Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
FAMÍLIA DE EXCÊNTRICOS
Ezra Pound Loomis nasceu na cidadezinha de Hailey, no Estado de Idaho, nos Estados Unidos, em 30 de outubro de 1885, originário de família tida e havida como “excêntrica” pelos moradores locais. Há muitas histórias divertidas, no mínimo curiosas, envolvendo vários membros desse clã. Conta-se, por exemplo, que seu avô materno mantinha correspondência sui generis com o presidente do banco local. As cartas, de parte a parte, eram escritas, todas, em versos.
A avó e os irmãos não ficavam muito atrás no quesito excentricidade. Trocavam mensagens entre si, igualmente em versos, contudo com métricas pré-estabelecidas. Numa semana as cartas eram escritas, por exemplo, em hexâmetros, em outra, em decassílabos, e assim por diante. Mas sempre adotando metrificações não-convencionais, muitas delas em desuso.
A família de Ezra, por causa desse costume e de outras tantas demonstrações de refinada cultura, entrou para o folclore de Hailey, lugarejo dos mais inexpressivos e atrasados dos Estados Unidos, de algumas poucas dezenas de residências e casas de comércio. E o poeta não degenerou aos seus.
Aos quinze anos, por exemplo, dominava o latim, com tal maestria, que lia e falava essa língua morta com fluência, com maior naturalidade, até, que o inglês. Foi aceito, em tão tenra idade, na Universidade da Pennsylvania, em virtude do brilhante currículo escolar que tinha no Hamilton College. Isso entre 1901 e 1905.
Já nessa época, Ezra demonstrava uma preocupação que o iria acompanhar pelo resto da vida. Ou seja, com os graves desníveis econômicos e, por conseqüência, sociais dos Estados Unidos. Trinta e quatro anos depois, em 1939, quando já residia na Itália, receberia uma das raras homenagens prestadas por seus compatriotas. Foi agraciado, numa das raras visitas que fez aos Estados Unidos, o título de Doutor Honoris Causa do Hamilton College. Se, então, tivesse a capacidade de prever o futuro, veria que, apenas um ano depois de receber essa honraria, se tornaria “persona non grata” na própria pátria.
Para entender a opção de Ezra Pound pelo fascismo, é preciso conhecer alguns antecedentes. E, principalmente analisar certas convicções que nutria desde menino, influenciado pelos pais. Ainda adolescente, o poeta visitou, certa ocasião, a Casa da Moeda. Esse local deixou-lhe uma só, e forte impressão. A de homens desnudos até a cintura, lançando quantidades enormes de moedas de prata em uma fornalha, que estavam sendo derretidas para evitar que houvesse excesso de dinheiro em circulação, o que provocaria inflação no país. Pelo menos foi esta a explicação que lhe deram na ocasião.
Isso chocou profundamente o garoto. Ainda mais quando via inúmeras pessoas, morrendo à míngua, ao seu redor, sem recursos para comprar sequer o essencial, ou seja, alimentos para prover sua subsistência. Recorde-se que Ezra ainda era menino, não entendia nada de economia, mas entendia muito de humanidade, mais do que se poderia esperar para sua idade.
Espírito sensível, sentia-se agredido pela miséria de dezenas de famílias na comunidade que vivia. Revoltava-se com tanta pobreza de alguns, que moravam em casas precárias, sem condições de habitabilidade, autênticas pocilgas, vitimadas por doenças decorrentes de carências materiais, da ignorância e da falta de higiene.
Foi nessa remota visita à Casa da Moeda que nasceu o rancor patológico, o ódio profundo de Ezra Pound pelo capitalismo. A partir de então, passou a denunciar, sempre que podia, a usura, que classificava como “instituição anti-natural e anti-Deus”. O mundo financeiro seria visto pelo poeta, desde então, como fonte de todos os males da humanidade. E, por conseqüência, o sistema capitalista passaria a ser considerado por ele como a “castração do homem, massificação do gado humano e o sufocamento da cultura”.
O equívoco do escritor foi, evidentemente, o de vislumbrar no fascismo de Benito Mussolini a solução para esses males sociais. Apenas no final da vida Ezra reconheceu que esteve enganado o tempo todo a esse respeito. Mas, em 1940, ficou empolgadíssimo com a marcha promovida pelo ditador italiano sobre Roma.
Deixou-se levar, ingenuamente, pela pregação do “Ducce”, que prometia a “restauração da cultura de Dante Aligheri e de um povo de santos, navegadores e poetas”. Acreditou que Mussolini preservaria, e até ampliaria, os direitos fundamentais dos cidadãos. Apoiou, sobretudo, com entusiasmo, a alegada intenção do líder fascista de “abater o capitalismo anacrônico”.
Falando dos seus motivos para a adesão ao discurso do ditador italiano, Ezra Pound explicou, anos mais tarde: “Eu estava certo de defender os direitos do indivíduo. Se, quando o Poder Executivo ou qualquer outro ramo do governo se excede em seus legítimos poderes, e ninguém protesta, todos perdem, gradualmente, suas liberdades. Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, quem tem pronta uma bela e simples resposta?”.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
FAMÍLIA DE EXCÊNTRICOS
Ezra Pound Loomis nasceu na cidadezinha de Hailey, no Estado de Idaho, nos Estados Unidos, em 30 de outubro de 1885, originário de família tida e havida como “excêntrica” pelos moradores locais. Há muitas histórias divertidas, no mínimo curiosas, envolvendo vários membros desse clã. Conta-se, por exemplo, que seu avô materno mantinha correspondência sui generis com o presidente do banco local. As cartas, de parte a parte, eram escritas, todas, em versos.
A avó e os irmãos não ficavam muito atrás no quesito excentricidade. Trocavam mensagens entre si, igualmente em versos, contudo com métricas pré-estabelecidas. Numa semana as cartas eram escritas, por exemplo, em hexâmetros, em outra, em decassílabos, e assim por diante. Mas sempre adotando metrificações não-convencionais, muitas delas em desuso.
A família de Ezra, por causa desse costume e de outras tantas demonstrações de refinada cultura, entrou para o folclore de Hailey, lugarejo dos mais inexpressivos e atrasados dos Estados Unidos, de algumas poucas dezenas de residências e casas de comércio. E o poeta não degenerou aos seus.
Aos quinze anos, por exemplo, dominava o latim, com tal maestria, que lia e falava essa língua morta com fluência, com maior naturalidade, até, que o inglês. Foi aceito, em tão tenra idade, na Universidade da Pennsylvania, em virtude do brilhante currículo escolar que tinha no Hamilton College. Isso entre 1901 e 1905.
Já nessa época, Ezra demonstrava uma preocupação que o iria acompanhar pelo resto da vida. Ou seja, com os graves desníveis econômicos e, por conseqüência, sociais dos Estados Unidos. Trinta e quatro anos depois, em 1939, quando já residia na Itália, receberia uma das raras homenagens prestadas por seus compatriotas. Foi agraciado, numa das raras visitas que fez aos Estados Unidos, o título de Doutor Honoris Causa do Hamilton College. Se, então, tivesse a capacidade de prever o futuro, veria que, apenas um ano depois de receber essa honraria, se tornaria “persona non grata” na própria pátria.
Para entender a opção de Ezra Pound pelo fascismo, é preciso conhecer alguns antecedentes. E, principalmente analisar certas convicções que nutria desde menino, influenciado pelos pais. Ainda adolescente, o poeta visitou, certa ocasião, a Casa da Moeda. Esse local deixou-lhe uma só, e forte impressão. A de homens desnudos até a cintura, lançando quantidades enormes de moedas de prata em uma fornalha, que estavam sendo derretidas para evitar que houvesse excesso de dinheiro em circulação, o que provocaria inflação no país. Pelo menos foi esta a explicação que lhe deram na ocasião.
Isso chocou profundamente o garoto. Ainda mais quando via inúmeras pessoas, morrendo à míngua, ao seu redor, sem recursos para comprar sequer o essencial, ou seja, alimentos para prover sua subsistência. Recorde-se que Ezra ainda era menino, não entendia nada de economia, mas entendia muito de humanidade, mais do que se poderia esperar para sua idade.
Espírito sensível, sentia-se agredido pela miséria de dezenas de famílias na comunidade que vivia. Revoltava-se com tanta pobreza de alguns, que moravam em casas precárias, sem condições de habitabilidade, autênticas pocilgas, vitimadas por doenças decorrentes de carências materiais, da ignorância e da falta de higiene.
Foi nessa remota visita à Casa da Moeda que nasceu o rancor patológico, o ódio profundo de Ezra Pound pelo capitalismo. A partir de então, passou a denunciar, sempre que podia, a usura, que classificava como “instituição anti-natural e anti-Deus”. O mundo financeiro seria visto pelo poeta, desde então, como fonte de todos os males da humanidade. E, por conseqüência, o sistema capitalista passaria a ser considerado por ele como a “castração do homem, massificação do gado humano e o sufocamento da cultura”.
O equívoco do escritor foi, evidentemente, o de vislumbrar no fascismo de Benito Mussolini a solução para esses males sociais. Apenas no final da vida Ezra reconheceu que esteve enganado o tempo todo a esse respeito. Mas, em 1940, ficou empolgadíssimo com a marcha promovida pelo ditador italiano sobre Roma.
Deixou-se levar, ingenuamente, pela pregação do “Ducce”, que prometia a “restauração da cultura de Dante Aligheri e de um povo de santos, navegadores e poetas”. Acreditou que Mussolini preservaria, e até ampliaria, os direitos fundamentais dos cidadãos. Apoiou, sobretudo, com entusiasmo, a alegada intenção do líder fascista de “abater o capitalismo anacrônico”.
Falando dos seus motivos para a adesão ao discurso do ditador italiano, Ezra Pound explicou, anos mais tarde: “Eu estava certo de defender os direitos do indivíduo. Se, quando o Poder Executivo ou qualquer outro ramo do governo se excede em seus legítimos poderes, e ninguém protesta, todos perdem, gradualmente, suas liberdades. Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, quem tem pronta uma bela e simples resposta?”.
(CONTINUA)
No comments:
Post a Comment