Tuesday, September 18, 2007

Poesia concreta - II


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

VALORIZAÇÃO DA PALAVRA

O concretismo não desvalorizou a palavra. Não lhe conferiu papel secundário nas composições, como (afoitamente) afirmaram seus detratores. Pelo contrário. Valorizou a palavra ao extremo. Agregou-lhe, entre outras coisas, elementos de outras formas de expressão, como o grafismo, como sons, como recursos audiovisuais e das artes plásticas etc.
Sua influência, pois, extrapolou o mero campo da literatura (notadamente de um de seus principais gêneros, a poesia). Contribuiu, e muito, para a evolução, por exemplo, da publicidade, que teve um salto qualitativo notável ao aderir aos princípios co concretismo. Influiu, também, na música popular brasileira, notadamente na Bossa Nova (pouco) e no Tropicalismo (em profundidade). E apontou novos e originais caminhos inclusive para as artes plásticas.
Conforme Augusto de Campos, um de seus criadores, esclareceu – em um artigo, hoje histórico, publicado, originalmente, na revista “Arquitetura e Decoração” (São Paulo – Edição de novembro/dezembro de 1956 – nº 20) – os poetas concretistas propunham, para a criação de uma nova poesia (enfática, viva, dinâmica e objetiva, sobretudo “concreta”, para fazer jus à designação do movimento), alguns conceitos, que na época, foram considerados transgressores até mesmo dos cânones do nosso idioma.
Por exemplo, aboliram o verso tradicional. Como? Eliminando “seus laços sintáticos” – preposições, conjunções, pronomes etc. – produzindo, dessa forma, uma poesia “feita quase que, apenas, de substantivos e verbos”. Foram mais longe. Passaram a utilizar “uma linguagem necessariamente sintética, dinâmica, como era a característica da sociedade industrial” que então se implantava no País, fruto das ousadas iniciativas do então recém-empossado presidente desenvolvimentista Juscelino Kubitschek, que prometia realizar “50 anos em 5” e, dessa forma, recuperar o tempo perdido e trazer o Brasil da estagnação para a modernidade (sobretudo econômica e social).
A nova poesia dava “destaque para a importância do olho na comunicação mais rápida”, trazendo para o verso recursos característicos de anúncios luminosos, de histórias em quadrinhos e de tudo o que sugerisse movimento, dinamismo e concretude. Quanto à forma verbal de expressão, os concretistas passaram a usar e a abusar de paronomásias (ou seja, o emprego de palavras semelhantes no som, mas diferentes no sentido, os trocadilhos), de neologismos e de estrangeirismos, o que, até então, era considerado heresia para os poetas.
E mais: propunham-se “a separar prefixos e sufixos. Repetir certos morfemas (elementos lingüísticos de significação que servem para relacionar semantemas nas proposições e delimitar a sua função e significação). Valorizar a palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e se recompõe na página”.
A propósito, a título de esclarecimento, lembro que “semantema” é o elemento designativo da palavra, ou seja, seu radical ou raiz. O objetivo maior dessas mudanças, ainda conforme Augusto de Campos, era o de “transformar o poema em objeto visual, valendo-se do espaço gráfico como agente estrutural: uso dos espaços brancos, de recursos tipográficos, etc. Em função dessas propostas, o poema deve, simultaneamente, ser lido e visto”.
Os poetas concretistas, todavia, não se contentavam, apenas, com as inovações referidas. Queriam (e foram) além, muito além disso. Augusto de Campos explica, no citado artigo: “O poema concreto ou ideograma passa a ser um campo relacional de funções. O núcleo poético é posto em evidência não mais pelo encadeamento sucessivo e linear de versos, mas por um sistema de relações e equilíbrios entre quaisquer partes do poema”.
Augusto de Campos, finalmente, sintetiza como seriam os tais poemas concretos: “Funções-relações gráfico-fonéticos (fatores de proximidade e semelhança) e o uso substantivo do espaço como elemento de composição entretêm uma dialética simultânea de olho e fôlego que, aliada à síntese ideogrâmica do significado, cria uma totalidade sensível verbivocovisual, de modo a justapor palavras e experiência num estreito colamento fenomenológico, antes impossível”.

(CONTINUA)

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