Em defesa dos críticos
Pedro J. Bondaczuk
A crítica literária é, muitas vezes, injustiçada pelos que desconhecem literatura, ou não a conhecem a fundo. Parte da culpa, faz-se necessário ressaltar (se não toda ela), se deve a leigos no assunto, que se travestem de críticos, sem que o sejam, e saem por aí deitando falação, sem mais e nem menos, sobre livros e seus autores. O pior é que esses infelizes, não raro, sugestionam, negativamente, leitores mal informados, que deixam de adquirir determinadas obras que lhes seriam úteis, se não fundamentais. E os escritores que as escreveram têm, por essa mesma razão, prejuízos óbvios, tanto os de imagem, quanto, e principalmente, os comerciais.
A crítica literária é um gênero da literatura e dos mais especializados. Tem, pois, regras e critérios de avaliação definidos. E quem não os conhece, claro, não está habilitado a julgar obra alguma. Mas muitos “pára-quedistas”, irresponsavelmente, julgam. É por causa deles que os críticos competentes e sérios acabam, sem dever, por serem encarados com hostilidade e até com desprezo.
Há quem entenda que “criticar” seja, apenas, falar mal de obras e de pessoas. Quem pensa dessa maneira, sequer se deu o trabalho de consultar qualquer dicionário de língua portuguesa. Tenho em mãos, por exemplo, um dos tantos a que recorro com freqüência. É o de Cândido de Figueiredo. Refiro-me ao “Dicionário Mor da Língua Portuguesa”.
Consultando o verbete “crítica”, constato que, dos oitos significados que a palavra tem, apenas três são negativos. O dicionarista relaciona as seguintes acepções para esse termo: 1. Apreciação pormenorizada; 2. Apreciação não favorável; 3. Censura; 4. Murmuração; 5. Discussão para aclarar fotos e textos; 6. Exame para analisar documentos; 7. Arte ou propriedade de julgar o valor das obras científicas, literárias e artísticas; 8. Critério fundamentado sobre obra científica, literária e artística”.
Como vocês notaram, criticar não é, necessariamente, procurar defeitos (ou apontar até os inexistentes), nos atos, no caráter ou no comportamento de qualquer pessoa ou mesmo em sua obra. Tomei gosto pela literatura lendo crítica literária. Mas a autêntica, a bem fundamentada, a criteriosa e inteligente. Dessas leituras, um crítico sempre se destacou. Comecei a acompanhá-lo através do Suplemento Literário que o jornal “O Estado de São Paulo” publicava, aos sábados, nas décadas de 50, 60 e 70. Não sei se essa publicação continuou nos anos seguintes. Minha coleção desse precioso suplemento abrange, “apenas”, esses trinta anos.
Ah, ainda não revelei o nome do tal crítico, que me fascinou por sua cultura, por seu conhecimento literário e por seu rigoroso e justo critério de avaliação. Trata-se de Otto Maria Carpeaux. Foi um sujeito tão “brasileiro”, que poucos se davam (e se dão) conta que era, de fato, europeu, mais especificamente austríaco. Raros, raríssimos críticos conheciam tão profundamente a literatura do nosso país quanto ele.
Outra particularidade de Otto – e esta surpreendeu-me sobremaneira – é que ele não foi batizado com esse sobrenome francês, ou seja, “Carpeaux”. Fiquei sabendo disso apenas em dias recentes, ao fazer consulta à enciclopédia eletrônica Wikipédia (que me tem socorrido em “n” ocasiões). Seu nome verdadeiro era Otto Karpfen, filho de pai judeu e mãe católica, nascido em Viena, em 9 de março de 1900.
Emigrou para o Brasil aos 39 anos, semanas antes de estourar a Segunda Guerra Mundial (que começou quando ainda estava em alto mar, em viagem, em um navio). Seu sexto sentido fez com que avaliasse, com exatidão, o panorama político de então na Europa e decidisse procurar algum lugar em que pudesse se sentir em segurança. E veio para este nosso “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Apaixonou-se pelo Brasil à primeira vista. Pudera!
Quando Otto Maria Carpeaux desembarcou no Rio de Janeiro, não sabia nada, absolutamente nada de literatura brasileira. Pior, não conhecia uma só palavra do nosso idioma. O prodigioso, que o torna (pelo menos aos meus olhos de admirador irrestrito e incondicional) em gênio, é que seus textos, publicados em jornais e, notadamente seus livros, foram escritos em um português castiço e impecável. Seu estilo coloquial e convidativo, aliado ao profundo conhecimento que adquiriu da literatura brasileira, tornaram-no, com justiça, um dos nossos melhores críticos literários, se não o melhor.
Aprendi muito, muitíssimo com esse homem, que morreu em 3 de fevereiro de 1978, deixando uma lacuna que ainda não foi preenchida. Fato pitoresco, lembrado pela “Wikipédia”, é o que se refere à sua “feiúra” física. A enciclopédia reproduz, a respeito, a opinião de José Teixeira Leite, “outro homem de vasta erudição, que conheceu Carpeaux quando vivia no Rio (ele viveu muitos anos também em São Paulo) e que em livro recente descreve a figura do sábio austríaco. ‘Carpeaux foi um dos homens mais feios que conheci... sua aparência neandarthalesca , todo mandíbulas e sombracelhas, fazia a delícia dos caricaturistas, parecia, sem tirar e nem pôr, um troglodita, mas troglodita de ler Homero e Virgílio no original, de se deliciar com Bach e Beethoven e de diferenciar entre Rubens e Van Dyck’. E acrescenta que Carpeaux era totalmente gago o que o afastou da cátedra e das universidades para confiná-lo em bibliotecas, gabinetes e redações”.
Eu exclamo, diante dessa constatação, cá com meus botões: “Santa feiúra!!!”. Sem ela, talvez esse cérebro privilegiado se perdesse em outras atividades e não nos legaria obra tão rica e valiosa como a que deixou. O que é um tantinho de beleza física, que ademais é efêmera e corruptível, diante da genialidade, que sobrevive, em nas obras, o próprio gênio?! Esse, sim, entendia a verdadeira função do crítico literário, que exerceu com critério, honestidade e competência. Carpeaux resgata, para mim, a relevância do verdadeiro crítico literário.
Pedro J. Bondaczuk
A crítica literária é, muitas vezes, injustiçada pelos que desconhecem literatura, ou não a conhecem a fundo. Parte da culpa, faz-se necessário ressaltar (se não toda ela), se deve a leigos no assunto, que se travestem de críticos, sem que o sejam, e saem por aí deitando falação, sem mais e nem menos, sobre livros e seus autores. O pior é que esses infelizes, não raro, sugestionam, negativamente, leitores mal informados, que deixam de adquirir determinadas obras que lhes seriam úteis, se não fundamentais. E os escritores que as escreveram têm, por essa mesma razão, prejuízos óbvios, tanto os de imagem, quanto, e principalmente, os comerciais.
A crítica literária é um gênero da literatura e dos mais especializados. Tem, pois, regras e critérios de avaliação definidos. E quem não os conhece, claro, não está habilitado a julgar obra alguma. Mas muitos “pára-quedistas”, irresponsavelmente, julgam. É por causa deles que os críticos competentes e sérios acabam, sem dever, por serem encarados com hostilidade e até com desprezo.
Há quem entenda que “criticar” seja, apenas, falar mal de obras e de pessoas. Quem pensa dessa maneira, sequer se deu o trabalho de consultar qualquer dicionário de língua portuguesa. Tenho em mãos, por exemplo, um dos tantos a que recorro com freqüência. É o de Cândido de Figueiredo. Refiro-me ao “Dicionário Mor da Língua Portuguesa”.
Consultando o verbete “crítica”, constato que, dos oitos significados que a palavra tem, apenas três são negativos. O dicionarista relaciona as seguintes acepções para esse termo: 1. Apreciação pormenorizada; 2. Apreciação não favorável; 3. Censura; 4. Murmuração; 5. Discussão para aclarar fotos e textos; 6. Exame para analisar documentos; 7. Arte ou propriedade de julgar o valor das obras científicas, literárias e artísticas; 8. Critério fundamentado sobre obra científica, literária e artística”.
Como vocês notaram, criticar não é, necessariamente, procurar defeitos (ou apontar até os inexistentes), nos atos, no caráter ou no comportamento de qualquer pessoa ou mesmo em sua obra. Tomei gosto pela literatura lendo crítica literária. Mas a autêntica, a bem fundamentada, a criteriosa e inteligente. Dessas leituras, um crítico sempre se destacou. Comecei a acompanhá-lo através do Suplemento Literário que o jornal “O Estado de São Paulo” publicava, aos sábados, nas décadas de 50, 60 e 70. Não sei se essa publicação continuou nos anos seguintes. Minha coleção desse precioso suplemento abrange, “apenas”, esses trinta anos.
Ah, ainda não revelei o nome do tal crítico, que me fascinou por sua cultura, por seu conhecimento literário e por seu rigoroso e justo critério de avaliação. Trata-se de Otto Maria Carpeaux. Foi um sujeito tão “brasileiro”, que poucos se davam (e se dão) conta que era, de fato, europeu, mais especificamente austríaco. Raros, raríssimos críticos conheciam tão profundamente a literatura do nosso país quanto ele.
Outra particularidade de Otto – e esta surpreendeu-me sobremaneira – é que ele não foi batizado com esse sobrenome francês, ou seja, “Carpeaux”. Fiquei sabendo disso apenas em dias recentes, ao fazer consulta à enciclopédia eletrônica Wikipédia (que me tem socorrido em “n” ocasiões). Seu nome verdadeiro era Otto Karpfen, filho de pai judeu e mãe católica, nascido em Viena, em 9 de março de 1900.
Emigrou para o Brasil aos 39 anos, semanas antes de estourar a Segunda Guerra Mundial (que começou quando ainda estava em alto mar, em viagem, em um navio). Seu sexto sentido fez com que avaliasse, com exatidão, o panorama político de então na Europa e decidisse procurar algum lugar em que pudesse se sentir em segurança. E veio para este nosso “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Apaixonou-se pelo Brasil à primeira vista. Pudera!
Quando Otto Maria Carpeaux desembarcou no Rio de Janeiro, não sabia nada, absolutamente nada de literatura brasileira. Pior, não conhecia uma só palavra do nosso idioma. O prodigioso, que o torna (pelo menos aos meus olhos de admirador irrestrito e incondicional) em gênio, é que seus textos, publicados em jornais e, notadamente seus livros, foram escritos em um português castiço e impecável. Seu estilo coloquial e convidativo, aliado ao profundo conhecimento que adquiriu da literatura brasileira, tornaram-no, com justiça, um dos nossos melhores críticos literários, se não o melhor.
Aprendi muito, muitíssimo com esse homem, que morreu em 3 de fevereiro de 1978, deixando uma lacuna que ainda não foi preenchida. Fato pitoresco, lembrado pela “Wikipédia”, é o que se refere à sua “feiúra” física. A enciclopédia reproduz, a respeito, a opinião de José Teixeira Leite, “outro homem de vasta erudição, que conheceu Carpeaux quando vivia no Rio (ele viveu muitos anos também em São Paulo) e que em livro recente descreve a figura do sábio austríaco. ‘Carpeaux foi um dos homens mais feios que conheci... sua aparência neandarthalesca , todo mandíbulas e sombracelhas, fazia a delícia dos caricaturistas, parecia, sem tirar e nem pôr, um troglodita, mas troglodita de ler Homero e Virgílio no original, de se deliciar com Bach e Beethoven e de diferenciar entre Rubens e Van Dyck’. E acrescenta que Carpeaux era totalmente gago o que o afastou da cátedra e das universidades para confiná-lo em bibliotecas, gabinetes e redações”.
Eu exclamo, diante dessa constatação, cá com meus botões: “Santa feiúra!!!”. Sem ela, talvez esse cérebro privilegiado se perdesse em outras atividades e não nos legaria obra tão rica e valiosa como a que deixou. O que é um tantinho de beleza física, que ademais é efêmera e corruptível, diante da genialidade, que sobrevive, em nas obras, o próprio gênio?! Esse, sim, entendia a verdadeira função do crítico literário, que exerceu com critério, honestidade e competência. Carpeaux resgata, para mim, a relevância do verdadeiro crítico literário.
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