Monday, September 17, 2007

Poesia concreta - I


Pedro J. Bondaczuk


A poesia concreta, movimento artístico genuinamente brasileiro, completou 50 anos do seu lançamento em dezembro de 2006, sem que houvesse grande repercussão na imprensa, a não ser em veículos especializados em literatura. E, assim mesmo, a divulgação ficou muito aquém do esperado, se levarmos em conta a importância que essa revolução poética teve (e tem) para a cultura nacional. Na verdade, tudo começou em 1952, quando um grupo de poetas (notadamente os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari) se congregou para lançar uma nova revista: a Noigandres, palavra extraída de um poema de Ezra Pound, sem nenhum significado.
Ressalte-se que a expressão “arte concreta” é muito anterior a esse movimento. Foi usada, pela primeira vez, não na poesia, mas no campo das artes plásticas, por Theo Van Doesburg, em 1930, para caracterizar toda a arte que se tinha desvinculado por completo da mera imitação da natureza. Ou seja, aquela de caráter não-figurativo. Quem trouxe esses princípios para o campo das letras foram, originalmente, os irmãos Campos e Décio Pignatari, aos quais logo vieram se juntar o carioca Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Waldimir Dias Pino.
Não tardou para que o movimento ganhasse novas adesões, entre as quais as de José Lino Grünewald, Reinaldo Jardim e do crítico Oliveira Bastos. Até Manuel Bandeira, na ocasião o decano do Modernismo no Brasil, chegou a realizar algumas experiências poéticas concretas. E foi além da mera experimentação. Em sua coluna diária de crônicas, publicada em vários jornais do País, o poeta pernambucano fez vários comentários favoráveis a essa renovadora tendência poética.
Mas o marco oficial do novo movimento foi, mesmo, a Exposição Nacional de Arte Concreta, levada a efeito no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) em dezembro de 1956. Participaram dessa mostra histórica os artistas plásticos Geraldo Barros, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Waldemar Cordeiro, João S. Costa, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Maurício Nogueira Lima, Rubem M. Ludolf, César Oiticica, Hélio Oiticica, Luís Sacilotto, Décio Vieira, Alfredo Volpi, Alexandre Wollner, Lothar Charoux, Lygia Pape, Amílcar de Castro, Kasmer Fejer, Franz J. Weissmann e Ivan Serpa. E, claro, como convidados de honra, fizeram-se presentes os poetas Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Waldimir Dias Pino.
Foram expostos, naquela oportunidade, cartazes-poemas, ao lado de obras pictóricas e de esculturas. A mostra foi um sucesso, pelo menos de crítica. Agitou os meios artísticos paulistas e não tardou a ganhar repercussão nacional. Claro que, junto a referências elogiosas aos trabalhos expostos, não faltaram críticas, que, aliás, todas as obras transgressoras de cânones vigentes, via de regra, produzem. As soluções gráficas dos cartazes (como padronização de tipos, diagramação etc.) foram sugeridas na ocasião pelo artista plástico e publicitário Hermelindo Fiaminghi, um dos expositores.
Contudo, o impacto maior da eclosão do movimento concreto não foi o causado pela mostra paulista. Ocorreu, de fato, quando a exposição foi levada ao Rio de Janeiro, dois meses depois, em fevereiro de 1957. Muitos críticos consideram esta segunda data como a da gênese do concretismo poético no Brasil. Discordo. Mas devo admitir que só a partir dessa segunda mostra, montada no saguão do Ministério de Educação e Cultura da então Capital Federal, que a poesia concreta ganhou amplo espaço na imprensa, já que jornais e revistas, de grande circulação, deram cobertura ao evento.
Tenho uma visão bastante particular sobre movimentos e escolas literários, que tentarei expor de forma bastante sucinta. A palavra “poesia”, permitam-me lembrar, vem do grego “poesis”. Trata-se de substantivo derivado do verbo “poieô”, que indica a ação de fazer. “Poieô” tem, também, estes significados: fabricar, confeccionar, fazer por si, fazer de acordo com seu gosto, criar por si, fazer a si mesmo e apreciar, julgar.
Por derivação, “poietis” é o sujeito realizador dessas ações. Ou seja, é o autor, criador, inventor, fabricante, artesão. Sua realização é a “poiesis” e o “poiema”, a obra, os atos de criação do espírito, a invenção. O poeta, portanto, é um criador. Cria novos seres a partir dos que já existem. Ou seja, lhes dá novas significações e expressões. Daí fazer-se, com assiduidade, uma analogia (bastante válida) entre a poesia e a criação divina.
Para mim, não importa a forma com que um poema é produzido. O que conta é a criatividade, a originalidade e o bom-gosto da obra. No meu processo de criação poética, tanto lanço mão de princípios do parnasianismo, ou do simbolismo, ou de formas muito mais antigas, quanto (quando julgo ser a melhor maneira de expressar o que quero) de cânones da poesia concreta. Tanto recorro, por exemplo, ao soneto, com métrica, rima e ritmo, quanto a versos brancos, dependendo do quê e de como desejo me expressar.
É certo que movimentos como o concretismo contribuem para renovar a arte de compor. Faço uma analogia com a água. Se esta for corrente, tende sempre a se renovar, a se purificar, a ser potável. Se ficar estagnada, contudo, em pouco tempo se torna doentia, poluída, insalubre, não-utilizável para consumo.
Esses movimentos renovadores fornecem, ao artista, alternativas, que são sempre válidas, desde que utilizadas com perícia, com talento e com bom-gosto. Mas não me sinto antiquado e nem considero o poema como inferior se recorrer às regras do parnasianismo, por exemplo. Não se trata de preconceito da minha parte contra o que lembre vanguarda, já que em arte, idéias preconcebidas, dogmas e regras rígidas somente tendem a engessar a criatividade.
Tanto não sou avesso à poesia concreta (como chegaram a me acusar), que em inúmeras ocasiões perpetrei poemas com essas características, como o que peço licença para expor, abaixo, composto em Campinas, em 30 de outubro de 1982:

Sol, som, só

Sol.
Som.
Só.

Soluço sombrio
solvendo sossego,
saindo sozinho
sem solução.

Sombras salientes,
severas, soturnas,
sangram, sicárias,
suas saudades.

Sonhando,
sofrendo,
suando,
sabendo,
semeio
safiras,
seduzo
sereias,
saqueio
sampanas,
sibilo
sonetos,
sossego
sabendo,
sentindo
ser só.

Sol,
suor,
seiva...
Sons,
silvos,
sambas.
Saudades,
"soledades",
solidão...

Um dos criadores da poesia concreta, Augusto de Campos, explicou, em um artigo: “A revolta da poesia concreta não é contra a linguagem. É contra a infuncionalidade e a formalização da linguagem (...) não há razão para supor que os poetas concretos tenham criado uma nova linguagem, ou seja, que sua poesia escape por completo a qualquer categoria formal da linguagem. Se suas estruturas não coincidem com um determinado tipo de estrutura lingüística (a ocidental ou indo-européia, de modo geral) imposto pela tirania do hábito, isto não quer dizer que os poetas concretos não se sirvam de procedimentos conceituais e gramaticais universamente conhecidos”.
Em suma, para mim, da forma que entendo essa importante vertente de expressão artística, não há poesia arcaica e nem de vanguarda. Ela não pode, não deve e nem é antiquada ou moderna. Nada proíbe (nem deve proibir) o poeta de lançar mão de que forma que for de expressão. Só há um, e único tipo de poesia: a que sensibiliza, que comunica, que transmite pensamentos, sentimentos e emoções. E esse, parodiando Carlos Drummond de Andrade, é, sobretudo, eterno.

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