Tuesday, August 14, 2007

Escritor que é sinônimo de "absurdo"


Pedro J. Bondaczuk


O campineiro amante de teatro teve, há quase vinte anos, o raro privilégio de apreciar, no palco do Teatro Castro Mendes, de Campinas, a encenação de três peças, inspiradas na obra de um dos escritores mais comentados (e menos conhecidos) do século passado. A memorável apresentação teve a direção de um dos teatrólogos mais criativos e singulares do País: Gerald Thomas. E não poderia ser outro a encarar esse desafio. Afinal, posto que de gerações diferentes, separados por décadas no tempo e no espaço, autor e diretor guardam mais semelhanças do que diferenças de idéias e de comportamentos.
Quem viu, viu, quem não viu, não sabe o que perdeu. Mais vantagens teve, ainda, quem não apenas assistiu às peças, mas também leu os livros que as ensejaram. O autor dos referidos textos foi um intelectual inovador, originalíssimo, cujos enredos são instigantes e, sobretudo, insólitos. A tal ponto, que ele próprio já se tornou uma espécie de sinônimo do “absurdo”, do irracional, do inexplicável pelos padrões comuns, de situações-limites de impasse. Refiro-me a Franz Kafka.
Muitos o citam, amiúde, mas poucos tiveram o privilégio de ler sua obra marcante e inesquecível. Sempre que se quer referir, por exemplo, a uma situação absurda, não raro dizemos que a mesma é “kafkiana”, sem ao menos nos darmos conta de quem foi esse escritor tão original. E quem, de fato, foi esse Franz Kafka? É o que procurarei esboçar, em ligeiras pinceladas, neste despretensioso ensaio.
Na oportunidade a que me refiro, foi encenado, no palco do Teatro Castro Mendes (entre outros), o principal trabalho desse autor: um texto intrigante, insólito e denso, “O Processo”. Esse mesmo livro já havia sido adaptado, há um certo tempo, para o cinema, por outro gênio (que, como ele, também foi incompreendido): Orson Welles. Já a adaptação teatral mais conhecida foi a feita por André Gide e Jean-Louis Barrault, a escolhida por Gerald Thomas.
A obra kafkiana caracteriza-se por refletir imensa solidão. Seus personagens são, em geral, seres incompreendidos, envolvidos em situações absurdas, enredados em estranhas tramas, em enormes equívocos, dos quais, por mais que tentem, não conseguem se livrar. É evidente que cada escritor, consciente ou inconscientemente, passa para o papel aspectos da própria vida. Reproduz, à sua maneira, conforme sua personalidade e o estilo que adota, fatos que protagonizou, ou que testemunhou, ou que ouviu contar. Expõe ao público, sem o menor pudor, as próprias vísceras: suas iras e seus amores, seus anjos e seus demônios interiores, seus pensamentos e seus sentimentos, seus sonhos e pesadelos.
Talvez melhor do que os enredos das histórias de Franz Kafka, portanto, sua biografia (uma sucessão de acontecimentos insólitos e absurdos) seja até mais interessante e, sobretudo, reveladora da sua personalidade. Para entender sua obra, pois, é indispensável conhecer alguns detalhes da sua vida.
Destaque-se que o escritor viveu cercado de incompreensão e de preconceitos, em uma Europa em plena efervescência e transformação. Embora tivesse vivido antes do aparecimento do nazismo, sentiu, na própria carne, parte daquilo que o povo, do qual procedia, viria a sofrer, de forma extremamente dramática e cruel.
Franz Kafka era judeu. E o anti-semitismo já aflorava, no período da sua mocidade, por todo o continente europeu (a rigor, sempre existiu, mas permaneceu encoberto, por algum tempo, como que adormecido, para despertar, com renovado vigor, anos depois) embora os que o praticavam negassem, enfaticamente, que estivessem agindo movidos por esse secular preconceito.

(CONTINUA)

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