Contradição da democracia dirigida
Pedro J. Bondaczuk
A Indonésia, país com a quinta maior população mundial, com 148 milhões de habitantes, espremidos em uma área equivalente à dos Estados do Amazonas e da Bahia reunidos, ou seja, 1.919.443 quilômetros quadrados, está tornando oficial o que seus dirigentes políticos alegam ser uma nova ideologia. Trata-se da doutrina (contraditória, por sinal), da “democracia dirigida”, lançada, em 1960, por um dos “pais da pátria”, Mohammed Sukarno.
Apesar da estabilidade institucional que os indonésios sempre tiveram, desde quando, após o término da Segunda Guerra Mundial, se recusaram a continuar sendo meros colonos da Holanda e proclamaram a independência unilateral, são freqüentes as tensões e os conflitos em seu território insular.
O país, nos virtuais 40 anos de vida nacional (a autonomia de fato foi conquistada em 1949, quando se constituíram os Estados Unidos da Indonésia, ligados à monarquia de Haia), teve apenas dois presidentes nessas quatro décadas.
O primeiro, Mohammed Sukarno, governou até 1965, quando um levante comunista sacudiu o arquipélago, redundando na morte de 300 mil pessoas, num dos maiores genocídios do pós-guerra no mundo.
A partir daí, emergiu a figura, enérgica e carismática, do general Mohammed Yusuf Suharto que, desde então, vem se reelegendo para sucessivos mandatos, de cinco anos cada um. Sempre dentro dos princípios da tal da “democracia dirigida”.
É estranho esse termo, pois ele contradiz, até mesmo, o significado do genuíno exercício democrático. Este implica, entre outras coisas, no respeito à opinião e à vontade da maioria. Baseia-se no princípio, contido na maior parte das Constituições existentes por aí, de que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”. A “democracia dirigida” teria sentido se essa “direção” proviesse da população, através de seus representantes, eleitos de forma livre e, portanto, legal.. Mas não é assim que o sistema indonésio funciona.
O comando é ditado de cima para baixo. E, como onde há quem “dita” as normas de conduta da sociedade é classificado de “ditadura”, a Indonésia é uma delas. E das clássicas, com todos os vícios e distorções de um regime fechado, ditatorial.
A controvertida “Pancasila”, nome dado pelos indonésios à tal da “democracia dirigida”, portanto, que nada mais faz do que dar uma aparência de legalidade a uma prática de um quarto de século, não passa de mera aberração ideológica. Na verdade confere, ao presidente Suharto (ou a quem vier a sucedê-lo) poderes que poucos monarcas absolutistas da Europa, dos séculos XVI e XVII, tiveram.
Apesar da Indonésia contar com a maior população muçulmana do Planeta, pois 90% dos seus habitantes professam a doutrina de Maomé, o país tem cerca de 15 milhões de pessoas que seguem outras religiões. É uma quantidade tão grande de fiéis, que não pode, de maneira alguma, ser ignorada.
Desse total de crentes não maometanos, cerca de 80% são hinduístas, mas há, também, um milhão de cristãos, a maioria de seitas evangélicas. Todo esse contingente não muçulmano, todavia, pode, a qualquer momento, após a promulgação da “Pancasila”, ser impedido de exercer sua crença. Pode ser proibido de adorar a divindade que bem entender, ou, até mesmo, de não acreditar em nenhuma, caso o presidente Suharto considere essas religiões prejudiciais, ou “perigosas” à sociedade local.
Muita gente, a esta altura, pode estar torcendo o nariz e achando tudo isso uma enorme bobagem. Afinal, a Indonésia é um país de pouco peso no contexto internacional, raramente citado no noticiário da imprensa e distante demais de nós para ser levado a sério.
Mas é possível, sem querer ostentar monstruosa alienação, ignorar o que se passa no quinto Estado mais populoso do mundo? E, o que é mais significativo, como deixar de levar em conta o maior país islâmico do Planeta? É claro que tudo o que lá ocorre é importante, sim, tem que ser divulgado e não pode deixar de ser levado em conta, não importa quão distante esteja do Ocidente.
A influência que uma ideologia desse tipo poderia ter, por exemplo, no Oriente Médio, seria devastadora. E os direitos humanos, cujos princípios foram normatizados e consagrados na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, das Nações Unidas, documento avalizado por praticamente toda a comunidade internacional, em 1948, correm o risco (não desprezível) de se tornar, pelo menos nessa parte do mundo, simples ficção. Ou mera figura retórica, tão do agrado dos políticos, mas sem qualquer benefício prático. É isso o que se quer?!!
(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 2 de junho de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
A Indonésia, país com a quinta maior população mundial, com 148 milhões de habitantes, espremidos em uma área equivalente à dos Estados do Amazonas e da Bahia reunidos, ou seja, 1.919.443 quilômetros quadrados, está tornando oficial o que seus dirigentes políticos alegam ser uma nova ideologia. Trata-se da doutrina (contraditória, por sinal), da “democracia dirigida”, lançada, em 1960, por um dos “pais da pátria”, Mohammed Sukarno.
Apesar da estabilidade institucional que os indonésios sempre tiveram, desde quando, após o término da Segunda Guerra Mundial, se recusaram a continuar sendo meros colonos da Holanda e proclamaram a independência unilateral, são freqüentes as tensões e os conflitos em seu território insular.
O país, nos virtuais 40 anos de vida nacional (a autonomia de fato foi conquistada em 1949, quando se constituíram os Estados Unidos da Indonésia, ligados à monarquia de Haia), teve apenas dois presidentes nessas quatro décadas.
O primeiro, Mohammed Sukarno, governou até 1965, quando um levante comunista sacudiu o arquipélago, redundando na morte de 300 mil pessoas, num dos maiores genocídios do pós-guerra no mundo.
A partir daí, emergiu a figura, enérgica e carismática, do general Mohammed Yusuf Suharto que, desde então, vem se reelegendo para sucessivos mandatos, de cinco anos cada um. Sempre dentro dos princípios da tal da “democracia dirigida”.
É estranho esse termo, pois ele contradiz, até mesmo, o significado do genuíno exercício democrático. Este implica, entre outras coisas, no respeito à opinião e à vontade da maioria. Baseia-se no princípio, contido na maior parte das Constituições existentes por aí, de que “todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”. A “democracia dirigida” teria sentido se essa “direção” proviesse da população, através de seus representantes, eleitos de forma livre e, portanto, legal.. Mas não é assim que o sistema indonésio funciona.
O comando é ditado de cima para baixo. E, como onde há quem “dita” as normas de conduta da sociedade é classificado de “ditadura”, a Indonésia é uma delas. E das clássicas, com todos os vícios e distorções de um regime fechado, ditatorial.
A controvertida “Pancasila”, nome dado pelos indonésios à tal da “democracia dirigida”, portanto, que nada mais faz do que dar uma aparência de legalidade a uma prática de um quarto de século, não passa de mera aberração ideológica. Na verdade confere, ao presidente Suharto (ou a quem vier a sucedê-lo) poderes que poucos monarcas absolutistas da Europa, dos séculos XVI e XVII, tiveram.
Apesar da Indonésia contar com a maior população muçulmana do Planeta, pois 90% dos seus habitantes professam a doutrina de Maomé, o país tem cerca de 15 milhões de pessoas que seguem outras religiões. É uma quantidade tão grande de fiéis, que não pode, de maneira alguma, ser ignorada.
Desse total de crentes não maometanos, cerca de 80% são hinduístas, mas há, também, um milhão de cristãos, a maioria de seitas evangélicas. Todo esse contingente não muçulmano, todavia, pode, a qualquer momento, após a promulgação da “Pancasila”, ser impedido de exercer sua crença. Pode ser proibido de adorar a divindade que bem entender, ou, até mesmo, de não acreditar em nenhuma, caso o presidente Suharto considere essas religiões prejudiciais, ou “perigosas” à sociedade local.
Muita gente, a esta altura, pode estar torcendo o nariz e achando tudo isso uma enorme bobagem. Afinal, a Indonésia é um país de pouco peso no contexto internacional, raramente citado no noticiário da imprensa e distante demais de nós para ser levado a sério.
Mas é possível, sem querer ostentar monstruosa alienação, ignorar o que se passa no quinto Estado mais populoso do mundo? E, o que é mais significativo, como deixar de levar em conta o maior país islâmico do Planeta? É claro que tudo o que lá ocorre é importante, sim, tem que ser divulgado e não pode deixar de ser levado em conta, não importa quão distante esteja do Ocidente.
A influência que uma ideologia desse tipo poderia ter, por exemplo, no Oriente Médio, seria devastadora. E os direitos humanos, cujos princípios foram normatizados e consagrados na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, das Nações Unidas, documento avalizado por praticamente toda a comunidade internacional, em 1948, correm o risco (não desprezível) de se tornar, pelo menos nessa parte do mundo, simples ficção. Ou mera figura retórica, tão do agrado dos políticos, mas sem qualquer benefício prático. É isso o que se quer?!!
(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 2 de junho de 1985).
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