Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
POEMAS DE AMOR E ÓDIO
Para o leitor que eventualmente desconheça a obra de Ezra Pound, reproduzo, abaixo, dois dos seus poemas. O primeiro, intitula-se “Portrait d’une femme” e foi traduzido por José Lino Grünwald. O segundo, tem o título “Com usura” e contou com a tradução de Augusto Campos:
Portrait d’une femme
Tua mente e tu são nosso mar sargaço.
Londres te revolveu nestes vinte anos
e luzentes navios legaram-te por paga
uns resquícios esparsos: idéias, bate-papo
estranhos mastros de sabedoria,
embaçados artigos de comércio.
Homens de espírito a ti acorreram
à falta de alguém mais.
Foste sempre a segunda. Trágico?
Não. Preferiste isto ao lugar-comum:
um sujeito vulgar, insípido e submisso,
uma inteligência média
e com um pensamento menos cada ano.
Oh, sei que és paciente e já te vi imersa
horas, quando algo poderia vir à tona.
E agora pagas. Sim, sobejamente pagas,
tu és uma pessoa de certo interesse,
alguém chega-se a ti e leva um lucro estranho,
troféus içados, uma opinião peculiar,
eventos sem sentido e uma história ou duas,
grávidas de mandrágoras, ou de outras coisas,
que podiam ser úteis, porém nunca são,
não cabem em lugar nenhum, de nada valem,
nem encontram sua hora à passagem dos dias:
o antigo, o belo, o opaco, o pomposo lavor;
os ídolos e âmbares e adornos raros,
assim são tuas ricas e imensas reservas.
Mas, provisão marinha de coisas efêmeras,
nessas solertes selvas já semi-encharcadas
com mais novas e mais gloriosas bagatelas,
no lento flutuar em vária luz e treva,
não! Não existe nada! No todo e em tudo
nada que inteiramente seja teu.
Tal, no entanto, és tu.
Com usura
Com usura nenhum homem tem casa de boa pedra
blocos lisos e certos
que o desenho possa cobrir,
com usura
nenhum homem tem um paraíso
pintado na parede de sua igreja
harpers et luthes
ou onde a virgem receba mensagem
e um halo se irradie do entalhe,
com usura
ninguém vê Gonzaga seus herdeiros e concubinas
nenhum quadro é feito para durar e viver conosco,
mas para vender, vender depressa,
com usura, pecado contra a natureza,
teu pão é mais e mais feito de panos podres
teu pão é um papel seco,
sem trigo do monte, sem farinha pura
com usura o traço se torna espesso
com usura não há clara demarcação
e ninguém acha lugar para sua casa.
Quem lavra a pedra é afastado da pedra
O tecelão é afastado do tear
com usura
a lã não chega ao mercado
a ovelha não dá lucro com a usura
a usura é uma praga, a usura
embota a agulha nos dedos da donzela
tolhe a perícia da fiandeira. Pietro Lombardo
não veio da usura
Duccio não veio da usura
Nem Píer de la francesca, nem Zuan Bellini veio
Nem usura pintou La Callunia.
Angélico não veio da usura; Ambrogio Praedis não veio
nenhuma igreja de pedra lavrada, com a inscrição “Adamo me facit”.
Nenhuma St. Trophine,
nenhuma Saint Hilaire,
usura enferruja o cinzel
enferruja a arte e o artesão
rói o fio no tear,
mulher alguma aprende a urdir o ouro em sua trama;
o carmesim não é bordado,
o esmeralda não encontra um Memling.
Usura mata a criança no ventre
detém o galanteio do moço
ela
trouxe paralisia ao leito, jaz
entre noivo e noiva
“contra naturam”.
Meretrizes para Elêusis
cadáveres no banquete
o comando da usura.
(Ensaio publicado na página 53, do Correio Popular, em 7 de julho de 1985).
(CONTINUAÇÃO)
POEMAS DE AMOR E ÓDIO
Para o leitor que eventualmente desconheça a obra de Ezra Pound, reproduzo, abaixo, dois dos seus poemas. O primeiro, intitula-se “Portrait d’une femme” e foi traduzido por José Lino Grünwald. O segundo, tem o título “Com usura” e contou com a tradução de Augusto Campos:
Portrait d’une femme
Tua mente e tu são nosso mar sargaço.
Londres te revolveu nestes vinte anos
e luzentes navios legaram-te por paga
uns resquícios esparsos: idéias, bate-papo
estranhos mastros de sabedoria,
embaçados artigos de comércio.
Homens de espírito a ti acorreram
à falta de alguém mais.
Foste sempre a segunda. Trágico?
Não. Preferiste isto ao lugar-comum:
um sujeito vulgar, insípido e submisso,
uma inteligência média
e com um pensamento menos cada ano.
Oh, sei que és paciente e já te vi imersa
horas, quando algo poderia vir à tona.
E agora pagas. Sim, sobejamente pagas,
tu és uma pessoa de certo interesse,
alguém chega-se a ti e leva um lucro estranho,
troféus içados, uma opinião peculiar,
eventos sem sentido e uma história ou duas,
grávidas de mandrágoras, ou de outras coisas,
que podiam ser úteis, porém nunca são,
não cabem em lugar nenhum, de nada valem,
nem encontram sua hora à passagem dos dias:
o antigo, o belo, o opaco, o pomposo lavor;
os ídolos e âmbares e adornos raros,
assim são tuas ricas e imensas reservas.
Mas, provisão marinha de coisas efêmeras,
nessas solertes selvas já semi-encharcadas
com mais novas e mais gloriosas bagatelas,
no lento flutuar em vária luz e treva,
não! Não existe nada! No todo e em tudo
nada que inteiramente seja teu.
Tal, no entanto, és tu.
Com usura
Com usura nenhum homem tem casa de boa pedra
blocos lisos e certos
que o desenho possa cobrir,
com usura
nenhum homem tem um paraíso
pintado na parede de sua igreja
harpers et luthes
ou onde a virgem receba mensagem
e um halo se irradie do entalhe,
com usura
ninguém vê Gonzaga seus herdeiros e concubinas
nenhum quadro é feito para durar e viver conosco,
mas para vender, vender depressa,
com usura, pecado contra a natureza,
teu pão é mais e mais feito de panos podres
teu pão é um papel seco,
sem trigo do monte, sem farinha pura
com usura o traço se torna espesso
com usura não há clara demarcação
e ninguém acha lugar para sua casa.
Quem lavra a pedra é afastado da pedra
O tecelão é afastado do tear
com usura
a lã não chega ao mercado
a ovelha não dá lucro com a usura
a usura é uma praga, a usura
embota a agulha nos dedos da donzela
tolhe a perícia da fiandeira. Pietro Lombardo
não veio da usura
Duccio não veio da usura
Nem Píer de la francesca, nem Zuan Bellini veio
Nem usura pintou La Callunia.
Angélico não veio da usura; Ambrogio Praedis não veio
nenhuma igreja de pedra lavrada, com a inscrição “Adamo me facit”.
Nenhuma St. Trophine,
nenhuma Saint Hilaire,
usura enferruja o cinzel
enferruja a arte e o artesão
rói o fio no tear,
mulher alguma aprende a urdir o ouro em sua trama;
o carmesim não é bordado,
o esmeralda não encontra um Memling.
Usura mata a criança no ventre
detém o galanteio do moço
ela
trouxe paralisia ao leito, jaz
entre noivo e noiva
“contra naturam”.
Meretrizes para Elêusis
cadáveres no banquete
o comando da usura.
(Ensaio publicado na página 53, do Correio Popular, em 7 de julho de 1985).
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