falarmos, copularmos, jogarmos etc., tudo a seu devido tempo e na dosagem adequada, não há nenhuma inutilidade nesses atos.
Na pior das hipóteses, estaremos, como Sísifo, “ganhando músculos”, quando não alguns anos de vida a mais. E isso não é precioso? Esses esforços, pois, não estarão sendo frutíferos? Claro que sim! Perguntem a qualquer médico!
A vida, sobretudo a humana, consiste, em sua maior parte, de atividades, quer as físicas, quer intelectuais, quer ambas, simultaneamente. Despendemos, diariamente, uma carga imensa, incontável, de esforços, para andar, falar, trabalhar, copular, brigar ou jogar, não importa. Uns, esforçam-se mais, por serem ou mais fortes ou mais ativos, outros menos, por deficiências orgânicas ou temperamento. Mas todos, de uma maneira ou de outra, fazem força o tempo todo. Até durante o sono, sem que percebamos, nos esforçamos muito. Nosso corpo não foi projetado para a inércia, mas para a atividade.
Há, porém, os que entendem que os esforços devem ser, sempre, dirigidos e seletivos, ou seja, objetivos, caso contrário serão considerados inúteis, mera perda de tempo e de energia. Contesto os que pensam assim. Não vejo inutilidade alguma, e muito menos desperdício, em atividade alguma, desde que não seja 24 horas por dia, 30 dias no mês e 12 meses ao ano a mesmíssima, o que, claro, é impossível. Portanto...
Esforçar-se, em última análise, é viver. Só não faz esforço algum, obviamente, aquele que já morreu. E por que? Somente porque não conta mais com aquele “motor” que empresta dinamismo e vigor aos seres vivos. Por isso, entra em rápido processo de decomposição. Essa constatação parece para lá de óbvia, mas nunca é demais repeti-la, pois muitos parecem que não a entendem, ou relutam em entender.
Concordo plenamente com o sociólogo francês, Roger Caillois, quando afirma: “Não existem esforços inúteis”. E arremata: “Sísifo ganhava músculos”. Esse estudioso do comportamento, que morreu em 1978, aos 65 anos de idade, foi autor de um livro que até hoje corre o mundo e que na versão brasileira recebeu o título de “Os homens e os jogos”. Nele, aborda a necessidade humana de “brincar”. Caillois estendeu e completou seus estudos a respeito em outra obra, igualmente best-seller, intitulada “Homo Ludens”. Sim, amigos, jogar é, desde sempre, mais do que diversão, necessidade humana.
Não vou ser chato de expor os argumentos do sociólogo (aliás irretorquíveis), para não tirar o gostinho do leitor de consultar, por si só, os dois livros que citei. É leitura que recomendo a todos, especialmente aos amantes de “games”, que têm em Callois um grande defensor.
A propósito, muita gente talvez não se lembre quem foi Sisifo, que o pesquisador francês afirmou que “ganhava músculos” com sua atividade. Qual era ela? Quem foi esse personagem? Para quem não sabe (e não é feio não saber, mas o não querer aprender), informo que se trata de intrigante personagem da mitologia grega. Filho do rei Eólo e da rainha Enarete, era considerado o mais astuto dos mortais. Tanto, que enganou, em ocasiões diferentes, praticamente a totalidade dos deuses do Olimpo.
Sua esperteza era tamanha, que mesmo assim, descontentando os senhores dos destinos humanos, morreu de velhice. Aí, porém, foi que começou o seu drama (e que drama!). Sua alma foi conduzida, por Hermes, ao Hades e Zeus, o senhor supremo do Olimpo, atribuiu-lhe um castigo sem-fim, ou seja, para toda a eternidade.
E qual foi a tal punição? Foi a de rolar, com as mãos, uma enorme pedra de mármore, montanha acima, até o cume. Fácil, não é mesmo? Muita calma, afoito leitor. O castigo não era tão simples. Todas as vezes que Sisifo estava quase alcançando o topo, o pesado bloco rolava ladeira abaixo, até o ponto de partida, por meio de uma força irresistível: a da gravidade. E ele tinha, então, que recomeçar tudo outra vez, sempre e sempre, com o mesmíssimo resultado.
Por isso que todas as vezes que alguém quer se valer de uma metáfora, para ilustrar alguma tarefa inútil e infrutífera, se refere ao tal “Trabalho de Sísifo”. Caillois, contudo, argumenta que até esse esforço tinha algum proveito. “Qual?”, perguntaria o leitor desatento. “Ganhava músculos!”, responde o sociólogo francês.
Há algum desperdício de energia, por exemplo, numa caminhada, numa pelada com os amigos, num passeio de bicicleta, numa partida de frescobol na praia ou num simples jogo de peteca? Se não fizermos só isso, o tempo todo, mas também trabalharmos, andarmos, falarmos, copularmos, jogarmos etc., tudo a seu devido tempo e na dosagem adequada, não há nenhuma inutilidade nesses atos.
Na pior das hipóteses, estaremos, como Sísifo, “ganhando músculos”, quando não alguns anos de vida a mais. E isso não é precioso? Esses esforços, pois, não estarão sendo frutíferos? Claro que sim! Perguntem a qualquer médico!
Monday, April 27, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Especula-se, há séculos, se o paraíso bíblico, o chamado Jardim do Éden, existiu ou se não passa de alegoria de como era a Terra quando nela surgiu a vida. Além da discussão sobre sua existência, busca-se descobrir sua localização. Há os que afirmem que ele se localizava onde hoje é o deserto do Saara e que desapareceu tão logo o eixo terrestre se deslocou para sua posição atual. Outros dizem que ficava na região do Mar Vermelho, na área em que está o atual Yemen. Outros, ainda, asseguram que o Criador removeu-o da Terra, como castigo pela desobediência de Adão e Eva. E se fosse descoberto intacto? Certamente, o homem o arruinaria. Morris West escreveu, no romance “O Navegante”: “O paraíso terrestre é a mais velha e maior ilusão do homem. Ainda que ele existisse, nós o arruinaríamos. Por mais que os frutos estivessem ao alcance da mão, haveríamos sempre de querer os que estivessem mais alto”. Há alguma dúvida sobre a exatidão dessas constatações? Para mim, não há!
Cárie da inteligência
Pedro J. Bondaczuk
O ceticismo exacerbado é um veneno letal que, dependendo da dose, tende a matar a inteligência. E essa afirmação não é exagerada, como a própria lógica, aliás, sugere. Como vou entender o que quer que seja se não acredito nisso? Não entenderei, claro! Os antídotos para essa mortífera poção venenosa são apenas dois: a comprovação concreta, insofismável e sem a menor sombra de dúvidas, de que aquilo em que não acreditamos existe de fato e é mesmo como se diz, e a fé.
Fôssemos esperar por provas para entender o que somos, onde estamos e o que fazemos, estaríamos ainda num estágio de absoluta obtusidade mental. Dependeríamos exclusivamente dos instintos para sobreviver, como ocorre com os demais animais. Não teríamos filosofia, ciências, artes, religião, tecnologia e nada do que nos caracteriza como seres racionais. Viveríamos na maior das obscuridades e nem há certeza de que já não estaríamos extintos como espécie.
É certo que um tantinho de ceticismo, na dose adequada, não faz mal a ninguém. Não podemos sair por aí, por exemplo, acreditando, de cara, em tudo o que lemos, vemos, ouvimos ou pensamos sem uma análise, mesmo que superficial. Há que se ter, porém, (como em tudo na vida) moderação e bom-senso. Os céticos absolutos (se é que os há), que fazem do ceticismo dogma, não são filósofos como se dizem (pois não crêem na filosofia), cientistas (descrêem da ciência) e muito menos pesquisadores da verdade (de que duvidam que exista). São parasitas infelizes, pessoas sem norte ou rumo.
O ceticismo, palavra derivada do verbo grego “sképtomai” (que significa “olhar à distância”, “examinar”, “observar”), é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade. Implica em uma condição intelectual de perpétua dúvida. E mais, de admissão, a priori, da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade.
Há, nessa definição, enorme paradoxo, ou seja, inconciliável contradição. Se o supostamente cético “crê” na incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade, acredita em alguma coisa. Dessa forma, seu propalado ceticismo foi para o espaço. Se “acredita” nisso, por que não poderia acreditar, também, em tantos outros princípios, que são verdadeiros (pelo menos até prova em contrário)?
Vitor Hugo cunhou interessante metáfora para esse tipo de descrença liminar, absoluta e inflexível. Classificou-a de “cárie da inteligência”. Da mesma forma que a cárie destrói, paulatinamente, um dente, até que seja impossível sua restauração (se este não for tratado a tempo), o ceticismo erode a capacidade de pensar do infeliz que está sob o seu domínio. Como essa pessoa pode ter futuro, se sequer acredita nele? Como pode amar, ter alegria, buscar a felicidade, se não crê em nada disso?
Os odontologistas definem cárie como uma doença originada da associação de placas bacterianas cariogênicas com açúcares ingeridos na alimentação. Quando ambos se encontram, produz-se uma reação química. Formam-se ácidos, que propiciam a saída de minerais do dente. Estes destroem, pois, a camada protetora de esmalte, o que propicia a ação demolidora das bactérias, causando a destruição localizada dos tecidos dentais. A cárie, embora alguns não saibam, é contagiosa, como várias tantas doenças. O ceticismo também contagia incautos. A cárie, em geral, ocorre em decorrência de dietas alimentares inadequadas e, sobretudo, da falta de higiene bucal.
O ceticismo doentio e danoso tem (guardadas as devidas proporções, pelo menos nas causas primárias) evolução parecida com essa que ocorre em nossa boca. Manifesta-se por causa de “dieta” inadequada de pensamentos, decorrente de deficiências na educação e, principalmente, da falta de higiene mental. Ou seja, da ausência de incessante seleção de idéias, em que as nocivas e equivocadas (as destrutivas) sejam de imediato eliminadas, e as positivas estimuladas e consolidadas, numa profilaxia preventiva que funciona a contento em cem por cento dos casos.
Dúvidas razoáveis, que todos temos em algum momento das nossas vidas (na verdade, em vários deles), mas que são facilmente esclarecidas, não podem ser confundidas com ceticismo, ou seja, com “a admissão a priori da incapacidade humana de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade”. Isso descamba para a alienação, que anda, via de regra, de mãos dadas com a omissão, atitude que considero das mais covardes e negativas que uma pessoa possa assumir. Cuidado, pois, com o perigo representado por esta “cárie da inteligência”. Cuide, com carinho e assiduidade, da higiene bucal e, sobretudo, da mental.
O ceticismo exacerbado é um veneno letal que, dependendo da dose, tende a matar a inteligência. E essa afirmação não é exagerada, como a própria lógica, aliás, sugere. Como vou entender o que quer que seja se não acredito nisso? Não entenderei, claro! Os antídotos para essa mortífera poção venenosa são apenas dois: a comprovação concreta, insofismável e sem a menor sombra de dúvidas, de que aquilo em que não acreditamos existe de fato e é mesmo como se diz, e a fé.
Fôssemos esperar por provas para entender o que somos, onde estamos e o que fazemos, estaríamos ainda num estágio de absoluta obtusidade mental. Dependeríamos exclusivamente dos instintos para sobreviver, como ocorre com os demais animais. Não teríamos filosofia, ciências, artes, religião, tecnologia e nada do que nos caracteriza como seres racionais. Viveríamos na maior das obscuridades e nem há certeza de que já não estaríamos extintos como espécie.
É certo que um tantinho de ceticismo, na dose adequada, não faz mal a ninguém. Não podemos sair por aí, por exemplo, acreditando, de cara, em tudo o que lemos, vemos, ouvimos ou pensamos sem uma análise, mesmo que superficial. Há que se ter, porém, (como em tudo na vida) moderação e bom-senso. Os céticos absolutos (se é que os há), que fazem do ceticismo dogma, não são filósofos como se dizem (pois não crêem na filosofia), cientistas (descrêem da ciência) e muito menos pesquisadores da verdade (de que duvidam que exista). São parasitas infelizes, pessoas sem norte ou rumo.
O ceticismo, palavra derivada do verbo grego “sképtomai” (que significa “olhar à distância”, “examinar”, “observar”), é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade. Implica em uma condição intelectual de perpétua dúvida. E mais, de admissão, a priori, da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade.
Há, nessa definição, enorme paradoxo, ou seja, inconciliável contradição. Se o supostamente cético “crê” na incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade, acredita em alguma coisa. Dessa forma, seu propalado ceticismo foi para o espaço. Se “acredita” nisso, por que não poderia acreditar, também, em tantos outros princípios, que são verdadeiros (pelo menos até prova em contrário)?
Vitor Hugo cunhou interessante metáfora para esse tipo de descrença liminar, absoluta e inflexível. Classificou-a de “cárie da inteligência”. Da mesma forma que a cárie destrói, paulatinamente, um dente, até que seja impossível sua restauração (se este não for tratado a tempo), o ceticismo erode a capacidade de pensar do infeliz que está sob o seu domínio. Como essa pessoa pode ter futuro, se sequer acredita nele? Como pode amar, ter alegria, buscar a felicidade, se não crê em nada disso?
Os odontologistas definem cárie como uma doença originada da associação de placas bacterianas cariogênicas com açúcares ingeridos na alimentação. Quando ambos se encontram, produz-se uma reação química. Formam-se ácidos, que propiciam a saída de minerais do dente. Estes destroem, pois, a camada protetora de esmalte, o que propicia a ação demolidora das bactérias, causando a destruição localizada dos tecidos dentais. A cárie, embora alguns não saibam, é contagiosa, como várias tantas doenças. O ceticismo também contagia incautos. A cárie, em geral, ocorre em decorrência de dietas alimentares inadequadas e, sobretudo, da falta de higiene bucal.
O ceticismo doentio e danoso tem (guardadas as devidas proporções, pelo menos nas causas primárias) evolução parecida com essa que ocorre em nossa boca. Manifesta-se por causa de “dieta” inadequada de pensamentos, decorrente de deficiências na educação e, principalmente, da falta de higiene mental. Ou seja, da ausência de incessante seleção de idéias, em que as nocivas e equivocadas (as destrutivas) sejam de imediato eliminadas, e as positivas estimuladas e consolidadas, numa profilaxia preventiva que funciona a contento em cem por cento dos casos.
Dúvidas razoáveis, que todos temos em algum momento das nossas vidas (na verdade, em vários deles), mas que são facilmente esclarecidas, não podem ser confundidas com ceticismo, ou seja, com “a admissão a priori da incapacidade humana de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade”. Isso descamba para a alienação, que anda, via de regra, de mãos dadas com a omissão, atitude que considero das mais covardes e negativas que uma pessoa possa assumir. Cuidado, pois, com o perigo representado por esta “cárie da inteligência”. Cuide, com carinho e assiduidade, da higiene bucal e, sobretudo, da mental.
Sunday, April 26, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Dependemos da sanidade ou insanidade, do bom-senso ou da loucura dos que nos governam para obter prosperidade, saúde, educação, segurança e tudo o que faça da nossa vida algo digno e grandioso. A maioria das decisões que afetam o nosso presente e, principalmente, o futuro, é tomada por outros: administradores, políticos, juízes, chefes militares etc.etc.etc. Teoricamente, a escolha dessas pessoas está em nossas mãos. Na prática...nem sempre é o que ocorre. Morris West ilustra muito bem essa situação, no romance “O Embaixador”, com estas palavras postas na boca de um dos seus personagens: ““Coquetéis, conferências, entrevistas e resmas e mais resmas de papel! Uma das ironias da diplomacia está em que a ascensão e queda das nações, a vida e a morte de milhares de pessoas, dependam de coisas tão sem importância”. E isso ocorre tanto nas chamadas “democracias”, quanto, e principalmente, nas mais ferozes, brutais e sanguinárias ditaduras.
DIRETO DO ARQUIVO
Aflições e temores de um povo humilde
Pedro J. Bondaczuk
As viagens que o papa João Paulo II tem feito às várias partes do mundo, nos seus quase dez anos de pontificado (que serão completados no próximo mês), são, como poderia se esperar, repletas de incidentes de toda a sorte. Afinal, foram 39 vezes que o Pontífice saiu da Itália, num fato absolutamente inédito em se tratando de líderes máximos do catolicismo. Ontem, contudo, ocorreu algo inédito em seus múltiplos giros.
Pela primeira vez, ele teve que fazer escala num país que, além de não estar programado para ser visitado, vem sendo alvo de severas críticas por parte do Papa, por causa do sistema segregacionista que adota, único no Planeta, tanto pela sua duração, quanto pelo repúdio internacional que desperta. É claro que nos referimos à África do Sul.
O avião de João Paulo II deveria seguir para Maseru, capital do pequenino reino montanhoso do Lesotho, encravado em pleno território sul-africano, mas não conseguiu aterrissar no aeroporto dessa cidade, por razões de segurança. Como não pôde descer de novo em Gaborone, no Botswana, já que tal regresso seria muito arriscado, o piloto não teve outro jeito. Pousou, mesmo, em Johannesburgo. Aliás, as autoridades de Pretória deram ao Pontífice um tratamento digno de chefe de Estado. Cederam-lhe, inclusive, um automóvel BMW para que ele seguisse por via rodoviária para seu ponto de destino.
Mas o dia foi mais cheio de aflição para o povo do Lesotho. Milhares de pessoas postaram-se desde cedo nas ruas da capital à espera do Papa, que não aparecia. É claro que em tais circunstâncias os boatos tendem a correr à solta. E nunca é possível determinar a sua origem. A tensão foi ainda agravada com o caso do seqüestro do ônibus de peregrinos que viajavam para Maseru para ver o ilustre visitante.
Guerrilheiros locais usaram esse condenável expediente para fazer exigências talvez até justas às autoridades do país. O método é que foi reprovável. E o final desse caso foi de uma forma sangrenta, empanando de certa forma o brilho de um evento tão ansiosamente esperado pelo povo local. À noite, finalmente, veio o alívio geral. João Paulo II chegou a Maseru, pondo fim às aflições populares.
Para o Pontífice, que já foi vítima de um atentado que quase lhe suprime a vida, em plena Praça de São Pedro no Vaticano; que presenciou explosões de descontentamento popular (como no Chile) e foi ameaçado de morte em inúmeras ocasiões, os incidentes de ontem foram de pequena monta. Mas os fiéis de Lesotho jamais irão esquecer esse dia, em que chegaram a pensar até mesmo no impensável. Que João Paulo II, e não 71 peregrinos, tinha sido vítima de seqüestro.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de setembro de 1988)
Pedro J. Bondaczuk
As viagens que o papa João Paulo II tem feito às várias partes do mundo, nos seus quase dez anos de pontificado (que serão completados no próximo mês), são, como poderia se esperar, repletas de incidentes de toda a sorte. Afinal, foram 39 vezes que o Pontífice saiu da Itália, num fato absolutamente inédito em se tratando de líderes máximos do catolicismo. Ontem, contudo, ocorreu algo inédito em seus múltiplos giros.
Pela primeira vez, ele teve que fazer escala num país que, além de não estar programado para ser visitado, vem sendo alvo de severas críticas por parte do Papa, por causa do sistema segregacionista que adota, único no Planeta, tanto pela sua duração, quanto pelo repúdio internacional que desperta. É claro que nos referimos à África do Sul.
O avião de João Paulo II deveria seguir para Maseru, capital do pequenino reino montanhoso do Lesotho, encravado em pleno território sul-africano, mas não conseguiu aterrissar no aeroporto dessa cidade, por razões de segurança. Como não pôde descer de novo em Gaborone, no Botswana, já que tal regresso seria muito arriscado, o piloto não teve outro jeito. Pousou, mesmo, em Johannesburgo. Aliás, as autoridades de Pretória deram ao Pontífice um tratamento digno de chefe de Estado. Cederam-lhe, inclusive, um automóvel BMW para que ele seguisse por via rodoviária para seu ponto de destino.
Mas o dia foi mais cheio de aflição para o povo do Lesotho. Milhares de pessoas postaram-se desde cedo nas ruas da capital à espera do Papa, que não aparecia. É claro que em tais circunstâncias os boatos tendem a correr à solta. E nunca é possível determinar a sua origem. A tensão foi ainda agravada com o caso do seqüestro do ônibus de peregrinos que viajavam para Maseru para ver o ilustre visitante.
Guerrilheiros locais usaram esse condenável expediente para fazer exigências talvez até justas às autoridades do país. O método é que foi reprovável. E o final desse caso foi de uma forma sangrenta, empanando de certa forma o brilho de um evento tão ansiosamente esperado pelo povo local. À noite, finalmente, veio o alívio geral. João Paulo II chegou a Maseru, pondo fim às aflições populares.
Para o Pontífice, que já foi vítima de um atentado que quase lhe suprime a vida, em plena Praça de São Pedro no Vaticano; que presenciou explosões de descontentamento popular (como no Chile) e foi ameaçado de morte em inúmeras ocasiões, os incidentes de ontem foram de pequena monta. Mas os fiéis de Lesotho jamais irão esquecer esse dia, em que chegaram a pensar até mesmo no impensável. Que João Paulo II, e não 71 peregrinos, tinha sido vítima de seqüestro.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de setembro de 1988)
Saturday, April 25, 2009
REFLEXÃO DO DIA
O amor é caprichoso: quanto mais sólido parece ser, mais frágil, na verdade, é. Requer permanente vigilância sobre palavras e atos e repudia mínimos gestos de hostilidade, que não condizem com a delicadeza desse sentimento. Alguns, no entanto, despencam nesse poço sem fundo da vaidade e nele só encontram absoluta falta de luz e uma solidão sem tamanho. Seu amor próprio, para não dizer vaidade, é muito maior do que o que sentem pela pessoa amada. E quando isso acontece... zás, o relacionamento já acabou. Por mais sólido que aparente ser, se deteriora, se rompe e quase sempre (ou sempre mesmo) se torna irreparável. Pablo Neruda aborda esse tipo de situação nos versos do poema “O poço”: “Meu amor, o que encontras/em teu poço fechado?/Algas, pântanos, rochas?/O que vês, de olhos cegos,/rancorosa e ferida?//Não acharás, amor,/no poço em que cais/o que na altura guardo para ti:/um ramo de jasmins todo orvalhado/um beijo mais profundo que esse abismo”.
Soneto à doce amada - XVIII
Pedro J. Bondaczuk
Vês amada, meu rosto está sereno.
Mesmo um sorriso me baila nos lábios
e embora os desgostos, tantos ressábios,
meu pétreo rosto permanece ameno.
Mas não olhes em meus olhos, querida,
pois eles podem, prontos, marejar,
e não fica bem um homem chorar,
pois eu trago a noite na alma ferida.
Vês o fruto da tua insensatez?
Foste despertar o fero leão
que eu queria que dormisse de vez.
Meus sentimentos são vivo vulcão,
se desfazem em lavas de ilusão
e é grande o temor de perder-te, Inês!
(Soneto composto em Campinas, em 26 de novembro de 1967).
Vês amada, meu rosto está sereno.
Mesmo um sorriso me baila nos lábios
e embora os desgostos, tantos ressábios,
meu pétreo rosto permanece ameno.
Mas não olhes em meus olhos, querida,
pois eles podem, prontos, marejar,
e não fica bem um homem chorar,
pois eu trago a noite na alma ferida.
Vês o fruto da tua insensatez?
Foste despertar o fero leão
que eu queria que dormisse de vez.
Meus sentimentos são vivo vulcão,
se desfazem em lavas de ilusão
e é grande o temor de perder-te, Inês!
(Soneto composto em Campinas, em 26 de novembro de 1967).
Friday, April 24, 2009
REFLEXÃO DO DIA
As lembranças de amores passados não significam “traição” à nova amada, como se pode supor, pois esta, também, provavelmente, tem um acervo considerável de recordações dos seus amores (ou de fantasias amorosas, se nunca antes amou alguém). Podemos controlar pensamentos e até instintos, mas sentimentos... são incontroláveis. Isso não deve, claro, ser revelado, pois é patrimônio exclusivo que não precisa ser partilhado com ninguém. Lembranças não são voluntárias. Têmo-las à nossa revelia. E já que as coisas são assim, o sábio e prudente é sempre cultivarmos boas recordações, de momentos sublimes e ímpares que tenhamos vivido. Pablo Neruda trata do tema com delicadeza e sensibilidade, nos versos iniciais deste poema intitulado “O esquecimento”: “Todo o amor numa taça/imensa como a terra, todo/amor cheio de estrelas e de espinhos/te entreguei, mas andaste/com pés pequenos, calcanhares sujos/sobre o fogo, apagando-o.//Ai, grande amor, pequena amada!”.
Ausências catastróficas
Pedro J. Bondaczuk
Há três características essenciais cuja ausência, se houver, nos será catastrófica: inteligência, sentimento e vontade. Todas têm que estar presentes simultaneamente, para nos tornar úteis, produtivos e humanos. Se faltar uma delas, mas contarmos com as outras duas, ainda poderemos nos defender, posto que não muito bem. Sem as três, contudo, seremos piores do que os mais obtusos animais.
A inteligência nos capacita a entender quem somos, onde estamos e a que viemos. Conheço pessoas que são, digamos, um tanto obtusas, com capacidade de entendimento beirando o grau zero. Seu quociente de inteligência, o tal do QI, é bem abaixo da média. Todavia, são extremamente emotivas, e com emoções positivas, por isso, contam com um círculo enorme de afetos. Dotadas de vontade férrea, recebem orientação de parentes e amigos e acabam se dando bem.
Os sentimentos nos aproximam dos semelhantes, numa troca mútua e benigna de emoções. Conheço, igualmente, muitos que, além de curtos de inteligência, são verdadeiras pedras de gelo em termos de emoções. Não se empolgam e nem se emocionam com nada e ninguém. Têm tudo, pois, para serem perdedoras e se virem marginalizadas na sociedade. Contam, porém, com um fator que considero essencial, irresistível, capaz de realizações notáveis e feitos surpreendentes: a vontade.
Com ela, superam limitações mentais e afetivas, caem, caem e caem (sucessivamente), mas jamais se dão por vencidas. Levantam, “sacodem a poeira e dão a volta por cima”. A determinação é seu grande recurso para enfrentar (e quase sempre vencer) tudo e todos. São pessoas que, sobretudo, agem. Pois é a vontade que nos mobiliza à ação.
Podemos, é verdade, sobreviver sem a inteligência, mas então andaremos às cegas pelo mundo. Sem sentimentos, não teremos motivação para fazer o que quer que seja. E sem vontade, não passaremos de parasitas vivendo às custas alheias. Como se vê, a ausência de uma dessas características, se não nos incapacita de vez, limita as nossas chances de sucesso e até (ou principalmente) de felicidade.
Sou, por força das atividades que exerço – de jornalista e escritor – persistente e incansável observador de pessoas. Claro que não tenho como saber o que realmente pensam ou sentem. Ninguém tem essa capacidade. Observo, porém, seu comportamento, suas atitudes, suas ações face a diversos desafios e como fazem para tentar para superar dificuldades.
Mesmo que não queira e, não raro me sinta constrangido, sou, na verdade, grande bisbilhoteiro. É dessas observações, contudo, que pinço, por exemplo, os personagens dos meus contos e novelas. Daí sua verossimilhança, característica minha que chama a atenção dos críticos que a consideram minha maior virtude. Em termos de personagens, não crio nada. Limito-me a “copiar” os bilhões que existem por aí.
Conheço pessoas de inteligência brilhante. Têm capacidade de compreensão muito acima da média e criatividade de causar inveja aos mais hábeis e consagrados artistas. Além de inteligentes, têm sensibilidade à flor da pele. Emocionam-se com facilidade e não têm vergonha de expressar emoções. Riem quando sentem vontade, choram se for o caso de chorar, irritam-se e não dissimulam a irritação, enfim, têm sentimentos e não relutam em expressá-los.
À primeira análise, têm tudo para serem vencedoras. Mas... algumas não são. Por que? Porque lhes falta um fator que julgo essencial: vontade. São fantásticas planejadoras, mas na hora de colocar os planos em prática... Despertam simpatias, mas nunca aprofundam relacionamentos. São criativas, mas não sabem o que fazer com tanta criatividade. Desperdiçam oportunidades atrás de oportunidades e sempre têm uma desculpa engatilhada, na ponta da língua, para explicar esse desperdício.
Tempos atrás, escrevi uma crônica sobre um amigo que é assim. O sujeito conta com um talento inato de escritor. Cria histórias com desfechos surpreendentes, mas nunca as põe no papel. Perdem-se, todas, ao vento, nas narrativas que faz aos companheiros de bar, onde passa dias inteiros, sem fazer absolutamente nada, a não ser jogar conversa fora.
A mulher, ingênua, confia em seu talento e trabalha feito uma escrava para sustentar a casa e os caprichos e a vagabundagem do genial marido, eterna “promessa de escritor”. Mas nunca passou (e duvido que passe) disso: mera promessa.
Lamento quando vejo casos assim, já que não há tanta abundância de talentos no mundo que se possa desperdiçar um tão palpável, apenas por falta de vontade. Sem se dar conta, essa pessoa deixa de ser livre. No caso, é escravo da mulher.
Caso essa opte, um dia, pela separação (e é o que julgo que fatalmente, em determinado momento, vai acontecer), esse meu amigo estará num “mato sem cachorro”. Sabe, é verdade, como se sustentar. Mas não quer. Prefere morrer à míngua. E não se trata de nenhum doente. Tem saúde para dar e vender.
O médico argentino, naturalizado brasileiro, Idel Becker, completa esse raciocínio, ao ponderar: “Sem inteligência, o homem é cego; sem sentimento, inerte; sem vontade, escravo”. A ausência dessas três características, principalmente quando simultânea, é ou não é, pois, catastrófica?! É catástrofe maior do que o choque de um meteorito ou cometa com a Terra.
Há três características essenciais cuja ausência, se houver, nos será catastrófica: inteligência, sentimento e vontade. Todas têm que estar presentes simultaneamente, para nos tornar úteis, produtivos e humanos. Se faltar uma delas, mas contarmos com as outras duas, ainda poderemos nos defender, posto que não muito bem. Sem as três, contudo, seremos piores do que os mais obtusos animais.
A inteligência nos capacita a entender quem somos, onde estamos e a que viemos. Conheço pessoas que são, digamos, um tanto obtusas, com capacidade de entendimento beirando o grau zero. Seu quociente de inteligência, o tal do QI, é bem abaixo da média. Todavia, são extremamente emotivas, e com emoções positivas, por isso, contam com um círculo enorme de afetos. Dotadas de vontade férrea, recebem orientação de parentes e amigos e acabam se dando bem.
Os sentimentos nos aproximam dos semelhantes, numa troca mútua e benigna de emoções. Conheço, igualmente, muitos que, além de curtos de inteligência, são verdadeiras pedras de gelo em termos de emoções. Não se empolgam e nem se emocionam com nada e ninguém. Têm tudo, pois, para serem perdedoras e se virem marginalizadas na sociedade. Contam, porém, com um fator que considero essencial, irresistível, capaz de realizações notáveis e feitos surpreendentes: a vontade.
Com ela, superam limitações mentais e afetivas, caem, caem e caem (sucessivamente), mas jamais se dão por vencidas. Levantam, “sacodem a poeira e dão a volta por cima”. A determinação é seu grande recurso para enfrentar (e quase sempre vencer) tudo e todos. São pessoas que, sobretudo, agem. Pois é a vontade que nos mobiliza à ação.
Podemos, é verdade, sobreviver sem a inteligência, mas então andaremos às cegas pelo mundo. Sem sentimentos, não teremos motivação para fazer o que quer que seja. E sem vontade, não passaremos de parasitas vivendo às custas alheias. Como se vê, a ausência de uma dessas características, se não nos incapacita de vez, limita as nossas chances de sucesso e até (ou principalmente) de felicidade.
Sou, por força das atividades que exerço – de jornalista e escritor – persistente e incansável observador de pessoas. Claro que não tenho como saber o que realmente pensam ou sentem. Ninguém tem essa capacidade. Observo, porém, seu comportamento, suas atitudes, suas ações face a diversos desafios e como fazem para tentar para superar dificuldades.
Mesmo que não queira e, não raro me sinta constrangido, sou, na verdade, grande bisbilhoteiro. É dessas observações, contudo, que pinço, por exemplo, os personagens dos meus contos e novelas. Daí sua verossimilhança, característica minha que chama a atenção dos críticos que a consideram minha maior virtude. Em termos de personagens, não crio nada. Limito-me a “copiar” os bilhões que existem por aí.
Conheço pessoas de inteligência brilhante. Têm capacidade de compreensão muito acima da média e criatividade de causar inveja aos mais hábeis e consagrados artistas. Além de inteligentes, têm sensibilidade à flor da pele. Emocionam-se com facilidade e não têm vergonha de expressar emoções. Riem quando sentem vontade, choram se for o caso de chorar, irritam-se e não dissimulam a irritação, enfim, têm sentimentos e não relutam em expressá-los.
À primeira análise, têm tudo para serem vencedoras. Mas... algumas não são. Por que? Porque lhes falta um fator que julgo essencial: vontade. São fantásticas planejadoras, mas na hora de colocar os planos em prática... Despertam simpatias, mas nunca aprofundam relacionamentos. São criativas, mas não sabem o que fazer com tanta criatividade. Desperdiçam oportunidades atrás de oportunidades e sempre têm uma desculpa engatilhada, na ponta da língua, para explicar esse desperdício.
Tempos atrás, escrevi uma crônica sobre um amigo que é assim. O sujeito conta com um talento inato de escritor. Cria histórias com desfechos surpreendentes, mas nunca as põe no papel. Perdem-se, todas, ao vento, nas narrativas que faz aos companheiros de bar, onde passa dias inteiros, sem fazer absolutamente nada, a não ser jogar conversa fora.
A mulher, ingênua, confia em seu talento e trabalha feito uma escrava para sustentar a casa e os caprichos e a vagabundagem do genial marido, eterna “promessa de escritor”. Mas nunca passou (e duvido que passe) disso: mera promessa.
Lamento quando vejo casos assim, já que não há tanta abundância de talentos no mundo que se possa desperdiçar um tão palpável, apenas por falta de vontade. Sem se dar conta, essa pessoa deixa de ser livre. No caso, é escravo da mulher.
Caso essa opte, um dia, pela separação (e é o que julgo que fatalmente, em determinado momento, vai acontecer), esse meu amigo estará num “mato sem cachorro”. Sabe, é verdade, como se sustentar. Mas não quer. Prefere morrer à míngua. E não se trata de nenhum doente. Tem saúde para dar e vender.
O médico argentino, naturalizado brasileiro, Idel Becker, completa esse raciocínio, ao ponderar: “Sem inteligência, o homem é cego; sem sentimento, inerte; sem vontade, escravo”. A ausência dessas três características, principalmente quando simultânea, é ou não é, pois, catastrófica?! É catástrofe maior do que o choque de um meteorito ou cometa com a Terra.
Thursday, April 23, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Temos necessidade vital de uma alma-gêmea, para cumprirmos nosso papel no mundo e fazermos aquilo para o que fomos “programados” por Deus, através da natureza: darmos continuidade à vida. E isso, convenhamos, nunca poderemos fazer sozinhos. Ademais, nada terá sentido se não tivermos com quem partilhar alegrias, tristezas, vitórias, derrotas etc.etc.etc., ou seja, cada milímetro do nosso corpo, coração e alma. Sozinhos, somos apenas metade de um todo. Obtermos a unidade completa é, mesmo que eventualmente neguemos ou sequer tenhamos consciência, a missão fundamental da nossa vida. Pablo Neruda exalta a união do casal que se ama, com graça e beleza, nestes versos com que encerra o poema “O monte e o rio”: “Ó tu, a quem eu amo,/pequena, grão vermelho/de trigo,//a luta será dura,/a vida será dura/mas tu virás comigo”. E, sem dúvida, essa companhia tornará mais fácil toda e qualquer empreitada.
Meus amigos de quatro patas
Pedro J. Bondaczuk
O relacionamento do homem com animais classificados como “domésticos”, notadamente cães e gatos, é antiqüíssimo. Remonta, provavelmente, à Idade da Pedra Polida, ou seja, há pelo menos 12 mil anos (se não mais). Atualmente, esse mútuo apego é mais forte do que nunca. Embora não haja estatísticas a respeito, estima-se que as populações canina e felina sejam equivalentes à humana (se não maior). Ou seja, por volta de 6,7 bilhões cada uma.
Pinturas em cavernas da Europa comprovam que nossos remotíssimos ancestrais já nutriam certa amizade (ou pelo menos companheirismo) com esses animais. Alguns desses murais retratam caçadas a bisões e alces em que cães participavam ativamente. As populações caninas e felinas só não são maiores, hoje em dia, porque há povos que ainda os criam (pasmem) para comer. Acho uma crueldade, mas não me admiro e não me assusto tanto quando levo em conta que já houve homens que se deliciavam com carne humana. Argh!!!
Gosto de animais e tive, desde menino, inúmeros cães e gatos com os quais mantive profunda ligação afetiva. Oportunamente, prometo relatar alguns desses casos. Hoje, porém, prefiro tratar dos meus amigos de quatro patas atuais. Embora eles dêem muito trabalho – que, aliás, executo com o maior prazer – minha casa é cheia de vida, porquanto tenho ao meu redor um monte de bichos, cada qual com sua característica e personalidade. E eles se mostram tão inteligentes e cativantes, com sua onipresença, que falta, apenas, falarem.
Sobre o Nick, meu poodle toy, prometo não discorrer tanto. Afinal, já enchi demais a bola dele, abordando suas peripécias em pelo menos dez crônicas. Mas ele merece. É verdade que tem complexo de mastim, ou de pitbull, ou sei lá de que raça, apesar do seu tamanho diminuto. Em 29 de dezembro de 2000, quando minha casa foi invadida por bandidos, que fizeram a família toda de reféns, foi o único que ousou reagir. Atacou os três pilantras, às dentadas e, mesmo levando chutes e coronhadas, não lhes deu trégua, até que se fossem, levando meras quinquilharias sem valor.
Hoje ele está velhinho, velhinho, sem aquela disposição guerreira que sempre o caracterizou. Mas continua carinhoso, vigilante e afável com o pessoal aqui de casa. Recebe o melhor tratamento possível, com direito a banho e tosa quinzenais nos profissionais especializados nessa função. Mas deixemos o Nick sossegado no seu canto.
Tenho sete gatos, de raças diferentes, três dos quais nasceram aqui em casa. O mais velho é o Nego, que tem esse nome por ser negro como uma noite nublada e sem luar. Seus pais são dois amigos que já não estão conosco, a Saninha e o Charlie. Meu filho Alexei ajudou-o a nascer. É um tanto xucro e desconfiado, mas é sempre o primeiro da fila na hora da distribuição da ração (que faço questão que seja de primeiríssima qualidade, de marca tradicional e a mais cara do mercado. Meus amigos merecem do bom e do melhor).
O Nego é pai do Frajola e da Neguinha, num cruzamento com a Raja, gata selvagem que aos poucos estamos conseguindo domesticar e que salvamos de ser arrastada pela enxurrada para um bueiro em frente de casa. Desses dois espertos gatinhos, meu filho também foi “parteiro” e é impressionante a amizade e o apego que ambos têm por ele. Para o resto da família até que não dão muita bola (a não ser na hora da “bóia”, claro, pois os gatos são muito sabidos e individualistas).
A Neguinha, sempre que vê o Alexei, fica à espera que este lhe atire uma bolinha de papel para brincar. Faz isso desde pequena (hoje já está com quatro anos e ainda não perdeu o costume). O Mustafá, um siamês (que estranhamente não cresceu e tem o tamanho de um animal de seis meses, quando, na verdade, já está com três anos), é desconfiado e arredio. Sua principal característica é o fato de ser estrábico. Seu maior prazer é fazer-me companhia em meu gabinete de trabalho, quando estou empenhado em escrever meus textos.
Deixei os dois gatos mais bonitos para serem apresentados por último. Ambos são da raça angorá, só que um, o Putzi, é totalmente negro e o outro, o Mingau, é branco, branco como a neve. São uma festa para os olhos, de tão belos que são e, principalmente quando estão juntos, pelo contraste das suas cores. Todavia não são amigos. Na verdade, odeiam-se.
O Putzi é o gato mais malandro da casa. Conquistou a todos, embora não esconda de ninguém sua preferência por mim. Fura, invariavelmente, a fila da bóia, mas não é agressivo com os companheiros. Ganha o que quer na base da pura simpatia. É, contudo, o maior caçador da casa e não raro aparece com algum pardal por entre os dentes, ocasião em que não admite que ninguém se aproxime, humano ou animal, fazendo cara de poucos amigos e se preparando para briga, caso seja necessário.
O Mingau é manhoso como quê. É um gato enorme e tem pelagem fofa e farta. É outro apegado com o Alexei e, por essa razão, tem um ciúme terrível da Neguinha e do Frajola. Até já andou lhes dando alguns “petelecos”, na disputa pela atenção do meu filho.
Certa feita, dei-o (com o coração partido, claro) ao meu neto, que mora a uns três bairros de distância de mim (seguramente, a uns oito quilômetros). Três dias depois, no entanto, eis que ouço alguém arranhando a porta da frente de casa. Fui ver quem era e... surpresa! Era o Mingau, cansado e faminto, que havia fugido e retornado ao que sempre teve como seu lar. Depois disso, nunca mais quis me desfazer desse manhoso (e briguento) amigão.
Claro que não sou daquele tipo exagerado, que prefere a amizade dos animais à dos homens. Até porque, uma não exclui a outra. Sou egoísta nesse aspecto. Quero, como amigos, todos os que gostarem de mim e se identificarem com meus gostos e pensamentos, não importa se pessoas ou bichos.
Mas não posso negar que tenho um afeto muito especial pelos meus sete gatos e meu heróico cãozinho (ainda com complexo de pitbull). São eles que estão sempre presentes em meus momentos de alegria e de tristeza. Nunca me traíram e duvido que algum dia o façam. Daí a recíproca ser verdadeira em relação a esses fiéis, charmosos e onipresentes amigos de quatro patas.
O relacionamento do homem com animais classificados como “domésticos”, notadamente cães e gatos, é antiqüíssimo. Remonta, provavelmente, à Idade da Pedra Polida, ou seja, há pelo menos 12 mil anos (se não mais). Atualmente, esse mútuo apego é mais forte do que nunca. Embora não haja estatísticas a respeito, estima-se que as populações canina e felina sejam equivalentes à humana (se não maior). Ou seja, por volta de 6,7 bilhões cada uma.
Pinturas em cavernas da Europa comprovam que nossos remotíssimos ancestrais já nutriam certa amizade (ou pelo menos companheirismo) com esses animais. Alguns desses murais retratam caçadas a bisões e alces em que cães participavam ativamente. As populações caninas e felinas só não são maiores, hoje em dia, porque há povos que ainda os criam (pasmem) para comer. Acho uma crueldade, mas não me admiro e não me assusto tanto quando levo em conta que já houve homens que se deliciavam com carne humana. Argh!!!
Gosto de animais e tive, desde menino, inúmeros cães e gatos com os quais mantive profunda ligação afetiva. Oportunamente, prometo relatar alguns desses casos. Hoje, porém, prefiro tratar dos meus amigos de quatro patas atuais. Embora eles dêem muito trabalho – que, aliás, executo com o maior prazer – minha casa é cheia de vida, porquanto tenho ao meu redor um monte de bichos, cada qual com sua característica e personalidade. E eles se mostram tão inteligentes e cativantes, com sua onipresença, que falta, apenas, falarem.
Sobre o Nick, meu poodle toy, prometo não discorrer tanto. Afinal, já enchi demais a bola dele, abordando suas peripécias em pelo menos dez crônicas. Mas ele merece. É verdade que tem complexo de mastim, ou de pitbull, ou sei lá de que raça, apesar do seu tamanho diminuto. Em 29 de dezembro de 2000, quando minha casa foi invadida por bandidos, que fizeram a família toda de reféns, foi o único que ousou reagir. Atacou os três pilantras, às dentadas e, mesmo levando chutes e coronhadas, não lhes deu trégua, até que se fossem, levando meras quinquilharias sem valor.
Hoje ele está velhinho, velhinho, sem aquela disposição guerreira que sempre o caracterizou. Mas continua carinhoso, vigilante e afável com o pessoal aqui de casa. Recebe o melhor tratamento possível, com direito a banho e tosa quinzenais nos profissionais especializados nessa função. Mas deixemos o Nick sossegado no seu canto.
Tenho sete gatos, de raças diferentes, três dos quais nasceram aqui em casa. O mais velho é o Nego, que tem esse nome por ser negro como uma noite nublada e sem luar. Seus pais são dois amigos que já não estão conosco, a Saninha e o Charlie. Meu filho Alexei ajudou-o a nascer. É um tanto xucro e desconfiado, mas é sempre o primeiro da fila na hora da distribuição da ração (que faço questão que seja de primeiríssima qualidade, de marca tradicional e a mais cara do mercado. Meus amigos merecem do bom e do melhor).
O Nego é pai do Frajola e da Neguinha, num cruzamento com a Raja, gata selvagem que aos poucos estamos conseguindo domesticar e que salvamos de ser arrastada pela enxurrada para um bueiro em frente de casa. Desses dois espertos gatinhos, meu filho também foi “parteiro” e é impressionante a amizade e o apego que ambos têm por ele. Para o resto da família até que não dão muita bola (a não ser na hora da “bóia”, claro, pois os gatos são muito sabidos e individualistas).
A Neguinha, sempre que vê o Alexei, fica à espera que este lhe atire uma bolinha de papel para brincar. Faz isso desde pequena (hoje já está com quatro anos e ainda não perdeu o costume). O Mustafá, um siamês (que estranhamente não cresceu e tem o tamanho de um animal de seis meses, quando, na verdade, já está com três anos), é desconfiado e arredio. Sua principal característica é o fato de ser estrábico. Seu maior prazer é fazer-me companhia em meu gabinete de trabalho, quando estou empenhado em escrever meus textos.
Deixei os dois gatos mais bonitos para serem apresentados por último. Ambos são da raça angorá, só que um, o Putzi, é totalmente negro e o outro, o Mingau, é branco, branco como a neve. São uma festa para os olhos, de tão belos que são e, principalmente quando estão juntos, pelo contraste das suas cores. Todavia não são amigos. Na verdade, odeiam-se.
O Putzi é o gato mais malandro da casa. Conquistou a todos, embora não esconda de ninguém sua preferência por mim. Fura, invariavelmente, a fila da bóia, mas não é agressivo com os companheiros. Ganha o que quer na base da pura simpatia. É, contudo, o maior caçador da casa e não raro aparece com algum pardal por entre os dentes, ocasião em que não admite que ninguém se aproxime, humano ou animal, fazendo cara de poucos amigos e se preparando para briga, caso seja necessário.
O Mingau é manhoso como quê. É um gato enorme e tem pelagem fofa e farta. É outro apegado com o Alexei e, por essa razão, tem um ciúme terrível da Neguinha e do Frajola. Até já andou lhes dando alguns “petelecos”, na disputa pela atenção do meu filho.
Certa feita, dei-o (com o coração partido, claro) ao meu neto, que mora a uns três bairros de distância de mim (seguramente, a uns oito quilômetros). Três dias depois, no entanto, eis que ouço alguém arranhando a porta da frente de casa. Fui ver quem era e... surpresa! Era o Mingau, cansado e faminto, que havia fugido e retornado ao que sempre teve como seu lar. Depois disso, nunca mais quis me desfazer desse manhoso (e briguento) amigão.
Claro que não sou daquele tipo exagerado, que prefere a amizade dos animais à dos homens. Até porque, uma não exclui a outra. Sou egoísta nesse aspecto. Quero, como amigos, todos os que gostarem de mim e se identificarem com meus gostos e pensamentos, não importa se pessoas ou bichos.
Mas não posso negar que tenho um afeto muito especial pelos meus sete gatos e meu heróico cãozinho (ainda com complexo de pitbull). São eles que estão sempre presentes em meus momentos de alegria e de tristeza. Nunca me traíram e duvido que algum dia o façam. Daí a recíproca ser verdadeira em relação a esses fiéis, charmosos e onipresentes amigos de quatro patas.
Wednesday, April 22, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Minha doce amada, você é metáfora de tudo o que amo, meus pais, meus filhos, meus amigos, minha pátria. Você é a metade que me faltava e que, em certa fase da minha vida, tanto procurei mundo afora. Ao encontrá-la, todavia, tornei-me um homem completo, maduro, feliz e realizado. É a origem e o destino dos meus mais preciosos sonhos, minha fonte de energia e inspiração para as batalhas do cotidiano. É minha cidade, meu Estado e meu país. Pablo Neruda vai mais longe e vislumbra, na pessoa que ama, esse nosso continente promissor, mas ainda tão sofrido, que expressa da seguinte forma, nos versos iniciais do poema “Pequena América”: “Quando contemplo a forma/da América no mapa,/amor, é a ti quem vejo:/as alturas do cobre na cabeça,/teus peitos, trigo e neve,/a cintura delgada,/velozes rios que palpitam, doces/colinas, pradarias/e no frio do sul teus pés terminam/sua geografia de ouro duplicada”. É assim que também a vejo, doce e sereno amor!
Dor da separação
Pedro J. Bondaczuk
A separação das pessoas que amamos (pais, filhos, netos, namoradas, esposas, parentes ou amigos) é uma circunstância inevitável na vida de todos nós. As razões e ocasiões, obviamente, é que variam. Varia, também, a intensidade da dor que sentimos, conforme o grau de afeição que tínhamos por quem fomos forçados, por algum motivo, a nos separar. Mas se houver um mínimo de afeto envolvido, essa horrível sensação de perda, a frustração da ausência e a incerteza quanto ao reencontro, se fazem sempre presentes, e não raro nos deixam profundas cicatrizes na alma, que se apagam, apenas, quando morremos.
Pior é quando a separação é irreversível. Quando a pessoa que amamos, por exemplo, se muda para uma cidade, para a qual dificilmente iremos algum dia por causa da distância (ou ela não virá, pelo mesmo motivo), quando não para outro país e, às vezes, até para outro continente, do outro lado do mundo.
Essa mudança, claro, também pode ser a nossa. Não importa, no caso, quem mudou. Importa que nos separamos de quem nos dava afeto e por quem nutríamos profunda afeição. Muitíssimo pior, ainda, é quando é a morte que nos separa. Aí, não tem jeito mesmo. Temos que nos contentar somente com lembranças que, não raro, em vez de nos consolarem, multiplicam nossa sensação de perda e de desamparo, a nossa carência afetiva.
Refiro-me, aqui, ao citar separações de pais, filhos e/ou esposa, a lares equilibrados e harmoniosos em que reinem o respeito e o amor mútuos. Há aqueles (que sequer podem receber esse honrado nome) que são autênticas sucursais do inferno, cuja saída se constitui em libertação e, portanto, em alívio. Desses, deixo para tratar em outra ocasião.
Sempre chega, em nossa vida, o momento de cortarmos, pela segunda vez, o cordão umbilical, que nos liga a nossos pais (a primeira, óbvio, é na maternidade, em nosso nascimento). Em alguns casos, isso tarda muito a acontecer, em outros, é precoce, rápido e fulminante.
Muitos adolescentes, naquela fase típica, tão nossa conhecida, pela qual todos passamos algum dia, a da rebeldia sem causa, entendem que, saindo de casa, estarão manifestando seu senso de independência, embora não estejam preparados para esse exercício. Quebram a cara, evidentemente! Alguns, têm a humildade do retorno. Outros, sofrem o diabo, mas não dão o braço a torcer.
Temos um terceiro momento de corte do cordão umbilical, mas desta vez é o que nos liga à prole que geramos. E essa separação, convenhamos, não dói menos do que as duas anteriores. Não raro, a dor é até maior. Cansamo-nos de ouvir (e de afirmar) que os filhos não são propriedades nossas (não são mesmo) e que os geramos não para o nosso deleite e proveito, mas para o mundo (e é de fato). Contudo, quando chega o momento de mostrar isso na prática... É um Deus nos acuda!
Ainda quando os filhos saem de casa para uma condição melhor – ou porque lhes surgiu alguma oportunidade profissional imperdível, ou porque fizeram um casamento feliz e por amor ou por outra circunstância favorável qualquer – não nos sentimos tão mal.
Contudo, mesmo que não confessemos a ninguém, isso, sem dúvida nenhuma, dói. Não são raras as vezes em que (se não dizemos, pelo menos pensamos assim) achamos que os filhos nunca deveriam crescer. Deveriam permanecer, para sempre, com aquela idade entre os seis e sete anos, em que mais do que pessoas de carne e osso, são “ pura poesia ambulante”. Mas crescem. E lá um belo dia, chega o momento de “baterem asas” do ninho.
Para nós, porém, seu status nunca muda. Quando nos referimos aos filhos, até inconscientemente, chamamo-los, invariavelmente, de “minhas crianças”, mesmo que tenham cinqüenta anos ou mais nas costas e numerosa prole. Quem já não se pilhou dizendo isso? É uma atitude para lá de normal. Eu digo isso a todo o momento, para a esposa, para os amigos, para os conhecidos etc.
Não raro, os filhos, quando casam, passam a morar na mesma cidade, às vezes no mesmo bairro, quando não na mesma rua que nós. No princípio, nos visitam praticamente todos os dias. Com o tempo, todavia, essas visitas vão se espaçando, se espaçando, se espaçando, tornando-se crescentemente menos constantes, até que se limitam, apenas, ao nosso aniversário, aos Dias das Mães e dos Pais, à Páscoa e ao Natal, quando muito. Isso quando não cessam de vez e não se tornam anuais ou até de décadas.
Restam-nos, então, somente uma multidão de lembranças – a primeira vez que cada um se sentou sozinho, as primeiras engatinhadas, os primeiros passos, as primeiras palavras balbuciadas e vai por aí afora – e a dor da separação, que fica latejando, latejando e latejando em nosso peito e em nossa memória, sem nunca cessar. Como se vê, amar é muito bom... mas dói como quê!
A separação das pessoas que amamos (pais, filhos, netos, namoradas, esposas, parentes ou amigos) é uma circunstância inevitável na vida de todos nós. As razões e ocasiões, obviamente, é que variam. Varia, também, a intensidade da dor que sentimos, conforme o grau de afeição que tínhamos por quem fomos forçados, por algum motivo, a nos separar. Mas se houver um mínimo de afeto envolvido, essa horrível sensação de perda, a frustração da ausência e a incerteza quanto ao reencontro, se fazem sempre presentes, e não raro nos deixam profundas cicatrizes na alma, que se apagam, apenas, quando morremos.
Pior é quando a separação é irreversível. Quando a pessoa que amamos, por exemplo, se muda para uma cidade, para a qual dificilmente iremos algum dia por causa da distância (ou ela não virá, pelo mesmo motivo), quando não para outro país e, às vezes, até para outro continente, do outro lado do mundo.
Essa mudança, claro, também pode ser a nossa. Não importa, no caso, quem mudou. Importa que nos separamos de quem nos dava afeto e por quem nutríamos profunda afeição. Muitíssimo pior, ainda, é quando é a morte que nos separa. Aí, não tem jeito mesmo. Temos que nos contentar somente com lembranças que, não raro, em vez de nos consolarem, multiplicam nossa sensação de perda e de desamparo, a nossa carência afetiva.
Refiro-me, aqui, ao citar separações de pais, filhos e/ou esposa, a lares equilibrados e harmoniosos em que reinem o respeito e o amor mútuos. Há aqueles (que sequer podem receber esse honrado nome) que são autênticas sucursais do inferno, cuja saída se constitui em libertação e, portanto, em alívio. Desses, deixo para tratar em outra ocasião.
Sempre chega, em nossa vida, o momento de cortarmos, pela segunda vez, o cordão umbilical, que nos liga a nossos pais (a primeira, óbvio, é na maternidade, em nosso nascimento). Em alguns casos, isso tarda muito a acontecer, em outros, é precoce, rápido e fulminante.
Muitos adolescentes, naquela fase típica, tão nossa conhecida, pela qual todos passamos algum dia, a da rebeldia sem causa, entendem que, saindo de casa, estarão manifestando seu senso de independência, embora não estejam preparados para esse exercício. Quebram a cara, evidentemente! Alguns, têm a humildade do retorno. Outros, sofrem o diabo, mas não dão o braço a torcer.
Temos um terceiro momento de corte do cordão umbilical, mas desta vez é o que nos liga à prole que geramos. E essa separação, convenhamos, não dói menos do que as duas anteriores. Não raro, a dor é até maior. Cansamo-nos de ouvir (e de afirmar) que os filhos não são propriedades nossas (não são mesmo) e que os geramos não para o nosso deleite e proveito, mas para o mundo (e é de fato). Contudo, quando chega o momento de mostrar isso na prática... É um Deus nos acuda!
Ainda quando os filhos saem de casa para uma condição melhor – ou porque lhes surgiu alguma oportunidade profissional imperdível, ou porque fizeram um casamento feliz e por amor ou por outra circunstância favorável qualquer – não nos sentimos tão mal.
Contudo, mesmo que não confessemos a ninguém, isso, sem dúvida nenhuma, dói. Não são raras as vezes em que (se não dizemos, pelo menos pensamos assim) achamos que os filhos nunca deveriam crescer. Deveriam permanecer, para sempre, com aquela idade entre os seis e sete anos, em que mais do que pessoas de carne e osso, são “ pura poesia ambulante”. Mas crescem. E lá um belo dia, chega o momento de “baterem asas” do ninho.
Para nós, porém, seu status nunca muda. Quando nos referimos aos filhos, até inconscientemente, chamamo-los, invariavelmente, de “minhas crianças”, mesmo que tenham cinqüenta anos ou mais nas costas e numerosa prole. Quem já não se pilhou dizendo isso? É uma atitude para lá de normal. Eu digo isso a todo o momento, para a esposa, para os amigos, para os conhecidos etc.
Não raro, os filhos, quando casam, passam a morar na mesma cidade, às vezes no mesmo bairro, quando não na mesma rua que nós. No princípio, nos visitam praticamente todos os dias. Com o tempo, todavia, essas visitas vão se espaçando, se espaçando, se espaçando, tornando-se crescentemente menos constantes, até que se limitam, apenas, ao nosso aniversário, aos Dias das Mães e dos Pais, à Páscoa e ao Natal, quando muito. Isso quando não cessam de vez e não se tornam anuais ou até de décadas.
Restam-nos, então, somente uma multidão de lembranças – a primeira vez que cada um se sentou sozinho, as primeiras engatinhadas, os primeiros passos, as primeiras palavras balbuciadas e vai por aí afora – e a dor da separação, que fica latejando, latejando e latejando em nosso peito e em nossa memória, sem nunca cessar. Como se vê, amar é muito bom... mas dói como quê!
Tuesday, April 21, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Apesar de acharmos que já conhecemos muito, nosso conhecimento é irrisório diante do tanto de desconhecido que há. Teríamos que viver a eternidade para termos um conhecimento minimamente razoável e, mesmo assim, ainda teríamos muitíssimo a aprender. O que poderíamos conhecer, por mais privilegiado que seja o nosso cérebro e por maior capacidade que tenha de apreensão, em apenas 70, 80, 90 ou até cem anos de vida? Pouco, muito pouco, pouquíssimo. E ainda assim, muitos se arrogam a sábios e acham que sabem tudo o que há para saber. Quem age assim descamba para o ridículo e sequer se dá conta. A escritora norte-americana Flannery O’Connor – que foi considerada, enquanto viveu (morreu em 1964) uma das mais importantes vozes da literatura do seu país e que chegou a ser comparada ao russo Anton Chekov – escreveu, em seu livro “Mistery and manners”: “Somente tendo confiança em nossas crenças é que podemos perceber o lado cômico do universo”.
Desperdício de talentos
Pedro J. Bondaczuk
O Brasil (infelizmente) tem como uma das suas características o desperdício. Não digo que seja o único e nem o mais perdulário. Mas os outros países não me importam (não muito, pelo menos), pois entendo que cada povo deva resolver seus próprios problemas. Os nossos, portanto, cabe apenas a nós resolvermos. Não se trata de nenhum ufanismo delirante e idiota e muito menos de estúpida alienação, mas de ser-se prático e objetivo.
O Brasil desperdiça de tudo: recursos naturais, como florestas, águas e minérios; alimentos, enquanto muitos ainda passam fome nesta terra em que, conforme constatou, há mais de 500 anos Pero Vaz Caminha, “em se plantando, tudo dá”; vidas, sonhos e talentos. Fosse tudo isso devidamente aproveitado, seríamos, sem favor algum, não apenas super, porém hiper-potência mundial. É pura questão de lógica. Mas não somos (ainda).
A formação do povo brasileiro implicou em horrendos genocídios, de fazer inveja ao vílimo Pol Pot, no Camboja, e aos paranóicos e criminosos asseclas de Adolf Hitler com sua “solução final”, o apocalíptico Holocausto de 6 milhões de judeus. E não se trata de exagero. Foi um processo perverso, maligno, canibalesco, posto que aleatório, sem planejamentos prévios.
O antropólogo, etnólogo, educador, escritor e político Darcy Ribeiro (um dos homens mais lúcidos e brilhantes que este país já produziu e um dos mais perseguidos pelos que fizeram de tudo para que não seguíssemos nossos próprios destinos, mas ficássemos a reboque, perpetuamente, dos Estados Unidos), classificou, em seu livro “O povo brasileiro – a fundação e o sentido do Brasil”, o sistema, que agiu de forma tão sanguinária e brutal, de “máquina de moer carne”. E moeu muita!
Sua estimativa (bastante conservadora) é que, entre índios e negros trazidos da África, dez milhões de pessoas foram massacradas de 1500 a 1888! Esta terra generosa, que nos abriga e alimenta, portanto, foi regada (literalmente) com sangue, muito sangue de pessoas inocentes e indefesas. O País desperdiçou (e infelizmente ainda desperdiça) um bem tão precioso que sequer tem preço: vidas!
Mas não é a esse desperdício que me refiro hoje, nestas nossas descompromissadas reflexões. Trago à baila um infinitamente mais brando, porém nem por isso menos lamentável: o desperdício de talentos. Trata-se da morte dos sonhos de milhares, provavelmente milhões de escritores em potencial, que deixaram de ilustrar e engrandecer a Literatura Brasileira por absoluta falta de oportunidades. Exagero meu? Creiam-me, não é.
Atentem para o que escreveu a respeito a pesquisadora Maria Célia Rua de Almeida Paulillo, em seu excelente livro “Tradição e Modernidade: Afonso Schmidt e a literatura paulista (106-1928)” (Coleção Selo Universidade): “Publicar um livro no Brasil do começo do século XX era uma realidade inacessível aos escritores novos e sem recursos. As editoras eram poucas, geralmente grandes empresas como a Francisco Alves, a Garnier e sua atividade concentrava-se na publicação de livros didáticos e obras sobre a legislação brasileira”.
O leitor dirá: “Grande coisa, hoje não é muito diferente!”. Embora seja uma absurda corrida de obstáculos, porém, hoje as oportunidades para novos talentos são infinitamente maiores do que naquele tempo. Até porque, eles têm, ao seu dispor, o precioso recurso do livro eletrônico, possível de ser veiculado, divulgado e até vendido internet afora.
Maria Célia prossegue: “No campo da literatura, (as editoras) ocupavam-se apenas de autores consagrados, lançando poucos títulos, com tiragens que não ultrapassavam 500, 600 exemplares. A indústria editorial era tão incipiente que o produto importado dominava o comércio: em primeiro lugar vinha o livro francês, seguido pelo português, que aqui encontrou um mercado favorável a ponto de os editores portugueses incluírem autores brasileiros em suas publicações”.
Por tudo isso, chega a ser um milagre o fato da Literatura Brasileira ter produzido escritores geniais como Machado de Assis, Olavo Bilac, João Cruz e Sousa, José de Alencar e tantos e tantos e tantos nomes hoje consagrados. Eram, todavia, os melhores do seu tempo? Talvez nem fossem. Foram, pelo menos, os que tiveram oportunidade de publicar seus livros. E quantos não tiveram? Milhares, quem sabe milhões.
Volta e meia caem-me, nas mãos, originais manuscritos, de romancistas de primeiríssima linha, de poetas de um talento mágico, de extraordinários contistas do início do século XX – com o papel quase se desmanchando nas mãos de tão velho – que nunca puderam mostrar seus escritos ao público a que se destinava, a não ser nos restritíssimos círculos familiares. Escaparam da destruição por milagre. Mas permanecerão inéditos “ad aeternum”, porque as editoras atuais também têm um pé atrás em relação a escritores não consagrados.
E quem tinha acesso às editoras – e mesmo assim, para lançar incipientes edições de, no máximo, 600 exemplares? Monteiro Lobato, um dos mais ousados e honestos editores que este País já produziu (além dos seus reconhecidos e justamente louvados méritos de escritor), nos informa (em carta ao amigo Godofredo Rangel) quais eram esses privilegiados: “Naquele tempo, para alguém editar um livro, tinha que possuir uma destas qualidades: ser rico, ter prestígio junto a um medalhão, ou ser filho de pai ilustre”.
Quantos se enquadravam em alguma dessas categorias? Poucos, pouquíssimos, diria que meia dúzia de gatos pingados. E a maioria que teve seus livros editados, com base nesses pífios e medíocres critérios, caiu (como indica a lógica que deveria cair) no absoluto ostracismo, assim como os verdadeiros talentos, que sequer puderam passar nos arredores das raríssimas editoras nacionais então existentes. Somos ou não somos, pois, a grande pátria do desperdício?!
O Brasil (infelizmente) tem como uma das suas características o desperdício. Não digo que seja o único e nem o mais perdulário. Mas os outros países não me importam (não muito, pelo menos), pois entendo que cada povo deva resolver seus próprios problemas. Os nossos, portanto, cabe apenas a nós resolvermos. Não se trata de nenhum ufanismo delirante e idiota e muito menos de estúpida alienação, mas de ser-se prático e objetivo.
O Brasil desperdiça de tudo: recursos naturais, como florestas, águas e minérios; alimentos, enquanto muitos ainda passam fome nesta terra em que, conforme constatou, há mais de 500 anos Pero Vaz Caminha, “em se plantando, tudo dá”; vidas, sonhos e talentos. Fosse tudo isso devidamente aproveitado, seríamos, sem favor algum, não apenas super, porém hiper-potência mundial. É pura questão de lógica. Mas não somos (ainda).
A formação do povo brasileiro implicou em horrendos genocídios, de fazer inveja ao vílimo Pol Pot, no Camboja, e aos paranóicos e criminosos asseclas de Adolf Hitler com sua “solução final”, o apocalíptico Holocausto de 6 milhões de judeus. E não se trata de exagero. Foi um processo perverso, maligno, canibalesco, posto que aleatório, sem planejamentos prévios.
O antropólogo, etnólogo, educador, escritor e político Darcy Ribeiro (um dos homens mais lúcidos e brilhantes que este país já produziu e um dos mais perseguidos pelos que fizeram de tudo para que não seguíssemos nossos próprios destinos, mas ficássemos a reboque, perpetuamente, dos Estados Unidos), classificou, em seu livro “O povo brasileiro – a fundação e o sentido do Brasil”, o sistema, que agiu de forma tão sanguinária e brutal, de “máquina de moer carne”. E moeu muita!
Sua estimativa (bastante conservadora) é que, entre índios e negros trazidos da África, dez milhões de pessoas foram massacradas de 1500 a 1888! Esta terra generosa, que nos abriga e alimenta, portanto, foi regada (literalmente) com sangue, muito sangue de pessoas inocentes e indefesas. O País desperdiçou (e infelizmente ainda desperdiça) um bem tão precioso que sequer tem preço: vidas!
Mas não é a esse desperdício que me refiro hoje, nestas nossas descompromissadas reflexões. Trago à baila um infinitamente mais brando, porém nem por isso menos lamentável: o desperdício de talentos. Trata-se da morte dos sonhos de milhares, provavelmente milhões de escritores em potencial, que deixaram de ilustrar e engrandecer a Literatura Brasileira por absoluta falta de oportunidades. Exagero meu? Creiam-me, não é.
Atentem para o que escreveu a respeito a pesquisadora Maria Célia Rua de Almeida Paulillo, em seu excelente livro “Tradição e Modernidade: Afonso Schmidt e a literatura paulista (106-1928)” (Coleção Selo Universidade): “Publicar um livro no Brasil do começo do século XX era uma realidade inacessível aos escritores novos e sem recursos. As editoras eram poucas, geralmente grandes empresas como a Francisco Alves, a Garnier e sua atividade concentrava-se na publicação de livros didáticos e obras sobre a legislação brasileira”.
O leitor dirá: “Grande coisa, hoje não é muito diferente!”. Embora seja uma absurda corrida de obstáculos, porém, hoje as oportunidades para novos talentos são infinitamente maiores do que naquele tempo. Até porque, eles têm, ao seu dispor, o precioso recurso do livro eletrônico, possível de ser veiculado, divulgado e até vendido internet afora.
Maria Célia prossegue: “No campo da literatura, (as editoras) ocupavam-se apenas de autores consagrados, lançando poucos títulos, com tiragens que não ultrapassavam 500, 600 exemplares. A indústria editorial era tão incipiente que o produto importado dominava o comércio: em primeiro lugar vinha o livro francês, seguido pelo português, que aqui encontrou um mercado favorável a ponto de os editores portugueses incluírem autores brasileiros em suas publicações”.
Por tudo isso, chega a ser um milagre o fato da Literatura Brasileira ter produzido escritores geniais como Machado de Assis, Olavo Bilac, João Cruz e Sousa, José de Alencar e tantos e tantos e tantos nomes hoje consagrados. Eram, todavia, os melhores do seu tempo? Talvez nem fossem. Foram, pelo menos, os que tiveram oportunidade de publicar seus livros. E quantos não tiveram? Milhares, quem sabe milhões.
Volta e meia caem-me, nas mãos, originais manuscritos, de romancistas de primeiríssima linha, de poetas de um talento mágico, de extraordinários contistas do início do século XX – com o papel quase se desmanchando nas mãos de tão velho – que nunca puderam mostrar seus escritos ao público a que se destinava, a não ser nos restritíssimos círculos familiares. Escaparam da destruição por milagre. Mas permanecerão inéditos “ad aeternum”, porque as editoras atuais também têm um pé atrás em relação a escritores não consagrados.
E quem tinha acesso às editoras – e mesmo assim, para lançar incipientes edições de, no máximo, 600 exemplares? Monteiro Lobato, um dos mais ousados e honestos editores que este País já produziu (além dos seus reconhecidos e justamente louvados méritos de escritor), nos informa (em carta ao amigo Godofredo Rangel) quais eram esses privilegiados: “Naquele tempo, para alguém editar um livro, tinha que possuir uma destas qualidades: ser rico, ter prestígio junto a um medalhão, ou ser filho de pai ilustre”.
Quantos se enquadravam em alguma dessas categorias? Poucos, pouquíssimos, diria que meia dúzia de gatos pingados. E a maioria que teve seus livros editados, com base nesses pífios e medíocres critérios, caiu (como indica a lógica que deveria cair) no absoluto ostracismo, assim como os verdadeiros talentos, que sequer puderam passar nos arredores das raríssimas editoras nacionais então existentes. Somos ou não somos, pois, a grande pátria do desperdício?!
Monday, April 20, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Embora a arte seja subjetiva e a ciência se caracterize pela objetividade, muitos cientistas exerceram, simultaneamente, a função de pesquisadores científicos e de escritores. Isaac Asimov foi um deles. Carl Sagan foi outro. E até Albert Einstein, o criador da Teoria da Relatividade, aventurou-se no campo das letras. Escreveu o memorável e precioso livro, “Como vejo o mundo”, em que demonstrou inegável talento de escritor. Paulo Mendes Campos escreveu, a respeito dessas duas disciplinas, na crônica “Palavras e frases”: “Ciência: brinquedo dos homens graves; arte: ciência dos homens crianças”. Concordo com o escritor mineiro, mas somente em parte. Ele dá a entender que essas duas formas de expressão do espírito são excludentes. Não são. São complementares. Prefiro a observação feita pelo filósofo norte-americano Will Durant, em seu clássico “Filosofia da Vida”, em que constata: “Arte sem ciência é pobreza, mas ciência sem arte é barbárie”.
Reinvenção noutra pessoa
Pedro J. Bondaczuk
A vida é uma escola, na qual nos matriculamos tão logo nascemos e em que nunca chegamos a nos diplomar. Partimos – não sei quando, para não sei onde – com uma infinidade de dúvidas, de incertezas e de contradições, enfim, de lições a aprender. Alguns, aprendem os princípios básicos da felicidade e da alegria com maior rapidez. Vivem sem grandes traumas e sem sofrimentos que sejam evitáveis. A maioria é.
Outros tantos (diria quase todos) trocam os pés pelas mãos, confundem e complicam as coisas mais simples, e não conseguem sair do lugar, quando não retrocedem. Encaram o mundo com desconfiança, reservas e hostilidade. Tardam a aprender, ou não aprendem nunca, os princípios básicos da felicidade e da alegria. E se dão mal. Conquistam, sem esforço, a “carteirinha” do clube dos infelizes renitentes, que conta com bilhões de associados mundo e tempo afora..
A principal lição que nos compete aprender na escola da vida é a arte de amar. A princípio, vista de fora, parece simples e óbvia e até rimos das trapalhadas dos que vivem experiências amorosas que não conseguem sustentar por muito tempo. Achamos que se estivéssemos em seu lugar, faríamos isso e mais aquilo, e deixaríamos de fazer aquiloutro e aquiloutro. Mas quando chega a nossa vez...
Ninguém é mestre na arte do amor. Somos todos aprendizes, uns mais aplicados e serenos, outros mais relapsos e afoitos. Alguns, sentem-se e agem como proprietários da pessoa amada e se arrogam no direito de ditar-lhe regras, comportamentos, gostos etc. Não passam de trapalhões. Subitamente, ocorre a conseqüência lógica dessa insânia: a perda. Não raro isso acontece num cenário não apenas de drama, mas via de regra, até de tragédia.
Já afirmei, inúmeras vezes, que gosto de ler e de escrever sobre o amor, embora me enquadrando na categoria dos amantes que pouco entendem dessa arte, useiro e vezeiro em perpetrar monumentais trapalhadas. Às vezes, deixo o tema de lado, convicto de não ter nada de proveitoso ou de minimamente inteligente a dizer a propósito. Todavia, sou instado, convocado, compelido, coagido até, pelos tantos que me honram com sua leitura, a voltar ao assunto. Talvez eles aprendam algumas coisas com as minhas trapalhadas. Ou, quem sabe, se divirtam com as bobagens que cometo.
Foram inúmeras as ocasiões em que me pediram definições sobre o amor. Tentei, tentei, tentei, mas nenhuma das que elaborei me convenceu. Senti-as retóricas, bombásticas, exageradas, despidas de conteúdo, enfeitadas demais, que mais lembravam uma caricatura (quando não a maquiagem propositalmente carregada de um palhaço) do que a competente arrumação de bom-gosto de alguma bela e grande dama. Fui, portanto, buscá-las alhures, em poetas e escritores tidos e havidos como competentes retratistas desse maiúsculo sentimento.
Uma das definições mais pitorescas que já li sobre o amor, é a que o classifica como uma espécie de “reinvenção” de nós mesmos. Ponderei a respeito e concordei, a priori, com ela. Passamos, mesmo, a vida “inventando” um personagem original e único, com gostos, vontades, emoções e experiências característicos.
Subitamente, lá um certo dia, encontramos alguém que nos faz mudar os rumos e põe nossos sentimentos e pensamentos de pernas para o ar. Transforma-nos, sem que nos apercebamos, num outro alguém. Assumimos outros gostos e vontades que não os que tínhamos antes de nos apaixonarmos.
Passamos a viver, simultaneamente, duas vidas (e tendemos a gerar uma terceira), pensando e sentindo como a pessoa que amamos. Quem definiu o amor dessa forma foi a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, que escreveu: “Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?”
Essa “reinvenção”, porém, tem que ser espontânea. Esse nosso desejo, e mais do que isso, compulsão por nos identificarmos com a pessoa amada, tem que partir do íntimo, até sem que nos apercebamos. Caso contrário... voltaremos àquela história de algum dos parceiros sentir-se e agir como “proprietário” do outro. Aí... todos sabemos, ora por experiência própria, ora por observação dos outros, que a coisa não funciona. Desemboca em dramalhões lacrimosos, quando não em sangrentas tragédias.
O amor, ah o amor! Quão delicioso é e quantas complicações nos traz! Creio que um dos segredos para durar, enquanto nós também durarmos, é jamais nutrirmos o sentimento de “posse” da pessoa amada (mesmo que a possuirmos, física, afetiva e espiritualmente). É manter sempre acesa a chama do desejo. É querer sempre mais, e mais e mais da parceira que nos atrai. Porquanto, como o escritor português Casimiro Brito lembra, com muita pertinência: “Apodrece na posse o que floresce no desejo”. E, cá para nós, ninguém quer manter consigo algo podre, mesmo que se trate, apenas, de um sentimento.
A vida é uma escola, na qual nos matriculamos tão logo nascemos e em que nunca chegamos a nos diplomar. Partimos – não sei quando, para não sei onde – com uma infinidade de dúvidas, de incertezas e de contradições, enfim, de lições a aprender. Alguns, aprendem os princípios básicos da felicidade e da alegria com maior rapidez. Vivem sem grandes traumas e sem sofrimentos que sejam evitáveis. A maioria é.
Outros tantos (diria quase todos) trocam os pés pelas mãos, confundem e complicam as coisas mais simples, e não conseguem sair do lugar, quando não retrocedem. Encaram o mundo com desconfiança, reservas e hostilidade. Tardam a aprender, ou não aprendem nunca, os princípios básicos da felicidade e da alegria. E se dão mal. Conquistam, sem esforço, a “carteirinha” do clube dos infelizes renitentes, que conta com bilhões de associados mundo e tempo afora..
A principal lição que nos compete aprender na escola da vida é a arte de amar. A princípio, vista de fora, parece simples e óbvia e até rimos das trapalhadas dos que vivem experiências amorosas que não conseguem sustentar por muito tempo. Achamos que se estivéssemos em seu lugar, faríamos isso e mais aquilo, e deixaríamos de fazer aquiloutro e aquiloutro. Mas quando chega a nossa vez...
Ninguém é mestre na arte do amor. Somos todos aprendizes, uns mais aplicados e serenos, outros mais relapsos e afoitos. Alguns, sentem-se e agem como proprietários da pessoa amada e se arrogam no direito de ditar-lhe regras, comportamentos, gostos etc. Não passam de trapalhões. Subitamente, ocorre a conseqüência lógica dessa insânia: a perda. Não raro isso acontece num cenário não apenas de drama, mas via de regra, até de tragédia.
Já afirmei, inúmeras vezes, que gosto de ler e de escrever sobre o amor, embora me enquadrando na categoria dos amantes que pouco entendem dessa arte, useiro e vezeiro em perpetrar monumentais trapalhadas. Às vezes, deixo o tema de lado, convicto de não ter nada de proveitoso ou de minimamente inteligente a dizer a propósito. Todavia, sou instado, convocado, compelido, coagido até, pelos tantos que me honram com sua leitura, a voltar ao assunto. Talvez eles aprendam algumas coisas com as minhas trapalhadas. Ou, quem sabe, se divirtam com as bobagens que cometo.
Foram inúmeras as ocasiões em que me pediram definições sobre o amor. Tentei, tentei, tentei, mas nenhuma das que elaborei me convenceu. Senti-as retóricas, bombásticas, exageradas, despidas de conteúdo, enfeitadas demais, que mais lembravam uma caricatura (quando não a maquiagem propositalmente carregada de um palhaço) do que a competente arrumação de bom-gosto de alguma bela e grande dama. Fui, portanto, buscá-las alhures, em poetas e escritores tidos e havidos como competentes retratistas desse maiúsculo sentimento.
Uma das definições mais pitorescas que já li sobre o amor, é a que o classifica como uma espécie de “reinvenção” de nós mesmos. Ponderei a respeito e concordei, a priori, com ela. Passamos, mesmo, a vida “inventando” um personagem original e único, com gostos, vontades, emoções e experiências característicos.
Subitamente, lá um certo dia, encontramos alguém que nos faz mudar os rumos e põe nossos sentimentos e pensamentos de pernas para o ar. Transforma-nos, sem que nos apercebamos, num outro alguém. Assumimos outros gostos e vontades que não os que tínhamos antes de nos apaixonarmos.
Passamos a viver, simultaneamente, duas vidas (e tendemos a gerar uma terceira), pensando e sentindo como a pessoa que amamos. Quem definiu o amor dessa forma foi a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, que escreveu: “Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?”
Essa “reinvenção”, porém, tem que ser espontânea. Esse nosso desejo, e mais do que isso, compulsão por nos identificarmos com a pessoa amada, tem que partir do íntimo, até sem que nos apercebamos. Caso contrário... voltaremos àquela história de algum dos parceiros sentir-se e agir como “proprietário” do outro. Aí... todos sabemos, ora por experiência própria, ora por observação dos outros, que a coisa não funciona. Desemboca em dramalhões lacrimosos, quando não em sangrentas tragédias.
O amor, ah o amor! Quão delicioso é e quantas complicações nos traz! Creio que um dos segredos para durar, enquanto nós também durarmos, é jamais nutrirmos o sentimento de “posse” da pessoa amada (mesmo que a possuirmos, física, afetiva e espiritualmente). É manter sempre acesa a chama do desejo. É querer sempre mais, e mais e mais da parceira que nos atrai. Porquanto, como o escritor português Casimiro Brito lembra, com muita pertinência: “Apodrece na posse o que floresce no desejo”. E, cá para nós, ninguém quer manter consigo algo podre, mesmo que se trate, apenas, de um sentimento.
Sunday, April 19, 2009
REFLEXÃO DO DIA
O escritor (e, ademais, qualquer artista ou profissional) precisa ser organizado, se quiser escrever algo que realmente seja valioso e o sobreviva. As idéias que expõe precisam, por exemplo, ter começo, meio e fim, para serem coerentes e, portanto, inteligíveis. Várias não têm. Muitos talentos são desperdiçados por falta de organização. Esse deve ser o ponto de partida para os que se sintam vocacionados para a atividade e pretendam escrever algo que preste. Theodore Adorno constatou a propósito: “O escritor organiza-se no seu texto como em sua casa. Comporta-se nos seus pensamentos como faz com seus papéis, livros, lápis, tapetes, que leva de um quarto para o outro, produzindo uma certa desordem. Para ele, tornam-se peças de mobiliário em que se acomoda, com gosto ou desprazer. Acaricia-os com delicadeza, serve-se deles, revira-os, muda-os de lugar, desfá-los”. Só o talento não basta para garantir o sucesso de quem quer que seja.
DIRETO DO ARQUIVO
Homens precisam ser educados para a paz
Pedro J. Bondaczuk
O sepultamento do imperador Hirohito, do Japão, que vai ocorrer na sexta-feira próxima, em Tóquio, reunindo representantes de 160 países, incluindo diversos chefes de Estado e de governo, como os presidentes George Bush e José Sarney e o rei Hussein da Jordânia, entre outros, traz à tona, além de amargas recordações de um passado não muito distante, algumas reflexões sobre a realidade de nossos tempos.
O velho monarca, que um dia já foi considerado uma divindade viva pelos japoneses e que morreu de câncer intestinal em 7 de janeiro deste ano, foi o último grande líder da Segunda Guerra Mundial a desaparecer. Nos derradeiros dias, mesmo passados 44 anos desse terrível conflito, foram extravasados muitos ressentimentos contra esse ocupante do trono do Crisântemo, de 2.500 anos de duração.
Britânicos, neozelandeses, australianos, coreanos e outros povos entendem que seus governos não deveriam enviar representantes aos funerais de um dos responsáveis pelas maiores atrocidades cometidas durante a guerra, finda há quase meio século.
Como se vê, o pior das conflagrações acabam sendo as seqüelas que elas deixam. São necessárias várias gerações para que rancores, ressentimentos e mágoas sejam esquecidos. E às vezes eles nunca são. Daí a inutilidade do recurso à violência para a solução de controvérsias. Inutilidade e rematada estupidez.
Todos sabem disso, mas, mesmo assim, novos conflitos estão sendo fermentados aqui, ali e alhures, por razões que os próprios fermentadores não sabem explicar racionalmente. Os homens têm que ser educados para a paz. Bem dizia, a esse propósito, o escritor inglês H. G. Wells, ao observar: “A história da humanidade é uma competição entre a educação e a catástrofe”.
Um outro estadista, não recordamos agora qual, costumava dizer que a guerra é que é a rotina entre os povos. Que a paz não passa de um breve hiato entre dois conflitos. Quem toma em suas mãos um compêndio de história conclui que, embora essa afirmação seja um tanto cínica, não é mais do que a exata expressão da realidade.
Outra reflexão que o sepultamento de Hirohito enseja é sobre a insegurança reinante em nosso planeta na atualidade. Cerca de 30 mil policiais japoneses foram destacados para a proteção das personalidades presentes em Tóquio. E isto ainda é pouco, num mundo em que o decreto emitido por um patriarca no Golfo Pérsico, contra um escritor, faz tremer na base todas as potências. Em que um cidadão pode ser estraçalhado por uma bomba durante uma simples viagem de negócio, sem motivo ou razão. Ou pode morrer estupidamente, vítima de uma explosão, num passeio despreocupado por alguma rua qualquer de uma grande metrópole.
Por isso, é impossível de deixar de dar razão ao escritor Érico Veríssimo, que escreveu, no sei livro “Saga”: “O homem nem sempre é mau. A humanidade quase sempre o é”.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de fevereiro de 1989).
Pedro J. Bondaczuk
O sepultamento do imperador Hirohito, do Japão, que vai ocorrer na sexta-feira próxima, em Tóquio, reunindo representantes de 160 países, incluindo diversos chefes de Estado e de governo, como os presidentes George Bush e José Sarney e o rei Hussein da Jordânia, entre outros, traz à tona, além de amargas recordações de um passado não muito distante, algumas reflexões sobre a realidade de nossos tempos.
O velho monarca, que um dia já foi considerado uma divindade viva pelos japoneses e que morreu de câncer intestinal em 7 de janeiro deste ano, foi o último grande líder da Segunda Guerra Mundial a desaparecer. Nos derradeiros dias, mesmo passados 44 anos desse terrível conflito, foram extravasados muitos ressentimentos contra esse ocupante do trono do Crisântemo, de 2.500 anos de duração.
Britânicos, neozelandeses, australianos, coreanos e outros povos entendem que seus governos não deveriam enviar representantes aos funerais de um dos responsáveis pelas maiores atrocidades cometidas durante a guerra, finda há quase meio século.
Como se vê, o pior das conflagrações acabam sendo as seqüelas que elas deixam. São necessárias várias gerações para que rancores, ressentimentos e mágoas sejam esquecidos. E às vezes eles nunca são. Daí a inutilidade do recurso à violência para a solução de controvérsias. Inutilidade e rematada estupidez.
Todos sabem disso, mas, mesmo assim, novos conflitos estão sendo fermentados aqui, ali e alhures, por razões que os próprios fermentadores não sabem explicar racionalmente. Os homens têm que ser educados para a paz. Bem dizia, a esse propósito, o escritor inglês H. G. Wells, ao observar: “A história da humanidade é uma competição entre a educação e a catástrofe”.
Um outro estadista, não recordamos agora qual, costumava dizer que a guerra é que é a rotina entre os povos. Que a paz não passa de um breve hiato entre dois conflitos. Quem toma em suas mãos um compêndio de história conclui que, embora essa afirmação seja um tanto cínica, não é mais do que a exata expressão da realidade.
Outra reflexão que o sepultamento de Hirohito enseja é sobre a insegurança reinante em nosso planeta na atualidade. Cerca de 30 mil policiais japoneses foram destacados para a proteção das personalidades presentes em Tóquio. E isto ainda é pouco, num mundo em que o decreto emitido por um patriarca no Golfo Pérsico, contra um escritor, faz tremer na base todas as potências. Em que um cidadão pode ser estraçalhado por uma bomba durante uma simples viagem de negócio, sem motivo ou razão. Ou pode morrer estupidamente, vítima de uma explosão, num passeio despreocupado por alguma rua qualquer de uma grande metrópole.
Por isso, é impossível de deixar de dar razão ao escritor Érico Veríssimo, que escreveu, no sei livro “Saga”: “O homem nem sempre é mau. A humanidade quase sempre o é”.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de fevereiro de 1989).
Saturday, April 18, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Artistas magníficos, de um passado remoto, legaram-nos obras fundamentais, como a “Ilíada” e a “Odisséia”, de Homero; a “Eneida”, de Virgílio, a “Ramaiana” e “Mahabarata”, dos hindus, e tantos outros poemas épicos e esculturas, arquitetura etc. que sobreviveram ao tempo e ao esquecimento. São, portanto, quase que literalmente, “vozes de além-túmulo”. E tudo isso foi criado pelo talento de homens como nós, mas solitários, e que não contavam com os conhecimentos, os meios de locomoção e de comunicação e o conforto que nos são proporcionados pela evolução da tecnologia. André Malraux constatou, a respeito: “A voz do artista tira sua força do fato de nascer de uma solidão que chama o universo para lhe impor o acento humano. E nas grandes artes do passado, sobrevive para nós a invencível voz interior das civilizações desaparecidas. Mas essa voz, sobrevivente e não imortal, eleva seu cântico sagrado sobre a incessante orquestra da morte”. E não é verdade?!
Soneto à doce amada - XVII
Pedro J. Bondaczuk
Estou triste, pois não gosto de mim...
Construí castelos de fantasia
e vi ruírem, no meu dia a dia,
os sonhos azuis, que tiveram fim.
Olho o seu retrato. Sobe-me ao peito
uma ânsia indefinida, o desespero
enorme, atro, talhado com esmero
de ser só. Mas, embora contrafeito,
amargurado, com a alma ferida
e os olhos rasos de água, a brotar
flores cristalinas de angústia e dor,
cubro de beijos sua face querida
e, saudoso, me ponho a murmurar
ao seu retrato: não me deixe, amor!
(Soneto composto em Campinas, em 13 de dezembro de 1967).
Estou triste, pois não gosto de mim...
Construí castelos de fantasia
e vi ruírem, no meu dia a dia,
os sonhos azuis, que tiveram fim.
Olho o seu retrato. Sobe-me ao peito
uma ânsia indefinida, o desespero
enorme, atro, talhado com esmero
de ser só. Mas, embora contrafeito,
amargurado, com a alma ferida
e os olhos rasos de água, a brotar
flores cristalinas de angústia e dor,
cubro de beijos sua face querida
e, saudoso, me ponho a murmurar
ao seu retrato: não me deixe, amor!
(Soneto composto em Campinas, em 13 de dezembro de 1967).
Friday, April 17, 2009
REFLEXÃO DO DIA
A genialidade e o talento não bastam para fazer uma pessoa vencer na atividade que escolheu. É indispensável que ela os exercite. E quanto antes começar a se preparar, mais cedo conseguirá fazer aquilo a que se propôs. O sucesso nunca acontece por acaso. O editor da revista “Skeptyc”, Michael Shermer, fez as seguintes observações a respeito: “Essa é a questão das 10 mil horas. O que é preciso para ser um gênio criativo e alcançar o topo de sua área? Primeiro de tudo, há uma regra das 10 mil horas mínimas. Se você quer dominar um esporte ou uma habilidade, isso vem com 60 horas por semana durante três anos e meio. Isso é verdade em todas as profissões. Não significa que você vai conseguir. Boa biologia e genes ajudam. Mas olhe Mozart. Ele não surgiu do nada como algumas pessoas pensam. Ele teve o pai e o treinamento e fez as 10 mil horas aos 6 anos”. Então, amigo, mãos à obra. Concentre-se, comece a se exercitar e... boa sorte!!!
O maior parasita
Pedro J. Bondaczuk
Às vezes, encontro mais filosofia e verdade em romances, aos quais nem sempre damos a devida importância (por acharmos que se trata de leitura de mero lazer) do que nas elucubrações cada vez mais neuróticas e confusas dos filósofos contemporâneos, emaranhados nos tantos (e desnecessários) jargões que criaram, para tornar suas obras inacessíveis ao “vulgo” comum.
É o caso, por exemplo, deste trecho do livro “Balada Africana”, do escritor sul-africano Stuart Cloete (a edição que tenho em meu poder é a da Boa Leitura Editora, com tradução de Raul de Polillo) que diz: “O maior de todos os parasitas é o homem que vive de todas as coisas vivas. Das coisas que crescem; das coisas que correm; das coisas que voam; e das coisas que nadam. O homem consome-as todas. Consome os seus próprios semelhantes na guerra; mas não sabe disso. Porque não são apenas os canibais que comem os corpos de homens”. E está errado o romancista sul-africano? Infelizmente, não!
O que são parasitas? A enciclopédia virtual livre Wikipédia dá a seguinte definição: “São organismos que vivem em associação com outros, dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro”. Não quero ensinar Biologia a ninguém, mas lembro que nem sempre os parasitas prejudicam a quem lhes serve para sobreviver. Ou, se (e quando) causarem danos, causam os muito pequenos, quase imperceptíveis. Alguns, contudo, chegam a ser implacáveis e letais, casos de alguns vírus e bactérias patogênicas.
Há “parasitas obrigatórios”, ou seja, os que dependem exclusivamente dos hospedeiros para sobreviver, e os “facultativos”, que praticam o parasitismo por opção, sem que tenham a menor necessidade disso. O homem, contudo, entra, simultaneamente, em ambas classificações. Ou seja, consome seres vivos que correm, voam e nadam (e até os imóveis, no caso, os vegetais) sem os quais não sobreviveria. Mas, ao contrário dos outros parasitas, é o único que explora, suga, debilita e não raro mata os da própria espécie. E, ainda por cima, posa de “civilizado”, racional, nobre e dotado da nobilíssima capacidade da piedade.
Alguns (raros), exercem-na, de fato. Outros... Stuart Cloete observa, também, no citado romance: “Outros homens lhes bebem o suor; bebem-lhes o sangue, que é a vida do homem. E devoram-lhes o tempo – de modo que eles não têm tempo para pensar, que é a função do homem; isto faz com que os homens corram e se esfalfem o dia todo, e o façam também durante a noite – mas nunca tratem de seus próprios assuntos, engajados que estão a serviço e para lucro de outro. E estes são os homens que denominamos civilizados – estes consumidores de homens – e os homens que permitem que os outros os consumam”.
Como se vê, superestimamos as virtudes humanas e por motivos óbvios: fazemos parte da espécie. Estamos, todavia, em um estágio ainda muito primário, primaríssimo de desenvolvimento mental, moral, ético e espiritual. Temos muito, muitíssimo, além da conta, a evoluir para sermos os racionais que nos julgamos e nos autodenominamos. Podemos vir a ser, óbvio. Mas ainda não somos.
Desde tenra idade, quando comecei a compreender o mundo em que vivia e a buscar explicações para tudo o que me cercava, além do meu papel na sociedade, até hoje, quando me aproximo de sete décadas de vida, nunca consegui compreender essa exploração do homem pelo homem. Se todos nascemos da mesma forma, se a totalidade da espécie (sem a mínima exceção) tem o mesmíssimo destino, qual seja, o da inexorável extinção, qual a razão plausível, ou minimamente justificável, para uns explorarem, humilharem, degradarem, escravizarem (ostensiva ou disfarçadamente) e matarem outros?
O homem, somente, poderá ser considerado racional e civilizado quando (ou se) modificar esse comportamento de parasita facultativo para, digamos, o da simbiose. E mais, para um inteligente mutualismo, que é, por definição, “interação de espécies em que ambas se beneficiem”.
A natureza não cansa de nos dar esse tipo de exemplos de convivência mutuamente útil e construtiva. Nós, arrogantes e néscios (mas que nos julgamos tão sábios e prescientes), é que não atentamos a eles. E não buscamos, claro, segui-los.
Na nossa flora intestinal, por exemplo, temos um desses casos em que as bactérias que a integram nos favorecem plenamente, completando, com sucesso, nosso complicado processo de digestão e, em contrapartida, sobrevivem dos restos que nosso organismo, de qualquer forma, iria eliminar. Por isso, por mais que me doa e que afete meu amor próprio, não posso deixar de concordar com Stuart Cloete quando classifica o homem como “o maior, o mais cruel e o mais mesquinho de todos parasitas”.
Às vezes, encontro mais filosofia e verdade em romances, aos quais nem sempre damos a devida importância (por acharmos que se trata de leitura de mero lazer) do que nas elucubrações cada vez mais neuróticas e confusas dos filósofos contemporâneos, emaranhados nos tantos (e desnecessários) jargões que criaram, para tornar suas obras inacessíveis ao “vulgo” comum.
É o caso, por exemplo, deste trecho do livro “Balada Africana”, do escritor sul-africano Stuart Cloete (a edição que tenho em meu poder é a da Boa Leitura Editora, com tradução de Raul de Polillo) que diz: “O maior de todos os parasitas é o homem que vive de todas as coisas vivas. Das coisas que crescem; das coisas que correm; das coisas que voam; e das coisas que nadam. O homem consome-as todas. Consome os seus próprios semelhantes na guerra; mas não sabe disso. Porque não são apenas os canibais que comem os corpos de homens”. E está errado o romancista sul-africano? Infelizmente, não!
O que são parasitas? A enciclopédia virtual livre Wikipédia dá a seguinte definição: “São organismos que vivem em associação com outros, dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro”. Não quero ensinar Biologia a ninguém, mas lembro que nem sempre os parasitas prejudicam a quem lhes serve para sobreviver. Ou, se (e quando) causarem danos, causam os muito pequenos, quase imperceptíveis. Alguns, contudo, chegam a ser implacáveis e letais, casos de alguns vírus e bactérias patogênicas.
Há “parasitas obrigatórios”, ou seja, os que dependem exclusivamente dos hospedeiros para sobreviver, e os “facultativos”, que praticam o parasitismo por opção, sem que tenham a menor necessidade disso. O homem, contudo, entra, simultaneamente, em ambas classificações. Ou seja, consome seres vivos que correm, voam e nadam (e até os imóveis, no caso, os vegetais) sem os quais não sobreviveria. Mas, ao contrário dos outros parasitas, é o único que explora, suga, debilita e não raro mata os da própria espécie. E, ainda por cima, posa de “civilizado”, racional, nobre e dotado da nobilíssima capacidade da piedade.
Alguns (raros), exercem-na, de fato. Outros... Stuart Cloete observa, também, no citado romance: “Outros homens lhes bebem o suor; bebem-lhes o sangue, que é a vida do homem. E devoram-lhes o tempo – de modo que eles não têm tempo para pensar, que é a função do homem; isto faz com que os homens corram e se esfalfem o dia todo, e o façam também durante a noite – mas nunca tratem de seus próprios assuntos, engajados que estão a serviço e para lucro de outro. E estes são os homens que denominamos civilizados – estes consumidores de homens – e os homens que permitem que os outros os consumam”.
Como se vê, superestimamos as virtudes humanas e por motivos óbvios: fazemos parte da espécie. Estamos, todavia, em um estágio ainda muito primário, primaríssimo de desenvolvimento mental, moral, ético e espiritual. Temos muito, muitíssimo, além da conta, a evoluir para sermos os racionais que nos julgamos e nos autodenominamos. Podemos vir a ser, óbvio. Mas ainda não somos.
Desde tenra idade, quando comecei a compreender o mundo em que vivia e a buscar explicações para tudo o que me cercava, além do meu papel na sociedade, até hoje, quando me aproximo de sete décadas de vida, nunca consegui compreender essa exploração do homem pelo homem. Se todos nascemos da mesma forma, se a totalidade da espécie (sem a mínima exceção) tem o mesmíssimo destino, qual seja, o da inexorável extinção, qual a razão plausível, ou minimamente justificável, para uns explorarem, humilharem, degradarem, escravizarem (ostensiva ou disfarçadamente) e matarem outros?
O homem, somente, poderá ser considerado racional e civilizado quando (ou se) modificar esse comportamento de parasita facultativo para, digamos, o da simbiose. E mais, para um inteligente mutualismo, que é, por definição, “interação de espécies em que ambas se beneficiem”.
A natureza não cansa de nos dar esse tipo de exemplos de convivência mutuamente útil e construtiva. Nós, arrogantes e néscios (mas que nos julgamos tão sábios e prescientes), é que não atentamos a eles. E não buscamos, claro, segui-los.
Na nossa flora intestinal, por exemplo, temos um desses casos em que as bactérias que a integram nos favorecem plenamente, completando, com sucesso, nosso complicado processo de digestão e, em contrapartida, sobrevivem dos restos que nosso organismo, de qualquer forma, iria eliminar. Por isso, por mais que me doa e que afete meu amor próprio, não posso deixar de concordar com Stuart Cloete quando classifica o homem como “o maior, o mais cruel e o mais mesquinho de todos parasitas”.
Thursday, April 16, 2009
REFLEXÃO DO DIA
A invenção da escrita possibilitou ao homem preservar idéias, sentimentos e experiências, que puderam ser passados de uma geração a outra. Isso, e apenas isso, permitiu a esse animal tão frágil superar os demais, muito mais fortes do que ele e dominar o planeta. A capacidade de entendimento e o raciocínio foram importantes, sem dúvida. Mas sem a escrita, o homem não teria como se desenvolver. As experiências de uma geração não poderiam ser transmitidas às que lhe sucedessem com eficácia. Seriam, na maior parte, perdidas e o processo de aprendizado teria que recomeçar quase do zero. Foi a escrita que possibilitou o desenvolvimento das artes e da ciência. André Malraux constata a propósito: “Cada uma das obras-primas é uma purificação do mundo. Mas sua lição comum é a da sua existência. E à vitória de cada artista sobre sua servidão reúne-se, num imenso desdobramento, a da arte sobre o destino da humanidade. A arte é um anti-destino”.
Lições de humanidade
Pedro J. Bondaczuk
Os caminhos do sucesso e da felicidade são, via de regra, ásperos e acidentados, e nunca teremos a certeza de que nossos esforços para alcançá-los não serão vãos. Todavia, se não tentarmos, se não buscarmos nossos objetivos com inteligência, vontade, competência e determinação, de uma coisa poderemos estar certos: o fracasso será fatal e inevitável.
O escritor Graham Greene escreveu, no livro “O Poder e a Glória” (metaforicamente é claro), “que o caminho do céu é através do inferno”. Ou seja, só chegaremos à nossa meta enfrentando os obstáculos naturais inerentes à nossa condição humana e à realidade do mundo.
Não podemos esperar, pois, que o mal e o erro não nos afetem. Vão afetar. Depende, porém, do quanto. E, principalmente, da forma que reagirmos. Mesmo inevitáveis, nem por isso devemos nos submeter a eles, mas combatê-los com todas as nossas forças. O caminho da omissão, a pretexto de que somos pequenos e insignificantes demais para mudar a terrível realidade que nos cerca, é o mais equivocado, pífio e covarde que se possa escolher.
Conheci, há cinqüenta anos, uma pessoa que me inspira e sacode até hoje, todas as vezes em que me sinto tentado a abrir mão do empenho na busca do meu ideal de solidariedade, fraternidade e justiça e penso em deixar “as coisas rolarem”, em tácita admissão da minha desimportância (perdoem o neologismo). Chamava-se Luiz Gonzaga e era, literalmente, mero “toquinho de gente”.
Nascera com má-formação congênita que lhe dava uma estatura de no máximo 40 centímetros (sem nenhum exagero). Não tinha pernas e os braços eram apenas dois tocos, dos ombros à altura dos cotovelos. Tinha lábios leporinos e dependia em tudo, em absolutamente tudo dos outros: para se alimentar, para ser levado de um lugar a outro, para fazer as necessidades fisiológicas, para se lavar, se vestir, enfim, sobreviver.
Era, como se vê, uma criança que tinha tudo para se desesperar e rogar desesperada pela morte que a livrasse daquele inferno. Todavia, o Luiz Gonzaga era inteligentíssimo e, sobretudo, positivo e otimista. Novinho ainda (tinha nove anos de idade quando o conheci), tinha plena noção da sua absoluta dependência, mas não se importava com isso.
“Pagava” a assistência recebida de uma enfermeira especialmente destacada para cuidar dele (os pais abandonaram-no em uma instituição de caridade, onde o conheci), com palavras invariavelmente meigas e um permanente sorriso. E este, se percebia, não era somente com os lábios, como que num esgar, como a maioria das pessoas faz. O Luizinho (como todos o chamavam) sorria com os olhos, lindos, lindos, de uma beleza ímpar, peculiar e única, de um azul como nunca mais vi em pessoa alguma, bem-desenhados e brilhantes, que refletiam profunda inteligência.
Quando o conheci, já sabia ler. Deliciava-se, sobretudo, com gibis, principalmente (que ironia), com os do “Super-Homem” e do “Pato Donald”. Mas lia tudo o que lhe colocassem pela frente. Apreciava, em especial, “As aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain. Num esforço sobreumano, para ele natural, estava aprendendo a escrever. Escrevia com o lápis entre os dentes, movimentando a cabeça. E a letra não era de se jogar fora. Era melhor, pelo menos, do que a de muitos marmanjos relapsos que não têm capricho sequer nisso. Luizinho dizia que tinha um grande sonho: o de ser escritor.
Não sei que fim ele levou. Creio que já deva ter morrido, dada sua extrema fragilidade. Foi, em grande parte, pensando nele, todavia, que venho tentando há anos concretizar o sonho que esse angelical menininho provavelmente nunca concretizou. Foi por ele que me empenhei, desde então (e continuo me empenhando) para me tornar, se não excelente, pelo menos bom escritor.
Todas as vezes que eu “tropeçava” na vida e tinha algum fracasso, alguma decepção amorosa, alguma perda de emprego ou outro desgosto qualquer – dessas bobagens que tantas vezes nos afligem e que damos dimensões gigantescas, quando não passam de picuinhas – eu ia visitar o Luizinho na instituição em que estava internado e tinha longas conversas com o menino.
Falávamos de tudo, com a maior naturalidade e descontração, como dois iguais (e não como um superior, no caso ele, e outro muitíssimo inferior, eu) sem reservas ou constrangimentos. E, sobretudo, ríamos, ríamos bastante, de tudo e de todos, principalmente de nós mesmos. O garoto – dava para perceber – fazia isso sem o menor laivo de mágoa com o que ou quem quer que fosse, pela sua condição e situação. Parecia, pelo contrário, divertir-se com ela. Que privilégio o meu de conhecer um ser humano na verdadeira acepção do termo, tão luminoso e iluminado!!!
Eu voltava para casa, desses encontros (e foram muitos), invariavelmente envergonhado com a minha covardia e tibieza face a probleminhas tão banais, comparados aos problemões daquele “pequeno grande homem”. Luizinho ensinou-me que, sejam quais forem nossas circunstâncias e condições, vale a pena viver e batalhar pelos nossos sonhos.
Claro que dessas batalhas nos sobrarão feridas. Não há como escapar. Mas estas serão curadas ao experimentarmos o doce sabor da vitória final, não importa o quão minúscula essa venha eventualmente a ser. Sempre valerá a pena... se a alma não for pequena, mesmo que o corpo seja deformado, judiado e diminuto, como o do meu heróico “pequenino grande homem”.
Os caminhos do sucesso e da felicidade são, via de regra, ásperos e acidentados, e nunca teremos a certeza de que nossos esforços para alcançá-los não serão vãos. Todavia, se não tentarmos, se não buscarmos nossos objetivos com inteligência, vontade, competência e determinação, de uma coisa poderemos estar certos: o fracasso será fatal e inevitável.
O escritor Graham Greene escreveu, no livro “O Poder e a Glória” (metaforicamente é claro), “que o caminho do céu é através do inferno”. Ou seja, só chegaremos à nossa meta enfrentando os obstáculos naturais inerentes à nossa condição humana e à realidade do mundo.
Não podemos esperar, pois, que o mal e o erro não nos afetem. Vão afetar. Depende, porém, do quanto. E, principalmente, da forma que reagirmos. Mesmo inevitáveis, nem por isso devemos nos submeter a eles, mas combatê-los com todas as nossas forças. O caminho da omissão, a pretexto de que somos pequenos e insignificantes demais para mudar a terrível realidade que nos cerca, é o mais equivocado, pífio e covarde que se possa escolher.
Conheci, há cinqüenta anos, uma pessoa que me inspira e sacode até hoje, todas as vezes em que me sinto tentado a abrir mão do empenho na busca do meu ideal de solidariedade, fraternidade e justiça e penso em deixar “as coisas rolarem”, em tácita admissão da minha desimportância (perdoem o neologismo). Chamava-se Luiz Gonzaga e era, literalmente, mero “toquinho de gente”.
Nascera com má-formação congênita que lhe dava uma estatura de no máximo 40 centímetros (sem nenhum exagero). Não tinha pernas e os braços eram apenas dois tocos, dos ombros à altura dos cotovelos. Tinha lábios leporinos e dependia em tudo, em absolutamente tudo dos outros: para se alimentar, para ser levado de um lugar a outro, para fazer as necessidades fisiológicas, para se lavar, se vestir, enfim, sobreviver.
Era, como se vê, uma criança que tinha tudo para se desesperar e rogar desesperada pela morte que a livrasse daquele inferno. Todavia, o Luiz Gonzaga era inteligentíssimo e, sobretudo, positivo e otimista. Novinho ainda (tinha nove anos de idade quando o conheci), tinha plena noção da sua absoluta dependência, mas não se importava com isso.
“Pagava” a assistência recebida de uma enfermeira especialmente destacada para cuidar dele (os pais abandonaram-no em uma instituição de caridade, onde o conheci), com palavras invariavelmente meigas e um permanente sorriso. E este, se percebia, não era somente com os lábios, como que num esgar, como a maioria das pessoas faz. O Luizinho (como todos o chamavam) sorria com os olhos, lindos, lindos, de uma beleza ímpar, peculiar e única, de um azul como nunca mais vi em pessoa alguma, bem-desenhados e brilhantes, que refletiam profunda inteligência.
Quando o conheci, já sabia ler. Deliciava-se, sobretudo, com gibis, principalmente (que ironia), com os do “Super-Homem” e do “Pato Donald”. Mas lia tudo o que lhe colocassem pela frente. Apreciava, em especial, “As aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain. Num esforço sobreumano, para ele natural, estava aprendendo a escrever. Escrevia com o lápis entre os dentes, movimentando a cabeça. E a letra não era de se jogar fora. Era melhor, pelo menos, do que a de muitos marmanjos relapsos que não têm capricho sequer nisso. Luizinho dizia que tinha um grande sonho: o de ser escritor.
Não sei que fim ele levou. Creio que já deva ter morrido, dada sua extrema fragilidade. Foi, em grande parte, pensando nele, todavia, que venho tentando há anos concretizar o sonho que esse angelical menininho provavelmente nunca concretizou. Foi por ele que me empenhei, desde então (e continuo me empenhando) para me tornar, se não excelente, pelo menos bom escritor.
Todas as vezes que eu “tropeçava” na vida e tinha algum fracasso, alguma decepção amorosa, alguma perda de emprego ou outro desgosto qualquer – dessas bobagens que tantas vezes nos afligem e que damos dimensões gigantescas, quando não passam de picuinhas – eu ia visitar o Luizinho na instituição em que estava internado e tinha longas conversas com o menino.
Falávamos de tudo, com a maior naturalidade e descontração, como dois iguais (e não como um superior, no caso ele, e outro muitíssimo inferior, eu) sem reservas ou constrangimentos. E, sobretudo, ríamos, ríamos bastante, de tudo e de todos, principalmente de nós mesmos. O garoto – dava para perceber – fazia isso sem o menor laivo de mágoa com o que ou quem quer que fosse, pela sua condição e situação. Parecia, pelo contrário, divertir-se com ela. Que privilégio o meu de conhecer um ser humano na verdadeira acepção do termo, tão luminoso e iluminado!!!
Eu voltava para casa, desses encontros (e foram muitos), invariavelmente envergonhado com a minha covardia e tibieza face a probleminhas tão banais, comparados aos problemões daquele “pequeno grande homem”. Luizinho ensinou-me que, sejam quais forem nossas circunstâncias e condições, vale a pena viver e batalhar pelos nossos sonhos.
Claro que dessas batalhas nos sobrarão feridas. Não há como escapar. Mas estas serão curadas ao experimentarmos o doce sabor da vitória final, não importa o quão minúscula essa venha eventualmente a ser. Sempre valerá a pena... se a alma não for pequena, mesmo que o corpo seja deformado, judiado e diminuto, como o do meu heróico “pequenino grande homem”.
Wednesday, April 15, 2009
REFLEXÃO DO DIA
Produzimos obras na vã ilusão de não sermos nunca esquecidos, mas raríssimos conseguem a façanha de se livrar do perpétuo esquecimento. Mesmo que, aquilo que deixarmos, despertar a identidade de milhões de pessoas (que tenham os mesmos pensamentos, sentimentos e crenças que nós), não há a mínima garantia de que essas realizações nos sobrevivam, digamos, por dois, cinco ou dez anos. Não tardará para sermos esquecidos, como se sequer tivéssemos existido, salvo uma ou outra exceção e por motivos inexplicáveis racionalmente. Morris West escreve o seguinte, a respeito, no romance “O Advogado do Diabo”: “A obra morre. Quantos homens Cristo curou? E quantos deles estão vivos hoje? A obra é uma expressão daquilo que um homem é, do que sente, daquilo em que acredita. Se dura, se se desenvolve, não é devido ao homem que a começou, mas porque outros homens pensam, sentem e crêem da mesma maneira”. Dura realidade que relutamos em aceitar!
Tarefa individual
Pedro J. Bondaczuk
A vida é constituída de inúmeras obrigações: para com o próximo, para com o mundo, para com a família, a escola, a igreja, a sociedade e, principalmente, para conosco próprios. Desde tenra idade, somos instruídos a seguir regras de comportamento, normas de todos os tipos e naturezas, estatutos, leis e princípios éticos e morais de conduta. Algumas dessas imposições, é verdade, descambam para o exagero. A maioria, porém, é necessária para uma vida ordenada, disciplinada e produtiva em sociedade.
Nossa maior tarefa no mundo, todavia, (diria que, se não a única, a principal) é a de construir nossa biografia, com pensamentos, sentimentos, atos, fatos e objetivos. É a de amar sem limites (não importa quem), mesmo que o amor nos cause dores (se causar) e frustrações. Ele sempre vale a pena.
É sonhar, ter fé, esperança e força de vontade e sair em busca dos nossos sonhos, com coragem, ousadia e determinação, por mais elevados e supostamente irrealizáveis que sejam. É relevar mágoas, dores, iras e fracassos e nos sentirmos felizes a cada momento, já que felicidade é um estado de espírito. Em suma, é exercermos nossa humanidade.
Trata-se de tarefa rigorosamente individual. Ninguém pode executá-la por nós. Outras pessoas podem, até, ajudar (ou atrapalhar) nossa empreitada. Mas só nós, exclusivamente nós podemos compor (não me refiro a escrever) nossa biografia, com pensamentos, sentimentos, atos, fatos e objetivos estritamente pessoais.
Para construirmos uma vida notável, que se destaque da multidão por alguma peculiaridade e virtude especial e nos torne, não somente conhecidos, mas admirados e até imitados através de gerações, se requer contínuo crescimento: físico, mental, espiritual, cultural, afetivo e vai por aí afora. Isso não ocorre aleatoriamente, por conta do acaso (embora esse tenha imensa participação no processo).
Temos que ser ousados, disciplinados, persistentes e determinados. Precisamos ter forças e coragem para nos reerguermos a cada tropeço (e são tantos os que nos haverão de acometer!). É mister saber recomeçar, sempre que concluirmos que o caminho que escolhemos alhures não é o mais adequado para o alcance dos nossos propósitos e objetivos.
Esse processo de crescimento será doloroso, por vezes, agradável, outras tantas e repleto de fracassos e sucessos, que poderão vir em sucessão ou se alternar. Não podemos, porém, ficar indiferentes nem a uns e nem a outros. Cabe-nos aprender o máximo de lições com as derrotas – em vez de nos entregarmos, tola e covardemente, ao desalento, mágoas e lamentações – e multiplicar forças com os êxitos, sem nunca os considerar como fins, como pontos de chegada de uma corrida de obstáculos, mas como meras etapas de uma jornada cuja duração jamais saberemos qual será.
Não podemos, sobretudo, nos submeter às circunstâncias, quando estas forem adversas e aziagas. Cabe-nos lutar, com sabedoria, estratégia e persistência, contra elas e as tornar, de potencialmente ferozes adversárias, em benignas aliadas. Essa “receita” funciona de fato? Não sei. Entendo que não haja fórmulas prontas, exatas, rigorosas, infalíveis e eficazes para o crescimento.
Estas recomendações, todavia, são as óbvias, extraídas da experiência de vida de pessoas tidas e havidas como vencedoras, que se transformaram, até, em modelos de conduta, em inspiradoras de gerações e em gigantes da espécie.
Se vão funcionar ou não depende exclusivamente de nós e da nossa vontade de moldar as circunstâncias aos nossos propósitos, além da nossa competência em lidar com pensamentos, emoções e acontecimentos e da nossa determinação de crescer, mas crescer de verdade e sem cessar.
Entre as recomendações dos filósofos, psicólogos, educadores e especialistas em comportamento, e a dos poetas, que são guiados pela intuição, prefiro a destes últimos. Afinal, não somos robôs que possam ser programados para reagir sempre da mesma forma face a determinadas circunstâncias. Somos, isto sim, feixes de emoções contraditórias e nem sempre (ou quase nunca) controláveis. E destas, convenhamos, ninguém entende melhor do que estes seres iluminados, sensíveis e intuitivos.
Recorro, pois, ao poeta Mauro Sampaio, que resume a caráter essa tarefa de construção de memorável biografia, com pensamentos, sentimentos, atos, fatos e objetivos, nestes magníficos versos finais do poema “Esquecer a vida”: “O que aconteceu antes/é o que passou na forma e no espaço./O que está, não está, é um constante movimento./O Princípio nasceu de um Sonho./O que se sente da vida, quando se repara nela,/é que só vale pelo sonho que é,/ou pelo sonho que fazemos dela!”. Portanto, mãos à obra!
A vida é constituída de inúmeras obrigações: para com o próximo, para com o mundo, para com a família, a escola, a igreja, a sociedade e, principalmente, para conosco próprios. Desde tenra idade, somos instruídos a seguir regras de comportamento, normas de todos os tipos e naturezas, estatutos, leis e princípios éticos e morais de conduta. Algumas dessas imposições, é verdade, descambam para o exagero. A maioria, porém, é necessária para uma vida ordenada, disciplinada e produtiva em sociedade.
Nossa maior tarefa no mundo, todavia, (diria que, se não a única, a principal) é a de construir nossa biografia, com pensamentos, sentimentos, atos, fatos e objetivos. É a de amar sem limites (não importa quem), mesmo que o amor nos cause dores (se causar) e frustrações. Ele sempre vale a pena.
É sonhar, ter fé, esperança e força de vontade e sair em busca dos nossos sonhos, com coragem, ousadia e determinação, por mais elevados e supostamente irrealizáveis que sejam. É relevar mágoas, dores, iras e fracassos e nos sentirmos felizes a cada momento, já que felicidade é um estado de espírito. Em suma, é exercermos nossa humanidade.
Trata-se de tarefa rigorosamente individual. Ninguém pode executá-la por nós. Outras pessoas podem, até, ajudar (ou atrapalhar) nossa empreitada. Mas só nós, exclusivamente nós podemos compor (não me refiro a escrever) nossa biografia, com pensamentos, sentimentos, atos, fatos e objetivos estritamente pessoais.
Para construirmos uma vida notável, que se destaque da multidão por alguma peculiaridade e virtude especial e nos torne, não somente conhecidos, mas admirados e até imitados através de gerações, se requer contínuo crescimento: físico, mental, espiritual, cultural, afetivo e vai por aí afora. Isso não ocorre aleatoriamente, por conta do acaso (embora esse tenha imensa participação no processo).
Temos que ser ousados, disciplinados, persistentes e determinados. Precisamos ter forças e coragem para nos reerguermos a cada tropeço (e são tantos os que nos haverão de acometer!). É mister saber recomeçar, sempre que concluirmos que o caminho que escolhemos alhures não é o mais adequado para o alcance dos nossos propósitos e objetivos.
Esse processo de crescimento será doloroso, por vezes, agradável, outras tantas e repleto de fracassos e sucessos, que poderão vir em sucessão ou se alternar. Não podemos, porém, ficar indiferentes nem a uns e nem a outros. Cabe-nos aprender o máximo de lições com as derrotas – em vez de nos entregarmos, tola e covardemente, ao desalento, mágoas e lamentações – e multiplicar forças com os êxitos, sem nunca os considerar como fins, como pontos de chegada de uma corrida de obstáculos, mas como meras etapas de uma jornada cuja duração jamais saberemos qual será.
Não podemos, sobretudo, nos submeter às circunstâncias, quando estas forem adversas e aziagas. Cabe-nos lutar, com sabedoria, estratégia e persistência, contra elas e as tornar, de potencialmente ferozes adversárias, em benignas aliadas. Essa “receita” funciona de fato? Não sei. Entendo que não haja fórmulas prontas, exatas, rigorosas, infalíveis e eficazes para o crescimento.
Estas recomendações, todavia, são as óbvias, extraídas da experiência de vida de pessoas tidas e havidas como vencedoras, que se transformaram, até, em modelos de conduta, em inspiradoras de gerações e em gigantes da espécie.
Se vão funcionar ou não depende exclusivamente de nós e da nossa vontade de moldar as circunstâncias aos nossos propósitos, além da nossa competência em lidar com pensamentos, emoções e acontecimentos e da nossa determinação de crescer, mas crescer de verdade e sem cessar.
Entre as recomendações dos filósofos, psicólogos, educadores e especialistas em comportamento, e a dos poetas, que são guiados pela intuição, prefiro a destes últimos. Afinal, não somos robôs que possam ser programados para reagir sempre da mesma forma face a determinadas circunstâncias. Somos, isto sim, feixes de emoções contraditórias e nem sempre (ou quase nunca) controláveis. E destas, convenhamos, ninguém entende melhor do que estes seres iluminados, sensíveis e intuitivos.
Recorro, pois, ao poeta Mauro Sampaio, que resume a caráter essa tarefa de construção de memorável biografia, com pensamentos, sentimentos, atos, fatos e objetivos, nestes magníficos versos finais do poema “Esquecer a vida”: “O que aconteceu antes/é o que passou na forma e no espaço./O que está, não está, é um constante movimento./O Princípio nasceu de um Sonho./O que se sente da vida, quando se repara nela,/é que só vale pelo sonho que é,/ou pelo sonho que fazemos dela!”. Portanto, mãos à obra!
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