Wednesday, March 11, 2009

Atrapalhação mútua


Pedro J. Bondaczuk

O bom relacionamento entre as pessoas, aquele sadio e respeitoso, em que cada uma das partes acate e compreenda as opiniões e interesses antagônicos e conflitantes um do outro, sem abrir mão do próprio ponto de vista, é muito mais complicado do que possa parecer. Constitui-se, na verdade, em uma arte e das mais complexas. Para se concretizar, depende de uma série de variáveis, entre as quais as respectivas personalidades, o nível de educação, as circunstâncias e vai por aí afora.
Se esse bom relacionamento é tão complicado entre pessoas do mesmo nível (principalmente entre parentes), imaginem quando se trata de nações! Daí não serem tão surpreendente assim os inúmeros conflitos e as freqüente tensões pessoais e internacionais que pipocam a toda a hora na imprensa.
Tudo isso, todavia, nos passa uma impressão bastante negativa da nossa espécie e subtrai, ou pelo menos diminui, as nossas esperanças de um mundo de paz, justiça e bondade, em que prevaleçam o amor e o respeito mutuo. Esse é o sonho dos idealistas, das pessoas que querem fazer a diferença e construir.
Quem nunca ouviu, ou nunca disse, em tom de desabafo, ao tomar conhecimento pela imprensa de notícia sobre um novo crime bárbaro, ou sobre qualquer outro tipo de atrocidade, de corrupção ou de injustiça, a afirmação de que “a humanidade está perdida!”?
De fato, o mundo anda de mal a pior (ou nos parece que ande) e não é de hoje. Assassinatos, guerras, agressões e toda a sorte de violência abundam nos noticiários veiculados, praticamente, o dia todo pelos meios de comunicação. Em termos qualitativos, porém, esse quadro sombrio não é nada diferente do que ocorria em séculos anteriores. As gerações que nos antecederam foram tão ou mais violentas, corruptas, agressivas e bárbaras que a atual.
O aumento se deu em termos quantitativos, o que seria até lógico de se esperar. Afinal, o século XIX terminou com o mundo abrigando uma população que mal chegava aos dois bilhões de habitantes. Hoje, somos 6,7 bilhões nos digladiando por espaço e pela satisfação de nossos interesses, ambições e necessidades, não raro conflitantes.
Ademais, há muito mais acesso às informações do que nos séculos precedentes. Os veículos de comunicação contam, hoje, com recursos tecnológicos tidos e havidos, até, como impossíveis de serem criados há não muito tempo.
Imagine, por exemplo, se você falasse, há apenas cinqüenta anos, ao seu avô, que um dia haveria um telefone sem fio, pelo qual você poderia se comunicar, a qualquer momento e lugar, com qualquer pessoa no mundo, estivesse onde estivesse, e instantaneamente! Ele ficaria, no mínimo, preocupado. Acharia que você fantasiava demais, quando não duvidaria da sua sanidade mental, o encaminhando de imediato para o consultório de algum especialista. No entanto... O telefone celular é, hoje, um objeto corriqueiro e considerado até banal. Até moradores de rua já têm acesso a ele.
A evolução de recursos, por sua vez, implicou na multiplicação de empresas voltadas à comunicação. Temos, hoje, uma infinidade de jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão em praticamente todos os países do mundo e, sobretudo, contamos com a internet, esquadrinhando cada milímetro do Planeta à cata de notícias, que se transformaram em produto de excelente cotação. Essa profusão de informações, porém, nos distorce a realidade (o que, convenhamos, não causa a menor surpresa) e faz o mundo parecer bem pior do que é.
Por motivos óbvios, não me oponho a essa enxurrada de notícias. Só defendo que as empresas se preocupem, também, com a interpretação e com a contextualização do que informam. Claro que o senso crítico aguçado é útil e até necessário a cada um de nós. Trata-se, na verdade, de uma tentativa mínima de exercício da cidadania e de formar consciência coletiva, que contribua para reduzir e atenuar esses males, tão familiares e sobejamente conhecidos, na impossibilidade de acabar com eles.
Mas somente isso não basta. Criticar é fácil, cômodo, mas geralmente inócuo. É necessário que essa indignação que as notícias nos despertam venha acompanhada de atos, de atitudes práticas, concretas e constantes para melhorar o mundo. E não é, salvo exceções, o que ocorre via de regra.
Ademais, culpar a “humanidade” pelo que de ruim acontece, além de se tratar de irresponsável generalização, é uma atitude injusta. Há muita, muitíssima gente boa empenhada em assegurar, com sua ação anônima, com seu trabalho dedicado e responsável e com sua capacidade, a normalidade na vida cotidiana da sua coletividade.
Por isso, concordo, sem restrições, com Máximo Gorki que, no conto “Konovalóv”, expressou, pela boca de um dos personagens, sua perplexidade face a esse comportamento comodista e negativo da chamada “maioria silenciosa”: “Como é possível que nós nos queixemos sempre da humanidade, quando também somos seres humanos? Se os outros atrapalham a nossa vida, isso quer dizer que também atrapalhamos a vida de alguém...”, concluiu o escritor russo, com irretorquível lógica. E não é o que acontece?! Tolerância mutua é, pois, o ingrediente que mais falta faz para o bom relacionamento, sadio, ético e respeitoso, quer entre pessoas, quer entre nações.

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