Tuesday, September 25, 2007

Complexidade humana


Pedro J. Bondaczuk


O homem é um ser dotado de uma insaciável curiosidade, que é a "mãe" da sua sabedoria. Procura conhecer de tudo, quer esse conhecimento o conduza a uma evolução, quer lhe traga riscos de sofrer retrocessos ou até mesmo o leve à autodestruição (como são os casos dos segredos do átomo e da estrutura genética, capazes de fazer a espécie humana desaparecer do universo se utilizadas de forma inadequada).

O conhecimento de que mais o indivíduo necessita, no entanto, que é o de si próprio --- das suas potencialidades e fragilidades, dos "demônios" que cria na mente ou que adquire no convívio social --- é relegado a um segundo plano. As pessoas relutam em assumir essa tarefa --- e a maioria não a assume jamais e sequer chega a tentar ---, possivelmente temerosas do que possam vir a descobrir.

Ninguém pode afirmar com segurança que conhece profundamente (ou mesmo superficialmente) alguém, por mais que conviva com ele. Cônjuges que coabitam muitas vezes por quarenta, cinqüenta, sessenta anos ou mais, amiúde se surpreendem com aspectos da personalidade do parceiro com os quais jamais atinaram. Concluem que na verdade se desconhecem. São como que dois mundos hermeticamente fechados, estranhos.

Nem os pais conhecem bem seus filhos, o que sequer é de se estranhar, já que também não se avaliam de maneira isenta, objetiva, realística. Em suma, não se conhecem. Gosto de ler opiniões a meu respeito, embora por uma questão de vaidade, prefira as positivas.

Contudo, as mais úteis são as feitas por meus adversários, pelos que não gostam de mim e só enxergam minhas fraquezas (tantas!), defeitos (ostensivos) e vulnerabilidades (que não revelo para ninguém). A rigor, não sou tão importante assim para que outros opinem a meu respeito.

No meu modo de entender, nenhuma dessas avaliações, de amigos ou de inimigos, sequer chegou perto da imagem que eu faço de mim. Os primeiros superestimam minhas eventuais qualidades, o que não deixa de ser uma satisfação para o ego. Mas trazem o risco de me tirar da realidade e acabam sendo causas indiretas de imensas frustrações.

Para os segundos, sou a verdadeira imagem do mal (nossa!), como erva daninha que tenha que ser extirpada (que exagero!). Se tirarmos os excessos existentes nessas opiniões (muitos) e pinçarmos defeito por defeito dos apontados, teremos diante de nós um excelente parâmetro para que possamos nos tornar melhores. Os inimigos, portanto, são mais úteis do que os amigos para que possamos estabelecer uma imagem nossa mais próxima da real.

Até o aspecto físico que julgamos ter não condiz com a realidade. Não nos enxergamos por inteiro. Não contamos com visão holográfica. Não vemos, por exemplo, nossas costas, o que nos torna incapazes de avaliar a nossa postura. Mesmo vista no espelho, a "retaguarda" não aparece como de fato é.

A visão de conjunto fica comprometida. O parâmetro que os outros adotam para nos julgar (e que nós usamos para o julgamento de terceiros) é o dos atos, das palavras e das expressões. E dos preconceitos, confesse-se. Consegue-se, com material tão precário, não mais do que pálidos e distorcidos reflexos da imagem real.

Pitigrilli traçou um perfil humano genérico, não de alguém específico, mas do tipo médio, no qual a maioria se enquadra. Escreveu, no livro "Lições de Amor": "O homem não é nem anjo, nem fera, ou é ambas as coisas em proporções desiguais. A beneficência, a moral, a caridade não podem fabricar homens e mulheres ideais. Devem servir-se daqueles que encontram".

A dúvida que me fica é: será que as pessoas cuja imagem envolvemos em uma aura de santidade eram ou são verdadeiramente santas? Ou as que julgamos sábias, teriam, de fato, tanta sabedoria? Ou, do lado oposto, será que os monstros humanos foram mesmo tão maus como pintados? Provavelmente há exageros, para o bem ou para o mal, para melhor ou para pior, em todas essas avaliações. Nossos julgamentos, por mais que tentemos, nunca se vêem totalmente expurgados de preconceitos, ou seja, de conceitos previamente fabricados.

E a avaliação histórica, está correta? São exatas as previsões feitas sobre o futuro? O passado foi registrado com exatidão? A humanidade seria, mesmo, tão sanguinária, doentia, egoísta e corrupta quanto os meios de comunicação procuram pintar? Ou como os historiadores dizem que foi? Ou como os estudiosos do comportamento garantem que é? Talvez não! Ou talvez seja até pior, não se sabe com certeza.

O italiano Paolo Rossi, no livro "Os Sinais do Tempo", observou: "Por muitos séculos, o homem concebera-se no centro de um universo limitado no espaço e no tempo e criado em seu benefício". Hoje, sabemos (ou pelo menos as pessoas cultas e instruídas sabem) que não é assim.

E o escritor prossegue: "Imaginara-se habitante, desde a Criação, de uma Terra imutável no tempo. Construíra-se uma história de poucos milhares de anos que identificava a humanidade e a civilização às nações do Oriente Próximo e, depois, à Grécia e Roma. Pensara-se diferente, em essência, dos animais; senhor do mundo e dono de seus próprios pensamentos. Em breve, no novo século, ele terá de defrontar-se com a destruição de todas essas certezas, com uma diversa, menos narcisista mas decerto mais dramática, imagem do homem".

Será a real? Terá, pelo menos, a mais leve das proximidades com a verdade? Ou a subjetividade e o preconceito continuarão determinando os julgamentos? Vai depender de cada um de nós. Ou talvez nem dependa...

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