Friday, October 28, 2011









Anos dourados, mas nem tanto...


Pedro J. Bondaczuk


A década de 1950, como qualquer outra deste violento século XX, foi marcada por acontecimentos que, analisados em conjunto, podem ser considerados até rotineiros na vida dos povos. Teve, como as demais, suas guerras, revoluções, ações terroristas, heróis e vilões. Conheceu as primeiras conquistas espaciais, com os históricos vôos dos Sputniks, um deles levando a bordo a cadelinha Laika. Conviveu com tragédias e despertou angústias e fobias nas pessoas. Guardadas as devidas proporções, foi tudo, mais ou menos, como é hoje.

O período, obviamente, também marcou diversas alegrias, pessoais ou coletivas, não importa. No primeiro caso, cada um tem a sua para recordar. No coletivo, por exemplo, tivemos a primeira conquista de uma Copa do Mundo, por parte do Brasil, nos gramados da Suécia, despertando a euforia nacional. A própria vida, no final das contas, é assim. Temperada de ansiedades e decepções e de ilusórios sucessos. No final das contas, admitindo ou não, consciente ou inconscientemente, todos acabamos chegando à mesma conclusão de Salomão. A de que tudo no mundo não passa de um elenco de vaidades.

Entretanto, os dez anos mágicos da década de 50, onde a "guerra fria" muitas vezes chegou a esquentar os ânimos dos líderes das nações, levando o mundo a perigosos impasses (que por muito pouco, em dadas ocasiões, não fizeram com que tudo acabasse voando pelos ares, numa única e gigantesca explosão nuclear), foram convencionadamente chamados de "dourados" por algumas pessoas. Certamente porque elas misturam ideais irrealizados e fantasias insepultas com fatos, projetando tudo isso, ligado entre si por uma indisfarçável saudade de si próprias, no plano do presente.

Pois foram esses anos que a Rede Globo começou a mostrar, no correr desta semana, numa minissérie escrita por Gilberto Braga. O que importa nessa apresentação não é tanto o enredo, mas o clima em que a história se desenvolve. E este foi habilmente captado, passando para o telespectador de qualquer idade o modo de ser desse período, despertando diferentes lembranças em cada um. Nos velhos, a nostalgia do tempo perdido, que só a memória pode recuperar e assim mesmo, apenas fragmentos.

Nos quarentões de hoje, a rebeldia que os impulsionava e que muitas vezes reprovam agora em seus filhos. E os jovens da atualidade, que nem sequer haviam nascido então, podem identificar, nitidamente, através desse poderoso recurso audiovisual que é a TV, como eram de fato os seus pais. Certamente eles estão concluindo que pouca coisa mudou nestes trinta anos, no que diz respeito ao essencial. Os acontecimentos, é óbvio, foram diferentes, mas as carências (materiais e afetivas) e as contradições conservaram-se no tempo.

Mas como cada geração tem seu espaço e como os avanços tecnológicos propiciam que estas mais recentes possam recordar, com nostalgia, os fatos que mais as marcaram, é natural que os jovens da década de 50 (quarentões na de 80) reservem esse período para si e o considerem muito especial. Para estes, o tempo tratado na minissérie merece ser chamado de "anos dourados".

Foi a época dos bailinhos de sábado, onde os moços buscavam se auto-afirmar, conquistando as recatadas moçoilas, que ao contrário de hoje, precisavam, por força das convenções, assumir uma atitude passiva nesse aspecto. Foi também o período dos pesadões (mas confortáveis) carrões importados, símbolos de grande "status" e de prosperidade (o Brasil ainda não possuía a sua indústria automobilística). Das noites de namoro no cinema, cujas estrelas eram mitos e viravam a cabeça da rapaziada, despertando inconfessáveis sonhos eróticos. De Marylin Monroe, Brigitte Bardot, Gina Lolobrigida, Grace Kelly e Sophia Loren, entre outras das tantas "deusas" das fantasias juvenis. De James Dean e a "Juventude Transviada", gerando emulações nos modos de falar, de se vestir, de se pentear, de andar e de se comportar. De Elvis Presley, Bill Halley, Chubi Checker, Paul Anka e tantos outros, que bradavam, num ritmo alucinante, o grito de liberdade da juventude.

Não há dúvida que a Globo está conseguindo passar por inteiro esse clima da época para o telespectador. Quer nos trajes, quer no linguajar, no penteado, na forma de agir. Tudo na minissérie lembra os anos 50, com os sonhos que despertou, as angústias e aborrecimentos que trouxe. Méritos, principalmente, à direção de Roberto Talma e a um elenco excelente, onde despontam as atuações seguras de alguns jovens como Isabela Garcia, Malu Mader, Rodolfo Bottino e Felipe Camargo e veteranos do porte de Betty Faria, Milton Moraes e Nívea Maria. Destaque, sobretudo, à figurinista Helena Gastal, que reviveu com fidelidade a complexa moda daquele tempo.

A minissérie possui todos os ingredientes para ser a melhor produção no gênero de 1986. Fala de uma época relativamente recente, que a maioria de nós viveu, aborda comportamentos que conhecemos e principalmente, desperta lembranças inolvidáveis e divagações fantasiosas em nós, os telespectadores. Enfim, nos compromete, acumplicia, envolve na história. E acaba por nos convencer que aqueles foram de fato "anos dourados" deste século da violência.

(Artigo publicado na página 10, Arte & Variedades do Correio Popular, em 10 de maio de 1986)




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