Friday, September 28, 2007

Volta por cima


Pedro J. Bondaczuk


A maior parte do meu sofrimento advém das aflições alheias. Já fiz essa confidência em outra crônica, publicada neste espaço tempos atrás, mas nunca é demais reiterar. Minha angústia, por exemplo, é proveniente da miséria, da violência, da exclusão social e da desagregação familiar de centenas de pessoas ao meu redor, de milhares um pouco mais distantes de mim, de milhões por todo o País e de bilhões através do mundo. Excluídos, miseráveis e infelizes não faltam. Pelo contrário...
Essa atitude não se trata, como se pode supor, de querer, apenas, parecer "bonzinho". É uma questão de berço, de formação, de educação para a solidariedade. Não são minhas dores físicas, felizmente raras, que me incomodam. Não são minhas carências financeiras, não tão agudas, que preocupam. Não são meus desacertos emocionais que me tiram o sono.
São os sofrimentos alheios que me consomem a alegria e o otimismo. O pior nessa história é a impotência em ajudar esses outros que sofrem, dada a sua enorme quantidade. Qualquer ação nesse sentido que eu tome desaparece, se torna irrisória e invisível. É uma ínfima gota de água num oceano de carências.
Isso não me isenta, claro, da responsabilidade de tentar ajudar a quem caiu, não importa a profundidade do poço em que está. A tendência, quando cruzamos com alguém que fracassou – com um homeless, com um marginal aparentemente irrecuperável, com o viciado em drogas ou álcool, ou com tantos e tantos outros tidos como “perdedores” – é olhar essas pessoas do alto, com ares de superioridade, como se também não estivéssemos sujeitos a esse tipo de queda, ou até de fracassos piores. Mas estamos.
Pincei, a respeito, alhures, uma citação de Gabriel Garcia Márquez, que li não sei se em algum de seus livros (o que é o mais provável) ou em alguma de suas entrevistas. Bem, a fonte não importa. Importa é a sabedoria das palavras do jornalista e escritor colombiano, ganhador de um Prêmio Nobel, quando afirma: “Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”. Ah, se todos agissem assim, como o mundo seria melhor, mais justo, mais humano e um lugar mais aprazível para se viver! Esse tipo de atitude, porém, é sumamente raro.
Para uns, esse desfile diário de desgraças, violência e loucura que os meios de comunicação nos trazem age como fator de dessensibilização. Estes assimilam tais dramas como o fazem com o enredo dos filmes norte-americanos, da enorme montanha de lixo cultural que assistem na telinha. Encaram-na como se não passasse de ficção.
Mas para quem, por alguma razão – sorte, esforço sobreumano, meios ilícitos etc – conseguiu a acidentada ascensão da miséria para um patamar social mediano, e que sentiu na própria carne os efeitos da exclusão social, esses fatos abrem dolorosas feridas na alma. Tiram a alegria de viver.
O que fazer? Se omitir simplesmente? É o que a maioria faz! Agir como se nada estivesse acontecendo? É uma atitude, convenhamos, rotineira. Fechar os olhos ao drama que se desenrola ao redor? A maioria fecha. Se alienar do mundo e da realidade, se isolando em uma torre de marfim? Alguns artistas fazem isso. Como deixar de olhar tudo isso e ainda continuar sendo humano? Sim, como?
O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos. Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados.
Não podemos, porém, nos importar com esse tipo de opinião. Sejamos solidários, sempre, sem esperar retribuição ou sequer gratidão. Ter condições de servir, ao contrário de ser servido, é força, é poder e é uma bênção reservada somente a pessoas muito especiais.
A caridade, tida como uma das virtudes cardeais que os homens deveriam cultivar, está em baixa. Vivemos numa civilização consumista, marcada, sobretudo, pelo individualismo exacerbado, pela tola acumulação de bens materiais, pelo desperdício e ostentação. Tudo funciona na base do "cada um por si". Ou do famigerado desejo de "levar vantagem em tudo".
Felizmente para todos, reitero, há exceções, que merecem ser, quando não exaltadas – para que o bom exemplo possa se reproduzir, multiplicar e frutificar – ao menos imitadas, posto que parcialmente. Por isso, leitor inteligente e sensível, que não perdeu ainda aqueles ideais nobres que acalentou na mocidade, quando solicitado a socorrer alguém que precise, seja quem for, não se omita. Não o olhe de cima para baixo, a menos que seja para ajudá-lo a levantar-se. Faça a sua parte. Diga sim à humanidade. Diga sim à dignidade. Diga sim à vida.

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