Wednesday, September 26, 2007

Tirania da consciência


Pedro J. Bondaczuk

As tiranias, seja de que natureza forem, são intoleráveis, embora parcela considerável da humanidade ainda esteja, em pleno terceiro milênio da Era Cristã, submetida a várias delas, ao redor do mundo. A História está repleta de relatos de atrocidades de toda a sorte cometidas por tiranos ferozes, cínicos e impiedosos, que deixaram seus rastros de sofrimento e de sangue através dos tempos. Não vai, aí, nenhuma novidade. Nada do que escrevi acima é desconhecido por quem quer que seja.
Há, porém, um “tirano” (um único e solitário tirano) ao qual deveríamos nos submeter sempre, para que nossos atos, pensamentos e sentimentos pudessem ser todos construtivos e nos engrandecessem e exaltassem. Não se trata, já vou adiantando, de nenhum líder político, ou general, ou mentor de qualquer ideologia etc. A bem da verdade, não é, sequer, uma pessoa.
O líder da desobediência civil e resistência pacífica indiana, uma das mentes mais lúcidas e positivas do século passado, pai da independência do seu país, Mohandas Karamanchand Gandhi, conhecido como “Mahatma” (que significa “grande alma”) defendeu com vigor a espontânea submissão a esse “tirano” (ele que se opunha a todas as formas de tiranias) e confessou que esse era o único que aceitava. E quem seria ele? Na verdade, nem é “ele”, mas é “ela”. E o líder indiano a identifica: “...É a voz silenciosa dentro de mim: a consciência”.
Deveríamos todos, em toda e qualquer circunstância, nos submeter a essa “tirania”. Torná-la, até, compulsória, obrigatória, indiscutível e inquestionável. Poucos de nós, na verdade, agimos assim. O filósofo norte-americano Will Durant comentou, no seu clássico “Filosofia da Vida”: "Considere-se a consciência. Que misteriosa faculdade é esta que nos faz cientes do que estamos fazendo, ou do que fizemos, ou do que pretendemos fazer? Que percebe o conflito das nossas próprias idéias e por meio de umas critica outras? Que imagina possíveis reações e prevê resultados prováveis? Que, depois de pacientemente analisada uma situação, a atende com os recursos do pensamento e do desejo coordenados num sentido criador?".
É comum dizer-se, de pessoas maldosas, que utilizam todo o seu tempo para lesar ou aborrecer outras, ou para agredir os mais fracos, ou para burlar as leis e as normas morais e que não se arrependem (pelo menos externamente) dos seus atos, que elas "não têm consciência". Certamente todos já ouvimos, ou até já nos utilizamos, dessa expressão. Mas ela não é verdadeira. Possuir consciência, com certeza, essas pessoas nefastas possuem. O que não fazem é atender aos seus ditames. Não se submetem à sua desejável tirania.
Para melhor entendimento da questão, faz-se necessária uma definição clara e simples a propósito. O que é a consciência? É, grosso modo, o conhecimento objetivo de tudo o que nos cerca e das informações que recebemos de várias fontes, internas ou externas. Ou seja, é o "saber que sabemos que sabemos". É a ciência do bem e do mal, dos atos construtivos e destrutivos, do que devemos e do que não devemos fazer.
Há sensações, reflexões, emoções que integram o nosso patrimônio cultural, mas que ficam escondidas em um dos substratos da nossa mente, no chamado subconsciente. Subitamente, por alguma razão que desconhecemos, emerge, aflora, brota ao consciente, em geral nos momentos de maior necessidade. Por isso é que se diz, e com razão, que o homem ignora seu verdadeiro potencial.
Outros conhecimentos – estes mais impressões dos cinco sentidos – também fazem parte do nosso acervo mental, embora permaneçam encerrados num patamar abaixo ainda do da subconsciência. Trata-se do inconsciente. Em outras palavras, é "não saber que sabemos".
Por mais empedernidas ou alienadas que as pessoas sejam, sempre há um momento em suas vidas em que tomam consciência do que, de fato, são, e sobre qual o seu papel no mundo. Esse instante tão especial acontece, às vezes, à sua revelia, sem que elas se dêem conta. Até os mais insanos, mentalmente, têm (mesmo que num ínfimo momento) esse átimo de plena lucidez. Uns, surpreendem-se, positivamente, com os valores que conseguiram acumular e com a riqueza dos seus sentimentos. Outros, ficam horrorizados ao perceber o quanto são vazios, amorfos e carentes.
Devemos cultivar, pois, nosso espírito, para que esse encontro com o nosso ego seja pacífico e gratificante e nos conduza à plena felicidade. Esta, afinal, está dentro de nós e nunca alhures. Somos seres racionais, com liberdade para escolher entre vários caminhos. O que temos é que exercer plenamente essa racionalidade e optar entre o certo e o errado, entre o bem e o mal, entre a sublimidade e o horror. Ninguém deve, ou pode, fazer isso por nós.
Todos somos, em princípio, senhores da nossa trajetória pelo mundo. Ocorre que muitos abrem mão dessa prerrogativa, por não saberem fazer uso da consciência de que são dotados. Permitem que ela se atrofie, se esclerose, beire a necrose. São guiados, não guiam. São conduzidos, não conduzem. São influenciados, não influenciam. De tanto fazer concessões, abrem mão da vida, em seu sentido mais elevado: o da dignidade. Não se submetem à única “tirania” que deveriam admitir e se dão mal. Nasceram com o estigma dos perdedores.

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