Pedro J. Bondaczuk
Os poetas, por sua posição nada convencional diante do mundo, são, muitas vezes, vistos como pessoas excêntricas e distanciadas da realidade. Alguns, incompreendidos pelos poderosos, acabaram seus dias perseguidos, injuriados e encarcerados em prisões. O exemplo mais característico, neste caso, é o de François Villon, que se tornou um dos bandoleiros mais temidos e odiados da França, no século XV, um dos principais membros da Coquenville (Cavalheiros do Punhal), malta demoníaca de gatunos, trapaceiros, arrombadores, batedores de carteiras, salteadores de estradas, assassinos e rufiões, que fizeram daquele período uma época de terror. Dele se disse que “poucos homens foram culpados de crimes mais torpes. Contudo, poucos homens expressaram pensamentos mais puros”.
Outros poetas, no entanto, assumiram papéis de “bobos da corte”, de bufões, de bajuladores, em determinados regimes, para ter salvo-conduto para suas opiniões e, assim, poderem dizer o que pensavam, sem os riscos potenciais inerentes à “sinceridade”. Não eram levados a sério e, por isso, ficavam imunes às perseguições.
Houve, até, os que terminaram a vida de forma ainda mais melancólica, internados em hospícios, considerados lunáticos, malucos, insanos mentalmente e, portanto, perigosos para o convívio em sociedade. E isso muitos anos antes dos soviéticos consolidarem essa prática, a de mandar para manicômios seus intelectuais dissidentes.
Nosso personagem de hoje, cujo centenário de nascimento transcorreu em 1985, sem festas, comemorações e com raríssimos registros na mídia, foi uma dessas personalidades obcecadas pela verdade, pela justiça e, sobretudo, pela beleza. E, principalmente, pelo irrestrito respeito aos direitos individuais. Essa obsessão, todavia, fez com que perdesse o senso de objetividade, em seus julgamentos e ações políticas. Deixou-se levar pela paixão, em detrimento da razão. E foi essa cegueira que o levou a cometer imensos equívocos, que lhe trouxeram conseqüências sumamente danosas.
Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, apoiou, convictamente, as potências do Eixo, contra seu próprio país, os Estados Unidos. Por essa razão, foi considerado, pela justiça norte-americana, como traidor da pátria. Escapou de um humilhante e desonroso julgamento público, mas foi considerado “insano” mentalmente. Se escapou da prisão, no entanto, foi punido com uma pena tão ou mais severa: acabou confinado, por doze intermináveis anos, em um hospital psiquiátrico de Washington, desacreditado por completo como artista e intelectual. Seu confinamento foi, sem dúvida, a “morte social” desse nosso personagem.
Essas contingências políticas influenciaram, também, e decisivamente, no julgamento de toda a sua densa e original obra poética – revolucionária, posto que nihilista – por parte dos críticos literários, tanto os do seu país, quanto os de outras partes do mundo. Muito intelectual, ainda hoje, torce o nariz, contrariado, à simples menção do seu nome. Seus noventa e tantos livros foram ignorados e simplesmente banidos das livrarias e bibliotecas e seu nome tornou-se sinônimo de anátema. Outros tantos não o conhecem nem de ouvir dizer, já que os meios de comunicação o ignoraram por completo, como se sequer houvesse existido, e os editores não ousaram publicar nenhuma das suas obras.
O personagem, sobre o qual peço licença para traçar ligeiras considerações, é o poeta norte-americano Ezra Pound, “maldito entre os malditos” na maioria dos círculos literários (que não agem com a desejável isenção para desvincular o pensamento e a criação desse polêmico, mas genial, poeta e intelectual, das convicções ideológicas que nutriu). O crítico Alan Tate, por exemplo, não o absolve do que considera seu “maior pecado”, que foi o de apoiar, ativa e incondicionalmente, o nazi-fascismo.
Todavia, ainda assim, reconhece seu talento (e nem poderia deixar de reconhecer), ao declarar: “Ao votar para que os Cantos de Pound recebessem o Prêmio Bollingen (em 1949), eu reconhecia por um lado que ele tinha feito mais do que qualquer ser humano para regenerar a linguagem, senão a fantasia criativa, do verso inglês. Mas por outro, tinha que reconhecer o fato desagradável de que ele conseguiria isso em passagens versificadas que refletiam opiniões capazes de cobrir toda a gama que vai do pueril ao detestável. Não aceito a defesa da irresponsabilidade (política) de Pound, que não chegou a contaminar a sua poesia. As opiniões desagradáveis (anti-semitas, fascistas) estão bem no cerne de sua poesia. E temos que reconhecê-las como sendo o que realmente são: pontos de vista de uma pessoa cuja filosofia de vida é imatura e incoerente”.
Como foi esse Ezra Pound, mais detestado do que admirado ou sequer conhecido? O que fez de tão grave, a ponto de despertar tamanha ira de tantos, de ser desterrado, literariamente, até por muitos que lhe deveram tanto, face aos inúmeros favores que prestou e ser tido como mentalmente insano? E, principalmente, o que o levou a agir como agiu?
(CONTINUA)
Os poetas, por sua posição nada convencional diante do mundo, são, muitas vezes, vistos como pessoas excêntricas e distanciadas da realidade. Alguns, incompreendidos pelos poderosos, acabaram seus dias perseguidos, injuriados e encarcerados em prisões. O exemplo mais característico, neste caso, é o de François Villon, que se tornou um dos bandoleiros mais temidos e odiados da França, no século XV, um dos principais membros da Coquenville (Cavalheiros do Punhal), malta demoníaca de gatunos, trapaceiros, arrombadores, batedores de carteiras, salteadores de estradas, assassinos e rufiões, que fizeram daquele período uma época de terror. Dele se disse que “poucos homens foram culpados de crimes mais torpes. Contudo, poucos homens expressaram pensamentos mais puros”.
Outros poetas, no entanto, assumiram papéis de “bobos da corte”, de bufões, de bajuladores, em determinados regimes, para ter salvo-conduto para suas opiniões e, assim, poderem dizer o que pensavam, sem os riscos potenciais inerentes à “sinceridade”. Não eram levados a sério e, por isso, ficavam imunes às perseguições.
Houve, até, os que terminaram a vida de forma ainda mais melancólica, internados em hospícios, considerados lunáticos, malucos, insanos mentalmente e, portanto, perigosos para o convívio em sociedade. E isso muitos anos antes dos soviéticos consolidarem essa prática, a de mandar para manicômios seus intelectuais dissidentes.
Nosso personagem de hoje, cujo centenário de nascimento transcorreu em 1985, sem festas, comemorações e com raríssimos registros na mídia, foi uma dessas personalidades obcecadas pela verdade, pela justiça e, sobretudo, pela beleza. E, principalmente, pelo irrestrito respeito aos direitos individuais. Essa obsessão, todavia, fez com que perdesse o senso de objetividade, em seus julgamentos e ações políticas. Deixou-se levar pela paixão, em detrimento da razão. E foi essa cegueira que o levou a cometer imensos equívocos, que lhe trouxeram conseqüências sumamente danosas.
Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, apoiou, convictamente, as potências do Eixo, contra seu próprio país, os Estados Unidos. Por essa razão, foi considerado, pela justiça norte-americana, como traidor da pátria. Escapou de um humilhante e desonroso julgamento público, mas foi considerado “insano” mentalmente. Se escapou da prisão, no entanto, foi punido com uma pena tão ou mais severa: acabou confinado, por doze intermináveis anos, em um hospital psiquiátrico de Washington, desacreditado por completo como artista e intelectual. Seu confinamento foi, sem dúvida, a “morte social” desse nosso personagem.
Essas contingências políticas influenciaram, também, e decisivamente, no julgamento de toda a sua densa e original obra poética – revolucionária, posto que nihilista – por parte dos críticos literários, tanto os do seu país, quanto os de outras partes do mundo. Muito intelectual, ainda hoje, torce o nariz, contrariado, à simples menção do seu nome. Seus noventa e tantos livros foram ignorados e simplesmente banidos das livrarias e bibliotecas e seu nome tornou-se sinônimo de anátema. Outros tantos não o conhecem nem de ouvir dizer, já que os meios de comunicação o ignoraram por completo, como se sequer houvesse existido, e os editores não ousaram publicar nenhuma das suas obras.
O personagem, sobre o qual peço licença para traçar ligeiras considerações, é o poeta norte-americano Ezra Pound, “maldito entre os malditos” na maioria dos círculos literários (que não agem com a desejável isenção para desvincular o pensamento e a criação desse polêmico, mas genial, poeta e intelectual, das convicções ideológicas que nutriu). O crítico Alan Tate, por exemplo, não o absolve do que considera seu “maior pecado”, que foi o de apoiar, ativa e incondicionalmente, o nazi-fascismo.
Todavia, ainda assim, reconhece seu talento (e nem poderia deixar de reconhecer), ao declarar: “Ao votar para que os Cantos de Pound recebessem o Prêmio Bollingen (em 1949), eu reconhecia por um lado que ele tinha feito mais do que qualquer ser humano para regenerar a linguagem, senão a fantasia criativa, do verso inglês. Mas por outro, tinha que reconhecer o fato desagradável de que ele conseguiria isso em passagens versificadas que refletiam opiniões capazes de cobrir toda a gama que vai do pueril ao detestável. Não aceito a defesa da irresponsabilidade (política) de Pound, que não chegou a contaminar a sua poesia. As opiniões desagradáveis (anti-semitas, fascistas) estão bem no cerne de sua poesia. E temos que reconhecê-las como sendo o que realmente são: pontos de vista de uma pessoa cuja filosofia de vida é imatura e incoerente”.
Como foi esse Ezra Pound, mais detestado do que admirado ou sequer conhecido? O que fez de tão grave, a ponto de despertar tamanha ira de tantos, de ser desterrado, literariamente, até por muitos que lhe deveram tanto, face aos inúmeros favores que prestou e ser tido como mentalmente insano? E, principalmente, o que o levou a agir como agiu?
(CONTINUA)
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