Tuesday, August 21, 2007

Escritor que é sinônimo de "absurdo" - VI


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

GRITO DE LIBERDADE

Franz Kafka deu o “grito de liberdade” do pai dominador por volta de 1922, quando conheceu Dora Dyamant. Antes de conhecê-la, todavia, manteve profunda ligação sentimental, provavelmente platônica, com outra mulher, de rara inteligência, chamada Milena, com quem trocou vasta correspondência, que ascendeu a cerca de 300 cartas. Nelas, o escritor “abriu” sua alma e expôs, com clareza e precisão, o que o atormentava. Hoje, essas mensagens são consideradas documentos muito valiosos, reveladores da estranha e atormentada personalidade de Kafka.
Essas cartas foram publicadas, em forma de livro, após a morte do escritor. Aliás, foi Milena que traduziu seus textos para o idioma checo. Apesar de se tratar de figura marcante em sua vida, o relacionamento amoroso entre ambos não prosperou.
O romance com Dora, no entanto, foi duradouro e explosivo. Ocorreu quando Kafka já estava tuberculoso e a doença avançava com grande rapidez. Esta musa dos últimos dias do escritor era filha de proletários judeus poloneses. Para viver com Dora, Franz deixou Praga, com todas as suas lembranças e tristezas, e mudou-se para Berlim.
A tuberculose avançava e Kafka não se conformava com essa ironia do destino. Trabalhava furiosa e desesperadamente e queria, mais do que nunca, viver. Desejava, ardentemente, dar todo o amor que represara a vida toda para Dora. Mas a sua situação, tanto a de saúde, quanto a financeira e política, não era nada favorável.
Na Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial e submetida pelos vencedores a humilhantes e vexatórias condições, já se manifestavam os primeiros sinais de intolerância e de ódio racial, que iriam dar margem ao surgimento do nazismo e aos acontecimentos que levariam o país à ruína e a Europa à catástrofe. O inverno de 1923 para 1924 foi dos mais rigorosos dos últimos anos.
Franz Kafka chegou a passar fome e frio nesse período, o que só agravou seu estado de saúde, que já era dos mais precários. Seu tio, ao fazer-lhe uma visita, decidiu levá-lo de volta a Praga, mesmo contra a sua vontade, internando-o num sanatório de Kierling. Tarde demais.
Em 3 de junho de 1924, após expulsar do quarto a enfermeira e pedir morfina a um amigo, para aplacar o sofrimento, o escritor mais solitário e angustiado do século passado expirou, sem ter logrado vencer sua solidão...Tornou-se, em contrapartida, porta-voz do inconformismo, ácido crítico do absurdo do sistema que nos submete e nos tritura.

(Ensaio publicado na página 20, Especial, do Correio Popular, em 15 de abril de 1988).

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