Pedro J. Bondaczuk
A crônica é, há pelo menos 40 anos, meu gênero literário preferido, quer para leitura, quer para redação. Já escrevi, nesse período de quatro décadas, por volta de cinco mil delas, abordando os mais variados assuntos, muitos pautados pelos leitores. Tratam-se de temas aparentemente triviais que, no entanto, com o distanciamento no tempo, se mostram sumamente importantes. Tenho-as, todas, digitadas e prontas para reprodução na memória do meu computador. E nenhuma, absolutamente nenhuma, perdeu a atualidade. Quando reproduzidas, parecem terem sido escritas ontem, na véspera. Essa é a maior virtude do gênero. São textos que permanecem, ao contrário do que ocorre com os artigos, por exemplo.
Sou leitor compulsivo de crônicas (creio que nem seria necessário fazer essa confissão, que salta aos olhos). Tenho por volta de dez mil delas, recortadas de vários jornais da época, como o extinto “Diário de São Paulo”, o também saudoso “Diário da Noite”, a “Última Hora”, “O Globo”, o “Correio do Povo” de Porto Alegre, o “Jornal do Brasil”, a “Folha da Manhã”, a “Folha de S. Paulo”, “O Estado de São Paulo” e tantos outros, cujos nomes me fogem no momento. Pelo menos três longas prateleiras da minha volumosa e caótica biblioteca (de mais de quatro mil volumes) estão abarrotadas de livros do gênero. Isso, como dizem meus amigos em tom de galhofa, já é mais do que paixão: virou obsessão. E virou mesmo!
Há uns quatro anos, publiquei, no “Em Pauta”, aqui no Comunique-se, uma crônica intitulada “Ponte do Jornalismo”. Nela, assinalei que “as crônicas são instantâneos de determinados fatos, pessoas e/ou lugares. Perpetuam, com graça e beleza, o aparentemente trivial, fugaz, passageiro ou banal. Nem sempre o que ‘parece’ de fato ‘é’. Muita coisa considerada ‘sem importância’ revela-se sumamente importante com o passar dos anos”. E não é o que acontece?
Nesse mesmo texto, destaquei, ainda: “A crônica distingue-se do artigo por estar centrada no ‘eu’ do autor. Não raro é escrita na primeira pessoa e enseja divagações (de quem a escreve e, principalmente, de quem a lê). Para uns, não se trata nem de jornalismo, e nem de literatura. Reitero minha discordância de quem pensa assim. Entendo, pelo contrário, que é, simultaneamente, os dois. Constitui-se, na pior das hipóteses, em uma “ponte” entre o jornalismo e a literatura.
O artigo tem como eixo a objetividade, a clareza e o raciocínio, que conduzem a uma conclusão que motivou a sua redação. Dispensa floreios, citações e todo e qualquer artifício literário. Seu objetivo é complementar, ou esclarecer a informação que o originou. É baseado, ‘sempre’, em uma fonte de informação.
Essa distinção gera muita confusão, mesmo entre os editores de jornais, que são os que determinam o que será ou não publicado em suas respectivas editorias. Muitos textos que circulam como sendo ‘crônicas’ são, na verdade, ‘artigos’ (e vice-versa). São, por conseqüência, efêmeros. São perecíveis, míseras horas depois de publicados. São como teoremas matemáticos: hipóteses, teses e demonstrações. Não têm compromisso com estilo e elegância. Seu fulcro é a objetividade e nada mais.
Já a crônica não tem o mínimo compromisso com a objetividade ou com a informação. Sua validade (jamais sua necessidade) vai depender, única e exclusivamente, da qualidade do texto. Se esta for elevada, vai permanecer e se perpetuar. Caso contrário... dificilmente será, sequer, publicada. O fato é que os maiores escritores do País já freqüentaram, ou ainda freqüentam, as redações de jornais. Assinam colunas, de periodicidades variáveis – algumas diárias, outras bissemanais, quinzenais ou mensais – encantando os leitores com a sua criatividade, com o seu estilo e, sobretudo, com a sua experiência pessoal e visão do mundo. São pessoas escrevendo sobre pessoas para outras pessoas lerem. E, sobretudo, despertando emoções”. E eu acrescentaria: felizmente!!!
Uma das melhores definições já feitas para o gênero, ressaltando sua importância no jornalismo, foi a do poeta, compositor, diplomata e cronista de mão cheia, Vinícius de Moraes. O "poetinha" escreveu a respeito: "Um jornal é um pouco como o organismo humano. Se o editorial é o cérebro; os tópicos e notícias, as artérias e veias; as reportagens, os pulmões; o artigo de fundo, o fígado; as seções, o aparelho digestivo – a crônica é o coração". A literária, evidentemente, que é o objeto dessa apreciação.
Carlos Heitor Cony, no entanto, adverte: "A imprensa moderna, altamente competitiva e cara, não chegou a mutilar o gênero, mas direcionou-o a estratégia geral do que hoje se chama 'comunicação'. Numa palavra, exige que tudo o que é veiculado no jornal ou revista, das condições do tempo ao desempenho das bolsas, seja útil ao leitor, seja aquilo que nas redações é chamado de 'serviço'. Daí que sobra espaço reduzido ao cronista sem assunto, sem informação e sem outro serviço que não o estilo mais sofisticado que só será apreciado por determinados leitores e não pela massa consumidora do jornal ou revista". Uma pena! Ou seja, prevalecem as regras impostas por aqueles que o poeta Affonso Romano de Sant'Ana tipifica (num magnífico poema) como "idiotas da objetividade" (dizem que quem cunhou essa expressão foi Nelson Rodrigues).
Pelos critérios hoje vigentes no jornalismo, escritores como Machado de Assis, José de Alencar, Coelho Neto, Humberto de Campos, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho (que por retratar com maestria os tipos e coisas da "Cidade Maravilhosa", passou para a história com o pseudônimo que adotou, de João do Rio) ou, para citar os mais recentes, Rubens Porto, o Stanislaw Ponte Preta, crítico mordaz dos costumes do País, que militou na extinta "Última Hora", Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Fernando Sabino, não teriam vez.
Não poderíamos nos deliciar, também, com a saborosa coluna "Eco ao Longo dos Meus Passos", que o Príncipe dos Poetas brasileiros, o campineiro Guilherme de Almeida, assinou por cerca de 20 anos no jornal "O Estado de São Paulo". Nem com as crônicas de Luís Martins, no "Primeira Coluna", desse mesmo jornal. E muito menos com o texto profundo e ao mesmo tempo acessível de outro campineiro, injustiçado pela cidade, que nunca lhe rendeu as homenagens devidas ou sequer o reconheceu como seu filho, Sérgio Milliet da Costa e Silva, que cativou gerações de leitores do "Estadão" com a sua cultura e o seu fino humor.
Reitero, portanto, a conclusão a que cheguei no final da citada crônica: “Seria, pois, (a crônica) um ‘gênero menor’ da literatura? Ou mero ‘tapa-buraco’ do jornalismo? Não, não e não! Nem uma coisa e nem outra! Isto só passa na cabeça dos que transformam a alegria e a emoção desse milagre, dessa oportunidade, dessa aventura, que é a vida, em um conjunto de regras estúpidas e estupidificantes”. E aduzo, sem o menor vacilo: desses, aliás, quero distância. Nunca tiveram, não têm e dificilmente terão algo a me acrescentar.
A crônica é, há pelo menos 40 anos, meu gênero literário preferido, quer para leitura, quer para redação. Já escrevi, nesse período de quatro décadas, por volta de cinco mil delas, abordando os mais variados assuntos, muitos pautados pelos leitores. Tratam-se de temas aparentemente triviais que, no entanto, com o distanciamento no tempo, se mostram sumamente importantes. Tenho-as, todas, digitadas e prontas para reprodução na memória do meu computador. E nenhuma, absolutamente nenhuma, perdeu a atualidade. Quando reproduzidas, parecem terem sido escritas ontem, na véspera. Essa é a maior virtude do gênero. São textos que permanecem, ao contrário do que ocorre com os artigos, por exemplo.
Sou leitor compulsivo de crônicas (creio que nem seria necessário fazer essa confissão, que salta aos olhos). Tenho por volta de dez mil delas, recortadas de vários jornais da época, como o extinto “Diário de São Paulo”, o também saudoso “Diário da Noite”, a “Última Hora”, “O Globo”, o “Correio do Povo” de Porto Alegre, o “Jornal do Brasil”, a “Folha da Manhã”, a “Folha de S. Paulo”, “O Estado de São Paulo” e tantos outros, cujos nomes me fogem no momento. Pelo menos três longas prateleiras da minha volumosa e caótica biblioteca (de mais de quatro mil volumes) estão abarrotadas de livros do gênero. Isso, como dizem meus amigos em tom de galhofa, já é mais do que paixão: virou obsessão. E virou mesmo!
Há uns quatro anos, publiquei, no “Em Pauta”, aqui no Comunique-se, uma crônica intitulada “Ponte do Jornalismo”. Nela, assinalei que “as crônicas são instantâneos de determinados fatos, pessoas e/ou lugares. Perpetuam, com graça e beleza, o aparentemente trivial, fugaz, passageiro ou banal. Nem sempre o que ‘parece’ de fato ‘é’. Muita coisa considerada ‘sem importância’ revela-se sumamente importante com o passar dos anos”. E não é o que acontece?
Nesse mesmo texto, destaquei, ainda: “A crônica distingue-se do artigo por estar centrada no ‘eu’ do autor. Não raro é escrita na primeira pessoa e enseja divagações (de quem a escreve e, principalmente, de quem a lê). Para uns, não se trata nem de jornalismo, e nem de literatura. Reitero minha discordância de quem pensa assim. Entendo, pelo contrário, que é, simultaneamente, os dois. Constitui-se, na pior das hipóteses, em uma “ponte” entre o jornalismo e a literatura.
O artigo tem como eixo a objetividade, a clareza e o raciocínio, que conduzem a uma conclusão que motivou a sua redação. Dispensa floreios, citações e todo e qualquer artifício literário. Seu objetivo é complementar, ou esclarecer a informação que o originou. É baseado, ‘sempre’, em uma fonte de informação.
Essa distinção gera muita confusão, mesmo entre os editores de jornais, que são os que determinam o que será ou não publicado em suas respectivas editorias. Muitos textos que circulam como sendo ‘crônicas’ são, na verdade, ‘artigos’ (e vice-versa). São, por conseqüência, efêmeros. São perecíveis, míseras horas depois de publicados. São como teoremas matemáticos: hipóteses, teses e demonstrações. Não têm compromisso com estilo e elegância. Seu fulcro é a objetividade e nada mais.
Já a crônica não tem o mínimo compromisso com a objetividade ou com a informação. Sua validade (jamais sua necessidade) vai depender, única e exclusivamente, da qualidade do texto. Se esta for elevada, vai permanecer e se perpetuar. Caso contrário... dificilmente será, sequer, publicada. O fato é que os maiores escritores do País já freqüentaram, ou ainda freqüentam, as redações de jornais. Assinam colunas, de periodicidades variáveis – algumas diárias, outras bissemanais, quinzenais ou mensais – encantando os leitores com a sua criatividade, com o seu estilo e, sobretudo, com a sua experiência pessoal e visão do mundo. São pessoas escrevendo sobre pessoas para outras pessoas lerem. E, sobretudo, despertando emoções”. E eu acrescentaria: felizmente!!!
Uma das melhores definições já feitas para o gênero, ressaltando sua importância no jornalismo, foi a do poeta, compositor, diplomata e cronista de mão cheia, Vinícius de Moraes. O "poetinha" escreveu a respeito: "Um jornal é um pouco como o organismo humano. Se o editorial é o cérebro; os tópicos e notícias, as artérias e veias; as reportagens, os pulmões; o artigo de fundo, o fígado; as seções, o aparelho digestivo – a crônica é o coração". A literária, evidentemente, que é o objeto dessa apreciação.
Carlos Heitor Cony, no entanto, adverte: "A imprensa moderna, altamente competitiva e cara, não chegou a mutilar o gênero, mas direcionou-o a estratégia geral do que hoje se chama 'comunicação'. Numa palavra, exige que tudo o que é veiculado no jornal ou revista, das condições do tempo ao desempenho das bolsas, seja útil ao leitor, seja aquilo que nas redações é chamado de 'serviço'. Daí que sobra espaço reduzido ao cronista sem assunto, sem informação e sem outro serviço que não o estilo mais sofisticado que só será apreciado por determinados leitores e não pela massa consumidora do jornal ou revista". Uma pena! Ou seja, prevalecem as regras impostas por aqueles que o poeta Affonso Romano de Sant'Ana tipifica (num magnífico poema) como "idiotas da objetividade" (dizem que quem cunhou essa expressão foi Nelson Rodrigues).
Pelos critérios hoje vigentes no jornalismo, escritores como Machado de Assis, José de Alencar, Coelho Neto, Humberto de Campos, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho (que por retratar com maestria os tipos e coisas da "Cidade Maravilhosa", passou para a história com o pseudônimo que adotou, de João do Rio) ou, para citar os mais recentes, Rubens Porto, o Stanislaw Ponte Preta, crítico mordaz dos costumes do País, que militou na extinta "Última Hora", Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Fernando Sabino, não teriam vez.
Não poderíamos nos deliciar, também, com a saborosa coluna "Eco ao Longo dos Meus Passos", que o Príncipe dos Poetas brasileiros, o campineiro Guilherme de Almeida, assinou por cerca de 20 anos no jornal "O Estado de São Paulo". Nem com as crônicas de Luís Martins, no "Primeira Coluna", desse mesmo jornal. E muito menos com o texto profundo e ao mesmo tempo acessível de outro campineiro, injustiçado pela cidade, que nunca lhe rendeu as homenagens devidas ou sequer o reconheceu como seu filho, Sérgio Milliet da Costa e Silva, que cativou gerações de leitores do "Estadão" com a sua cultura e o seu fino humor.
Reitero, portanto, a conclusão a que cheguei no final da citada crônica: “Seria, pois, (a crônica) um ‘gênero menor’ da literatura? Ou mero ‘tapa-buraco’ do jornalismo? Não, não e não! Nem uma coisa e nem outra! Isto só passa na cabeça dos que transformam a alegria e a emoção desse milagre, dessa oportunidade, dessa aventura, que é a vida, em um conjunto de regras estúpidas e estupidificantes”. E aduzo, sem o menor vacilo: desses, aliás, quero distância. Nunca tiveram, não têm e dificilmente terão algo a me acrescentar.
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