Sunday, March 15, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Direito de existir


Pedro J. Bondaczuk


A comunidade internacional está exigindo uma rigorosa investigação para apurar a veracidade da denúncia de que o Iraque teria atacado, em fins do mês passado, cinco aldeias curdas, com armas químicas, cerca de uma semana depois de ter entrado em vigor um cessar-fogo na guerra que o país trava com o Irã. Nessa ofensiva, as tropas iraquianas teriam lançado mão de recursos proibidos, mais especificamente do gás mostarda, causando a morte de 1.900 pessoas e ferimentos graves em outras 5.400.

Mas o que vem a ser o tal produto? Ele é fabricado em dois tipos: o destilado e o nitrogenado. O primeiro é um líquido levemente amarelado, que produz feridas na pele, destrói tecidos, danifica vasos sangüíneos. Causa, entre outros efeitos, conjuntivites, eritremas, inflamações dos tecidos das fossas nasais, garganta, traquéia, brônquios e pulmões.

O tempo de ação do gás mostarda destilado é retardado. Persiste por cerca de 4 a 6 horas, em geral provocando uma morte terrível em quem foi atingido por ele. É, portanto, um produto altamente persistente. O nitrogenado é um líquido escuro. Causa irritação nos olhos, eritremas e afeta as vias respiratórias. Pode provocar broncopneumonia depois das primeiras 24 horas. Após ser absorvido pelo corpo da vítima, ataca os intestinos. Também possui grande persistência. Estes e outros armamentos químicos, largamente empregados na Primeira Guerra Mundial, estão proibidos pela Convenção Internacional de Genebra de 1925. Sua utilização, portanto, constitui-se em grave crime.

Testemunhas que estiveram na região onde os curdos habitam, garantem que o gás mostarda foi de fato usado contra os membros dessa etnia. Já está, portanto, mais do que na hora da ONU fazer alguma coisa para punir esse tipo de infração. Os iraquianos, afinal de contas, são reincidentes. Os países que estão exigindo uma investigação a respeito possuem fortes evidências para fundamentar suas suspeitas.

É lamentável que esse tipo de coisa ainda ocorra para reprimir a justa luta de uma minoria étnica por uma pátria. Aliás, o empenho dos curdos por sua independência não vem de hoje. É muito antigo e tem quase um século. O território em que esse povo valente e hábil habita está hoje repartido por quatro nações: o Iraque, o Irã, a União Soviética e a Turquia. Eles, como muitos outros, foram vítimas da distribuição territorial aleatória que se fez após 1996, no Congresso de Berlim, quando as potências da época dividiram o mundo entre si, baseadas somente no "direito da força". E como se sabe, essa nunca foi uma garantia de paz para ninguém. Em geral (e a história está aí para mostrar), o que se conquista pelas armas, se perde de forma idêntica.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de setembro de 1988)

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