Thursday, October 06, 2011







Parceria e cumplicidade

Pedro J. Bondaczuk

A poesia é fascinante por todo e qualquer aspecto que se a encare. O que mais me agrada nesse gênero – quer como ávido leitor, quer como poeta –, todavia, é a variedade de caminhos formais que proporciona aos autores. Vão longe os tempos em que você, para compor um poema que fosse até mesmo reconhecido como tal, teria que seguir rigorosamente alguns cânones rígidos, como métrica, ritmo e rima. O que fugisse disso, por mais belo e bem escrito que fosse, não era considerado poesia. Tolice.
Hoje, nesse aspecto, há plena liberdade formal (a conceitual sempre existiu). Reitero o que escrevi há tempos, de que não considero obras arcaicas e ultrapassadas as compostas nos padrões, digamos, “antigos”. Eu mesmo, quando o tema assim impõe, valho-me dos cânones tradicionais, de métrica, ritmo e rima. Nem por isso, dou menor valor aos poemas que seguem esse figurino.
Isso não me impede, todavia, de compor, também, versos brancos (a maioria da minha obra poética), quase que uma prosa disfarçada, conforme o assunto e as circunstâncias impuserem. Ambos são poesia e dependem, única e exclusivamente, do talento e do bom-gosto do poeta. E do seu hábil domínio do idioma, destaque-se. Afinal, como definiu muito bem, em certa ocasião, o poeta francês Paul Valéry: “poesia é feita de palavras”.
Importa-me o conteúdo e não propriamente a forma (ou não somente ela), embora, no caso desse gênero (destaco, enfatizo e reitero), a escolha das palavras, sua seleção cuidadosa levando em conta a sonoridade e a capacidade de sugestão que têm, além da criatividade na urdidura de metáforas, desde que pertinentes e originais, contem, e demais para a composição de um bom poema. Vou mais longe, é fundamental.
Temo não ter sido claro nessa explanação, mas... Algum dia, com mais tempo, prometo tratar, com maiores minúcias, desse assunto. Por hoje, vou comentar o recente lançamento do livro de um poeta que, confesso, até recentemente não conhecia. Aliás, já é o nono lançamento do mesmo autor. Refiro-me a “Gris”, de Wilbett Oliveira, publicação da Editora Opção. Antes dos elogios, registro uma crítica, o que detesto fazer. Embora trate-se de uma espécie de licença poética, não aprecio violações de quaisquer normas do idioma, como a de jamais utilizar maiúsculas. Não vejo no que essa prática melhore a forma e o conteúdo de um poema. O autor de “Gris” não utiliza.
Mas, à parte dessa restrição (que talvez se deva, exclusivamente, a uma idiossincrasia minha), confesso, embevecido e surpreso, que gostei muito do que li. As composições que integram o livro não têm títulos. Wilbett arranja as palavras de tal forma, que “sugere” ao leitor o tema, sem propriamente descrevê-lo. Lendo seus poemas, suas metáforas vigorosas e criativas, sinto-me co-autor de cada verso dele, que interpreto à minha maneira, sem que, claro, não o seja. Seus poemas, embora também sensíveis, mexem, sobretudo, com minha inteligência. E respeitam-na.
Os outros oito livros de Wilbett Oliveira – poeta mineiro de nascimento (nascido na cidade de Umbaratiba), registrado na Bahia (na cidade de Itanhém), mas capixaba de coração (reside e trabalha em Vila Velha, no Espírito Santo) – são, pela ordem: “Anjos proscritos e outros poemas”! (com Waldo Motta), “Facho”, “Sombras e sinais”, “Logos”, “Partes”, “Nominal”, “Sêmen” e “Garimpo e outros poemas”. O escritor é formado em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduado em Literatura Brasileira, matéria que leciona em uma faculdade local. É editor da revista “Mosaicum” e assessor editorial da Editora Opção.
Como sempre faço, quando trato de poetas, trago-lhes uma amostra da sua poesia, mas não extraída do livro recém-lançado, “Gris”, porém do “Partes”. Observem suas metáforas, hipercriativas, e seu vigoroso poder de sugestão. O poema é intitulado “Nós” e foi reproduzido do excelente blog de literatura, o “Recanto das Letras”:


Nós

ah, peixes de nós,
em que espadas,
espinhos, agulhas
e enguias
o último signo.

ah, feixes de nós,
em que chamas,
faíscas e labaredas
o último lenho.

ah, seixos de nós,
em que mármores, granizos,
e empedras
a última construção.

O “credo” poético de Wilbett Oliveira, exposto por ele próprio (o qual assino embaixo) é o seguinte: “Quero uma poesia que pulse, que acorde os homens dessa condição de estar-no-mundo. Por isso, escrevo. Escrever é fincar palavras no vazio à procura do verbo criador”. E a poesia de Wilbett Oliveira de fato pulsa. Acorda os que estão dormindo e os di8straídos, que sequer atentam para o que ocorre ao seu redor. Comprovem isso, por si próprios, na leitura do seu instigante e novo livro “Gris”. Eu comprovei... e gostei.


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