Friday, October 07, 2011







O que e como e para quem

Pedro J. Bondaczuk

O escritor, no exercício da sua atividade, faz, a todo o momento, uma série de questionamentos, muito antes de iniciar a redação de algum texto. São perguntas subjetivas, automáticas, até inconscientes, que ele sequer se dá conta de que formula. Se você perguntar a algum deles se faz essas indagações, irá negar enfaticamente. “Eu? Não!!!”, dirá com certeza. E estará sendo sincero. Todavia, se questiona, e muito, e o tempo todo. E nem ao menos sabe disso.

Uma dessas perguntas subjetivas é: o que escrever? Redigirá um poema? Escreverá um romance? Se aterá a um conto ou a uma novela? Sim, o que escrever? Claro que é uma decisão fundamental, que antecede o ato de redigir. Assim que tomada, vem logo a questão seguinte: como escrever? Isso ele irá decidir de conformidade com a natureza do tema que irá desenvolver. Caso se trate de um drama, por exemplo, pode optar pelo romance, conto, novela ou peça teatral. Caso se trate de idéias, de natureza filosófica ou científica, por exemplo, o melhor caminho será um ensaio. E assim por diante. No meio do texto, provavelmente, caso opte por desenvolver o assunto em forma de ficção, premido pelo desenvolvimento do enredo, ou seja, pelas suas exigências lógicas, irá decidir se a história terá, ou não, final feliz. Geralmente todas têm (claro que há exceções).

Alguns escritores gostam de prender a atenção do leitor pelo suspense, ou pelo medo, ou por descrições tão cruas e realistas que o fazem sofrer, se não física, pelo menos psicologicamente. Nem todos, é certo, apreciam esse tipo de literatura. Eu não sou muito adepto dele. Mas há, também, os que o adoram e o procuram avidamente. Há gosto para tudo.

Um dos escritores que escreviam dessa forma, ou seja, cutucando a sensibilidade, mexendo em nossas feridas afetivas, explorando nossas vulnerabilidades psicológicas e nossos medos, e deliberadamente, de sorte a manter o leitor em permanente estado de tensão e sofrimento, foi o checo Franz Kafka. Certa feita, ele confessou isso, de maneira para lá de explícita, ao escrever: “Eu quero que a minha literatura doa, que faça as pessoas sofrerem. Ela deve funcionar como um machado, capaz de quebrar o mar congelado que existe em cada um de nós”.

Da minha parte, embora busque verossimilhança nos enredos que crio, e com o máximo de realismo que minha sensibilidade e meu poder de observação permitam, não tenho (pelo menos conscientemente) essa intenção deliberada de judiar do leitor. Mas, reitero: há quem goste, tanto de infligir, quanto de receber sofrimento. E por haver tamanha variedade de gostos, o escritor faz a si mesmo a terceira e importante pergunta: para quem escrever?

Alguns devem estar contestando minha afirmação, dizendo que quem escreve um texto o faz para que “todos”, absolutamente todos sem distinção, não importando seu gosto e nem sua cultura, o leiam. Esse, porém, é mais um questionamento subjetivo. Na própria escolha do gênero, do enredo e da linguagem adotada você já está, automática e subconscientemente, sendo seletivo, determinando o seu público. Se o livro que você escrever for extenso, por exemplo, quem não gosta de textos longos estará, liminarmente, excluído de ser seu leitor. Quem é otimista e positivo, também não o lerá, se o que você escrever for na linha de Kafka, ou seja, que cause sofrimento (posto que moral) a quem se aventurar a lê-lo. E vai por aí afora.

Provavelmente, a pergunta que você mais vezes faz a si próprio (reitero) subconscientemente, é sobre a importância da atividade literária. A literatura é importante? Por que? Para quem? São questões cujas respostas não têm consenso. Cada qual tem a sua, com as respectivas justificativas. Consideremos, porém, que você responda a primeira pergunta positivamente. Ou seja, que a literatura é importante. É como eu respondo a mim mesmo sempre que a questão me vem à bailas. E, asseguro, sou sincero, pois estou convicto disso. Pois bem, se a literatura é importante na vida das pessoas (e, reitero, estou absolutamente seguro que é), qual é seu verdadeiro papel no estudo dos seres vivos (principalmente dos humanos)?

Para quê ela serve? Para divertir, ou para instruir, orientar, analisar e concluir? Alguém pode, a esta altura, perguntar: “mas não temos a ciência para isso?”. Temos. Mas somente ela não basta. A vida não se restringe a leis naturais e imutáveis e nenhum ser vivo reage de forma absolutamente igual. Ela é sutil e não comporta análises mecânicas e genéricas. Para sua compreensão, são necessários exemplos, das várias formas de comportamento das pessoas. A variedade é a tônica da vida.

Ainda assim, somos incapazes de compreender em profundidade esse maravilhoso mistério, esse privilégio, essa magnífica aventura que é viver. Já tratei aqui desse mesmo assunto e, possivelmente, com as mesmíssimas palavras, mas não tenho o menor pudor de repetir tudo isso, dada sua relevância e pertinência nestas reflexões. O escritor, sociólogo e filósofo francês, Roland Barthes, constatou a respeito: “A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa”. E não é?

O escritor tem o hábito de tratar, não raro, do desconhecido ou do que julga que seus leitores desconheçam. Aí reside o segredo da sua criatividade. Isso causa impacto na mente de quem o lê. Mas o mesmo tema não pode ser repetido, sob pena de não causar mais nenhum efeito na segunda ou terceira repetição. Deixa de ser desconhecido.

O que a princípio nos atemoriza, por seu caráter insólito, tão logo é tratado pela primeira vez caso se repita, digamos na terceira vez, finda por tornar-se familiar e, por isso, inofensivo. Recorro, para exemplificar, novamente a Franz Kafka, que escreveu, em uma de suas novelas (não me recordo qual): “O leopardo invadiu o templo e interrompeu a cerimônia sagrada. Houve pânico. Voltou no dia seguinte e no outro. No quarto dia, passou a fazer parte do culto”. Ou seja, não só não causou mais pânico como, sequer, não despertou mais nem mesmo ligeiro sustinho. E não é o que acontece sempre? Estou seguro que sim.

O imprevisível, enquanto tal, nos atemoriza, mesmo que na sequência se revele benigno ou inofensivo. No fundo, no fundo, mesmo que neguemos enfaticamente, detestamos surpresas. Morris West nos lembra, no livro “O Verão do Lobo Vermelho”: “...É assim que as coisas mais importantes acontecem em nossas vidas. Seguimos através de raciocínios, fantasias, medos, frustrações, vastos e desolados hectares de tempo em que nada se faz. Então, um belo dia, o médico chega e diz que estamos morrendo ou a moça vem e diz que está grávida ou que a bolsa caiu de repente e estamos pobres ou um avião cai do céu e nós morremos e temos de comparecer a julgamento sem os nossos apontamentos”.

A imprevisibilidade, todavia, é a marca registrada da vida. Pouca coisa é rigorosamente previsível. Nós ér que não nos damos conta disso. O que não podemos e muito menos devemos é desanimar quando uma dessas tantas surpresas nos confrontarem com tragédias. Não podemos é nos entregar à indolência, achando que tudo esteja perdido e que não adianta fazer mais nada, quando não raro não está. Afinal, um sol novo nasce a cada dia... E a vida, recordo, é caracterizada pela imprevisibilidade. Mas... esta já é outra história, que fica para outra vez.

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