Thursday, March 12, 2009

Genialidade (ou boçalidade) dos apelidos


Pedro J. Bondaczuk

Os apelidos, quando não chulos e boçais e, portanto, não ofensivos, que não ridicularizem alguém, por exemplo, por causa de alguma eventual deficiência física, são uma forma via de regra carinhosa de tratar determinadas pessoas com as quais tenhamos certa intimidade. Embutem a maneira como outros nos vêem. São, portanto, manifestações até inconscientes de apreciação (ou depreciação) do que acham que somos.
O engraçado é que é impossível de determinar como nascem, ou seja, quem foi, de fato, a primeira pessoa que chamou outra daquela maneira e por que. Alguns apelidos pegam, outros não. A maneira mais rápida deles pegarem é o apelidado mostrar irritação com o cognome que tentam lhe impingir. Aí, é tiro e queda. A pessoa nunca mais é chamada pelo nome de batismo, a não ser, claro, nos atos formais no trabalho, na faculdade, nos documentos etc.
Há apelidos para todos os gostos e circunstâncias. Existem, por exemplo, os carinhosos, que os namorados se atribuem uns aos outros, que soam sempre ridículos aos que não estejam apaixonados, mas são “música dos anjos” para os ouvidos dos dois pombinhos. Há (creio que até em maior quantidade) os feios, que têm conotação de galhofa e de humilhação. Muitos são engraçados, outros tantos bastante legais e outros, ainda, apenas estranhos. E vai por aí afora.
O site Mingau Digital relaciona uma infinidade de apelidos, por ordem alfabética, das mais diversas naturezas. Há uma quantidade imensa de crônicas sobre o tema. Só na última semana, li pelo menos dez, algumas excelentes, outras nem tanto, a esse propósito. Não estou, portanto, querendo ser original ao tratar do assunto e pouco me importa. Minha intenção, somente, é de dar, também, o meu pitaco a respeito, como tantos fizeram. Por que não?!
Os apelidos, dependendo da natureza, originalidade ou intenção podem causar intenso furor, perpétua revolta nas vítimas, impotentes para evitá-los ou intensa satisfação. Sim, há aqueles que satisfazem e se transformam até mesmo em grifes. Alguns agradam tanto, que os apelidados formalizam-nos no nome verdadeiro. É o caso do nosso presidente, que ao Luís Inácio da Silva incorporou o “Lula”.
O maior jogador de futebol de todos os tempos, o atleta do século XX, tornou-se conhecido, mundo afora, pelo apelido e não pelo nome de batismo. Pelé até já virou adjetivo, para qualificar excelência, genialidade, perícia e competência em determinada atividade, não necessariamente futebol.
Poucos são tão criativos em apelidar as pessoas quanto o carioca. Vive sendo apelidado e apelidando os outros. Raros são os que nunca receberam algum apelido e nem apelidaram alguém. Vinicius de Moraes, em uma deliciosa crônica intitulada justamente de “Apelidos” (publicada no livro “Para uma menina com uma flor”, Editora do Autor e Companhia das Letras), escreve a respeito: “O gênio do apelido é virtude brasileira, diria quase carioca. Não conheço, em outros povos, uma tal espontaneidade na caracterização de tipos através de apelidos”.
Claro que fora do Brasil, outros povos também têm esse hábito. E nem carecem de habilidade. O que lhes falta, porém, é o humor, é essa criatividade especial que o brasileiro tem para coisas banais e corriqueiras. Oxalá as tivesse, também (pelo menos com tamanha intensidade) para aquilo que realmente importa. Mas... Deixa pra lá!
Vinicius, como bom carioca, também teve seu apelido. Aliás, a bem da verdade, teve dois: um, conhecido apenas no círculo dos amigos mais íntimos, Vininha e outro que se incorporou ao seu nome, também no diminutivo, referente à sua condição de poeta, “Poetinha”. Há quem encare este último em sentido pejorativo. Bobagem. Por que dizer essa tolice se o próprio Vinicius apreciava essa designação?! Há gente doida para sempre encontrar chifres em cabeça de cavalo. Certamente fazem isso com o intuito único de aparecer. O que mais poderia ser?
Observo, de passagem, à guisa de curiosidade, que o título do livro “Para uma menina com uma flor” batizou, originalmente, um poema famoso de Vininha (veja quanta intimidade a minha!), posteriormente musicado. É um dos textos mais lindos de Vinícius. Se você não o conhece, procure-o na internet e o leia. Caso contrário... Você não sabe o que está perdendo.
O livro em questão, observe-se, não trata apenas de apelidos. Contém várias crônicas, escritas entre 1941 e 1966, que abordam uma variedade de temas, como o pós-guerra, alguns costumes e comportamentos típicos do carioca, a Avenida Atlântica etc.etc.etc.
No texto que nos interessa particularmente Vinicius observa, em determinado trecho: “Aqui no Rio, então, se o sujeito não tiver sido muito bem feitinho, a régua e compasso, dificilmente o seu defeito ou modo peculiar de ser passará despercebido ao olho do carioca. Aliás, também não adianta muita perfeição, haja visto o excesso de linha daquele indivíduo sempre ultra-engomado, que lhe valeu para sempre o apelido de Carretel”. Ou seja, é aquela famosa história: se correr, o bicho pega; se ficar... o bicho come”.
Por isso, amigo, não se irrite (se puder) quando alguém tentar lhe impingir um rótulo diferente do que você possui desde o nascimento. Se for pejorativo, ria com seu desafeto (mesmo que se trate de um sorriso amarelo) e desarme-o, dessa maneira, deixando-o sem graça, com cara de idiota. Talvez (mas somente talvez, note bem), ele fique sem ação e desista de apelidá-lo.
Em caso contrário... se for um apelido desses sonoros, criativos e originais, não seja bobo. Faça dele uma grife e o divulgue aos quatro ventos, como fizeram Lula e Pelé, entre outros. Mas tenha o pequeno cuidado (apenas esse “detalhe”) de acrescentar a ele um conjunto de virtudes e aptidões que o distingam da plebe ignara. Fácil, não é mesmo?!

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