Friday, September 14, 2007

Ossos do ofício


* Pedro J. Bondaczuk


A televisão, através de personagens de novela, e alguns filmes – muitos, inclusive, célebres – norte-americanos, obviamente, passam para o público uma visão romântica do jornalismo e, por conseqüência, do jornalista, que raramente condiz com a realidade. Boa parte dessa imagem não passa de mito.
Na prática, é uma profissão como outra qualquer, com suas satisfações, aborrecimentos e percalços. No meu caso, felizmente, tenho mais motivos para comemorar, do que para lamentar. Tive sorte, evidentemente, de contar com as oportunidades que são vedadas à imensa maioria dos colegas. A atividade requer, de quem a escolhe, além de muita cultura e o domínio da linguagem escrita, elevado senso de responsabilidade e grande visão humanística e social. Afinal, trata-se de uma pessoa, escrevendo sobre outras, para pessoas lerem.
Ao comentarista, seja ele político ou de que natureza for (portanto, emérito formador de opinião) é reservada uma tarefa ainda mais pesada, embora, não diria, espinhosa. Trata-se de um “fazedor de cabeças”, se é que se pode usar essa expressão. Por isso, e antes de tudo, precisa ter a própria já feita.
Esse profissional precisa de reflexão, de bom-senso, de domínio do assunto a que se propõe a comentar e, sobretudo, de empatia com o leitor. Ou seja, de identificar-se com seu público e de saber compreender as atitudes e as aspirações alheias. E de ser humilde para aceitar críticas, mesmo as impertinentes e sem fundamento. Não pode se colocar, portanto, na posição de juiz, de dono da verdade, de alguém acima do bem e do mal.
No meu caso, que venho tendo contato constante com o público há já algumas décadas, emitindo opiniões sobre os mais variados temas – já são mais de oito mil comentários publicados na carreira, além de um número mais ou menos igual de crônicas – me considero, antes de tudo, um “provocador”. Não de briga, evidentemente. Nem de polêmicas sem conteúdo. Julgo-me (e posso, claro, estar equivocado) um indutor de reflexão.
Jamais, em momento algum, ataquei pessoas ou instituições. Atuo, somente, no saudável terreno das idéias, buscando extrair alguma lição positiva dos fatos (em geral negativos, quando não trágicos), que abordo. Nem sempre, contudo, fui compreendido, talvez (ou provavelmente) por falha de comunicação e, principalmente, porque, como diz o surrado dito popular, “é impossível agradar a gregos e troianos”.
De uns tempos para cá, por exemplo, mesmo não comentando temas polêmicos e “não pisando em calos”, venho recebendo uma série de cartas anônimas, de uma única pessoa (que, evidentemente, não dá nenhuma pista da sua identidade), contendo impropérios e até ameaças à minha integridade pessoal. É o lado ruim da profissão. Como se diz, são os tais “ossos do ofício”.
Apesar de tudo, a atitude, um tanto covarde, desse cidadão, de mal com o mundo e com a vida, tem o seu lado positivo. Essa pessoa, antes de tudo, mostra que é minha leitora. Por isso, respeito-a, a despeito de suas gratuitas e descabidas agressões verbais. Quem sabe não conseguirei converter esse indivíduo em alguém mais corajoso e, sobretudo, menos amargo e destrutivo. Tomara que sim! Até com minhas opiniões sobre futebol, em um comentário inocente, visivelmente uma brincadeira de torcidas, feita pelo jornal em que trabalho, às vésperas do dérbi campineiro, esse cidadão implicou. E dá-lhe pancada!
Mas a profissão, obviamente, não tem somente espinhos. Têm sido inúmeras as manifestações de apoio, de carinho e de incentivo que venho recebendo por e-mail, por carta, por telefonemas, no Orkut e por vários outros meios, de leitores de todo o País e do exterior, que não conheço e provavelmente jamais virei a conhecer, mas que me animam, elogiam, fazem reparos, sugerem pautas e me abastecem de informações.
Mas a minha atividade de comentarista não é minha principal função. Sou, desde o início de carreira, editor, tendo passado, praticamente, por todas as editorias de um jornal, o que me deu uma visão incrível de jornalismo e de mundo. A esse propósito, perguntaram-me, várias vezes, qual é a notícia que eu gostaria de dar em manchete, para me sentir realizado como jornalista e como homem. São tantas!
Uma, por exemplo, seria a de que a ciência descobriu a cura para doenças até aqui incuráveis, como a Aids e outras mais. Outras: a de que nenhuma pessoa passa fome no mundo; não há criança abandonada e nem idoso desamparado e de que a humanidade, finalmente, chegou à conclusão (óbvia) de que a guerra não é o caminho para resolver controvérsias.
Ainda outra: a de que as pessoas se conscientizaram da necessidade de preservar a natureza, não depredando o meio ambiente, não poluindo o ar, os mares, os rios, os lagos etc. Ou a de que o analfabetismo foi erradicado do Planeta e caíram por terra todas as barreiras de preconceitos que opõem indivíduos, famílias, comunidades, povos e nações.
Engraçado como as coisas, ditas assim, nestes tempos loucos e violentos de tanta corrupção e descrença, soam como impossíveis. Essa mais parece ser uma conversa de maluco. E, no entanto, são coisas tão factíveis, tão realizáveis e tão simples, com um pouquinho só, com um mínimo de boa-vontade, de bom-senso e de amor.

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