Thursday, September 20, 2007

Poesia concreta - IV


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

CAMPOS DE INFLUÊNCIA

Alfredo Bosi, professor, por muitos anos, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, um dos mais lúcidos e profícuos críticos literários, desde 2003 membro da Academia Brasileira de Letras (onde ocupa a cadeira de nº 12, desde a morte do seu antecessor, o ex-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Lucas Moreira Neves), ressalta que a poesia concreta revolucionou vários campos da língua portuguesa, como o semântico, sintático, léxico, morfológico, fonético e até mesmo tipográfico.
Sem fazer juízo de valor, declarou, certa feita, que “talvez as vanguardas tenham mais razão no que afirmam do que no que negam”. Reitero o que afirmei no início do presente ensaio: “É certo que movimentos como o concretismo contribuem para renovar a arte de compor. Faço uma analogia com a água. Se esta for corrente, tende sempre a se renovar, a se purificar, a ser potável. Se ficar estagnada, contudo, em pouco tempo se torna doentia, poluída, insalubre, não-utilizável para consumo. Esses movimentos renovadores fornecem, ao artista, alternativas, que são sempre válidas, desde que utilizadas com perícia, com talento e com bom-gosto”.
Mas voltemos a Alfredo Bosi, autor, entre tantos livros, do “Pré-Modernismo” (1966) e “História Concisa da Literatura Brasileira” (1970), que recomendo àqueles que queiram se aprofundar não somente no tema poesia concreta, mas em todas as tendências e vertentes literárias ao longo da nossa história. O eminente mestre enfatiza, de forma sintética, quais foram essas influências do concretismo em nosso idioma.
No campo semântico, por exemplo, aponta o uso de ideogramas (“apelo à comunicação não-verbal, conforme o Plano-Piloto”, definido no artigo de Augusto de Campos na revista “Arquitetura e Decoração). No sintático, destaca o “ilhamento ou atomização das partes do discurso, justaposição, redistribuição de elementos, ruptura com a sintaxe da proposição”.
E Bosi prossegue: “No campo léxico: substantivos concretos, neologismos, tecnicismos, estrangeirismos, siglas, termos plurilíngües. No campo morfológico: desintegração do sintagma (ou seja, da proposição que apresenta o assunto dividido em classe, números etc., expressão emprestada da terminologia militar, pois era a denominação dada a cada uma das divisões de falange constituída de 256 homens, na antiga Macedônia, dos tempos de Alexandre Magno) nos seus morfemas (elementos lingüísticos de significação), separação dos prefixos, dos radicais, dos sufixos, uso intensivo de certos morfemas”.
E conclui: “No campo fonético: figuras de repetição sonora (aliterações, assonâncias, rimas internas, homoteleutons), preferência dada às consoantes e aos grupos consonantais, jogos sonoros. No campo tipográfico: abolição do verso, não-linearidade: uso construtivo dos espaços brancos; ausência dos sinais de pontuação; constelações; sintaxe gráfica”.
No que diz respeito aos temas, a melhor caracterização desse tipo de poesia é a definida pela crítica literária Eunice Ribeiro, que constata: “Os concretos recusam misticismos e subjetivismos, mistérios e nostalgias, metáforas e ornamentos, para manifestarem uma preferência pelo exato, pelo lógico, pelo visível, pelo funcional”. Na canção “Sampa”, Caetano Veloso celebra os fundadores do concretismo, no seguinte trecho: “Quando eu cheguei por aqui/eu nada entendi/da dura poesia concreta de tuas esquinas...”. Está aí a melhor e mais exata caracterização dessa forma revolucionária de poetar. Ou seja, compor a “dura poesia”.

(CONTINUA).

No comments: