Thursday, August 16, 2007

Escritor que é sinônimo de "absurdo" - III


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

NEM CHECO, NEM ALEMÃO

Franz Kafka nasceu em Praga, em 3 de julho de 1883, numa época em que a federação da Checoslováquia sequer existia, embora houvesse forte sentimento nacionalista entre a população. O território da atual República Checa, o da Boêmia, fazia parte, então, do Império Austro-Húngaro, cujo idioma oficial era o alemão.
Seu pai, Hermann, era o típico ditador doméstico. Seus modos despóticos e rudes marcaram profundamente a delicada e sensível personalidade do jovem intelectual, que daí por diante, pelo resto da vida, se opôs (psicologicamente) a tudo o que lembrasse autoridade, embora a temesse e se sentisse forçado a se submeter a ela.
O que amenizava um pouco o ambiente doméstico em que cresceu eram os modos carinhosos e gentis da mãe, mulher calma, amorosa e compreensiva, sempre disposta a se contrapor aos modos rudes e ao temperamento brutal e explosivo do problemático marido.
Apesar do sobrenome checo (“kafka” significa “gralha” nesse idioma e o estabelecimento comercial do seu pai tinha essa ave como símbolo), Franz foi educado na rígida cultura germânica. Só falava o alemão. Escrevia seus textos nessa língua e por isso tinha dificuldades, praticamente intransponíveis, para se relacionar com a juventude inquieta e idealista da Praga de seu tempo, pela qual era rejeitado.
Era segregado pelos moços da sua idade, não por suas idéias e ações, mas por simbolizar o odioso dominador, numa época em que o nacionalismo aflorava por todo o território checo. O irônico era que sequer se sentia alemão. Kafka cresceu vivendo uma situação anômala e desagradável. Era rejeitado, por motivos opostos, pelos dois segmentos que compunham a sociedade de Praga.
Os nacionalistas checos viam nele um “adesista”, portanto um traidor, que compactuava com a Alemanha e com tudo o que de detestável ela representava. A alta burguesia, de origem germânica, por seu turno, repelia-o como um inferior, um “colonizado”.
Franz Kafka fez todos os seus estudos em escolas alemãs, assimilando, portanto, a sua influência cultural e estética. Em 1901, aos 18 anos de idade, ingressou na Universidade de Praga, onde cursou Direito, embora achasse que essa não fosse a sua verdadeira vocação. Mas era a vontade do pai, à qual se viu forçado a se submeter.
Ainda adolescente, produziu seus primeiros textos, peças teatrais para “consumo exclusivamente doméstico”. Quem as encenavam eram as irmãs, com ele na função de “diretor”. Nunca entendeu a literatura como profissão. Era a sua paixão, sua catarse, seu meio de fuga de uma realidade que considerava desagradável e hostil. Tanto é que por toda a sua vida trabalhou para se sustentar. Seus livros se tornaram sucesso somente vários anos depois da sua morte.
O primeiro emprego de Franz foi o de balconista, na loja do pai, função para a qual não levava nenhum jeito. Nunca teve vocação para o comércio e se sentia infeliz nessa tarefa. Ainda mais sob o domínio desse pai feroz e dominador. Foi, também, empregado no Instituto de Seguro Operário contra Acidentes de Trabalho, em Praga, entre outros tantos trabalhos que teve de exercer ao longo da vida.

(CONTINUA)

No comments: