Que se preserve a obra de Lobato
Pedro J. Bondaczuk
O Sítio do Pica-Pau Amarelo está de novo no ar, após um período de ausência, motivado por um incêndio que consumiu diversos equipamentos usados para a sua gravação. E voltou mais ou menos no seu estilo tradicional. Ou seja, usando os personagens criados pelo gênio imortal de Monteiro Lobato, mas vivendo aventuras e situações diferentes das idealizadas pelo seu criador.
Diversas polêmicas ganharam os jornais, desde maio passado, sobre esse fato. Alguns críticos mostraram-se irritados com esse procedimento. Outros, defenderam a “modernização” das aventuras vividas por Pedrinho, Emília, Narizinho, Dona Benta, Tia Anastácia, Visconde de Sabugosa e Marquês de Rabicó. Para estes últimos, Lobato aprovaria as adaptações, se estivesse vivo, dado o seu espírito aberto a novidades.
Nós temos o nosso ponto de vista firmado a respeito e não vemos com muito entusiasmo um procedimento desses. Afinal, aa obra do combativo escritor é mais do que suficiente para outros sete anos (ou mais) de programa, sem que seja necessário inventar novsas tramas para movimentar seus personagens.
É fato que a televisão, especialmente a Rede Globo, popularizou o trabalho de Monteiro Lobato, ao ponto de hoje, praticamente, não existir nenhuma pessoa, razoavelmente informada, que não conheça as características irreverentes, por exemplo, da boneca Emília, que o seu criador usava sempre que desejava expressar as grandes verdades, de uma forma que se fizesse entendido por todos. Ou da Dona Benta, em cuja boca Lobato colocava os ensinamentos que pretendia transmitir para as crianças de uma forma didática e perfeitamente compreensível para todas elas. Ou do Visconde de Sabugosa, o “consultor” científico do Sítio.
Não é menos verdade ser preferível se colocar no ar um trabalho de autor brasileiro para fazer a cabeça do público infantil, do que enlatados alienígenas, que nada têm a ver com a nossa realidade e nossos costumes, do tipo “Sesame Street” (que entre nós se chamou “Vila Sésamo”). Esse programa pode ter sido extremamente popular nos Estados Unidos, mas na TV brasileira, não conseguiu emplacar. Tanto não, que deixou de ser apresentado.
Mas, embora admitindo tudo isso, é inadmissível que um trabalho de caráter intelectual, de escritor já morto, seja desfigurado, apenas porque seus personagens são de fácil aceitação por parte das crianças. Adaptar uma obra literária para a TV, ou para o cinema, explorando aquilo que ela tem de melhor, em termos visuais, é, ao nosso ver, uma atitude válida.
Foi através desses modernos meios de comunicação que a maior parte das pessoas tomou conhecimento de grandes romances, contribuindo para imortalizar seus geniais autores. Mas é indispensável que esse trabalho intelectual não seja descaracterizado. Que as situações imaginadas pelo escritor sejam transportadas, da maneira mais fiel possível, para as telas e para os vídeos. Que o adaptador evite de “criar” em cima de criação alheia.
Entretanto, tomar apenas os personagens inventados por um romancista, novelista ou contista e coloca-los em tramas totalmente diversas das previstas pelo seu criador, é prática que não se justifica, qualquer que seja a circunstância.
O leitor já imaginou alguém colocar o Padre Amaro, de Eça de Queiroz, participando de conflitos de terras no Sul do Pará, por exemplo? Ou o velho Santiago, personagem do livro “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemmingway, chefiando uma equipe da Guarda Costeira para arpoar seu marlim numa praia de veranistas? Ou o estudante de “Crime e Castigo”, de Dostoievsky, matando a velhinha avarenta da história, a jogando de uma janela de um edifício de apartamentos, após alguma festinha de embalo? Seria ridículo, não é verdade? E certamente despertaria a revolta geral dos meios intelectuais contra quem ousasse perpetrar essa heresia.
E por que não se age da mesma forma em relação a Lobato? Quando a Rede Globo lançou esse programa, fomos daqueles que aplaudiram a medida, por ver nela a valorização da cultura brasileira. Somos, ainda, favoráveis à manutenção do “Sítio” no ar. Mas respeitando-se, rigorosamente, dentro do possível, o texto original, aquele escrito com tamanha verve e maestria por esse escritor rebelde, com a cabeça muito além do seu tempo e que apostava no futuro deste país, que tanto amou.
Afinal, Lobato pagou caro, muito caro por suas criações. Foi incompreendido, achincalhado, boicotado e até preso, pelo simples “crime” de acreditar em nosso potencial, indispondo-se com os poderosos grupos estrangeiros, cujo único objetivo era o de nos manter num eterno e constrangedor atraso.
Que se popularize, pois, a obra desse pensador. Por mais que for feito nesse sentido, ainda será pouco, para perpetuar a memória desse idealista, que força nenhuma conseguiu calar. Que se façam mais programas até, inspirados em seus livros que, várias décadas depois de escritos, continuam ostentando tanta atualidade, que é como se fossem produzidos hoje. Mas que se conserve, acima de tudo, a essência do seu pensamento.
(Artigo publicado na coluna semanal “Vídeo”, na página 20, “Arte e Variedades”, do Correio Popular, em 26 de julho de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
O Sítio do Pica-Pau Amarelo está de novo no ar, após um período de ausência, motivado por um incêndio que consumiu diversos equipamentos usados para a sua gravação. E voltou mais ou menos no seu estilo tradicional. Ou seja, usando os personagens criados pelo gênio imortal de Monteiro Lobato, mas vivendo aventuras e situações diferentes das idealizadas pelo seu criador.
Diversas polêmicas ganharam os jornais, desde maio passado, sobre esse fato. Alguns críticos mostraram-se irritados com esse procedimento. Outros, defenderam a “modernização” das aventuras vividas por Pedrinho, Emília, Narizinho, Dona Benta, Tia Anastácia, Visconde de Sabugosa e Marquês de Rabicó. Para estes últimos, Lobato aprovaria as adaptações, se estivesse vivo, dado o seu espírito aberto a novidades.
Nós temos o nosso ponto de vista firmado a respeito e não vemos com muito entusiasmo um procedimento desses. Afinal, aa obra do combativo escritor é mais do que suficiente para outros sete anos (ou mais) de programa, sem que seja necessário inventar novsas tramas para movimentar seus personagens.
É fato que a televisão, especialmente a Rede Globo, popularizou o trabalho de Monteiro Lobato, ao ponto de hoje, praticamente, não existir nenhuma pessoa, razoavelmente informada, que não conheça as características irreverentes, por exemplo, da boneca Emília, que o seu criador usava sempre que desejava expressar as grandes verdades, de uma forma que se fizesse entendido por todos. Ou da Dona Benta, em cuja boca Lobato colocava os ensinamentos que pretendia transmitir para as crianças de uma forma didática e perfeitamente compreensível para todas elas. Ou do Visconde de Sabugosa, o “consultor” científico do Sítio.
Não é menos verdade ser preferível se colocar no ar um trabalho de autor brasileiro para fazer a cabeça do público infantil, do que enlatados alienígenas, que nada têm a ver com a nossa realidade e nossos costumes, do tipo “Sesame Street” (que entre nós se chamou “Vila Sésamo”). Esse programa pode ter sido extremamente popular nos Estados Unidos, mas na TV brasileira, não conseguiu emplacar. Tanto não, que deixou de ser apresentado.
Mas, embora admitindo tudo isso, é inadmissível que um trabalho de caráter intelectual, de escritor já morto, seja desfigurado, apenas porque seus personagens são de fácil aceitação por parte das crianças. Adaptar uma obra literária para a TV, ou para o cinema, explorando aquilo que ela tem de melhor, em termos visuais, é, ao nosso ver, uma atitude válida.
Foi através desses modernos meios de comunicação que a maior parte das pessoas tomou conhecimento de grandes romances, contribuindo para imortalizar seus geniais autores. Mas é indispensável que esse trabalho intelectual não seja descaracterizado. Que as situações imaginadas pelo escritor sejam transportadas, da maneira mais fiel possível, para as telas e para os vídeos. Que o adaptador evite de “criar” em cima de criação alheia.
Entretanto, tomar apenas os personagens inventados por um romancista, novelista ou contista e coloca-los em tramas totalmente diversas das previstas pelo seu criador, é prática que não se justifica, qualquer que seja a circunstância.
O leitor já imaginou alguém colocar o Padre Amaro, de Eça de Queiroz, participando de conflitos de terras no Sul do Pará, por exemplo? Ou o velho Santiago, personagem do livro “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemmingway, chefiando uma equipe da Guarda Costeira para arpoar seu marlim numa praia de veranistas? Ou o estudante de “Crime e Castigo”, de Dostoievsky, matando a velhinha avarenta da história, a jogando de uma janela de um edifício de apartamentos, após alguma festinha de embalo? Seria ridículo, não é verdade? E certamente despertaria a revolta geral dos meios intelectuais contra quem ousasse perpetrar essa heresia.
E por que não se age da mesma forma em relação a Lobato? Quando a Rede Globo lançou esse programa, fomos daqueles que aplaudiram a medida, por ver nela a valorização da cultura brasileira. Somos, ainda, favoráveis à manutenção do “Sítio” no ar. Mas respeitando-se, rigorosamente, dentro do possível, o texto original, aquele escrito com tamanha verve e maestria por esse escritor rebelde, com a cabeça muito além do seu tempo e que apostava no futuro deste país, que tanto amou.
Afinal, Lobato pagou caro, muito caro por suas criações. Foi incompreendido, achincalhado, boicotado e até preso, pelo simples “crime” de acreditar em nosso potencial, indispondo-se com os poderosos grupos estrangeiros, cujo único objetivo era o de nos manter num eterno e constrangedor atraso.
Que se popularize, pois, a obra desse pensador. Por mais que for feito nesse sentido, ainda será pouco, para perpetuar a memória desse idealista, que força nenhuma conseguiu calar. Que se façam mais programas até, inspirados em seus livros que, várias décadas depois de escritos, continuam ostentando tanta atualidade, que é como se fossem produzidos hoje. Mas que se conserve, acima de tudo, a essência do seu pensamento.
(Artigo publicado na coluna semanal “Vídeo”, na página 20, “Arte e Variedades”, do Correio Popular, em 26 de julho de 1985).
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