Ideais antagônicos
Pedro J. Bondaczuk
O russo Vladimir Vladimirovich Maiakovski, nascido em 1893, foi um poeta essencialmente político, engajado diretamente na Revolução Bolchevique de 1917. Depois desse movimento, tentou criar “uma arte que poderá tirar a República do lodo”, conforme escreveu. Líder, na União Soviética, do “Futurismo”, com experiências dadaístas em alguns dos seus trabalhos, é fácil, no entanto, de se detectar, em toda a sua obra, a influência de Marinetti.
Além de poesia, dedicou-se ao teatro. Seus poemas mais famosos são: “Cento e cinqüenta milhões” e “Uma nuvem de calças”. As duas peças teatrais mais conhecidas de Maiakovski são: “O Percevejo” e “O Balneário”, que, no entanto, não são muito divulgadas no Ocidente.
Durante muito tempo, o artista viveu profundo conflito íntimo, em razão do seu extremado idealismo, que se chocava com a fria realidade ao seu redor. Tinha a firme convicção de que a arte e a política eram como óleo e água. Isto é, que não podiam se misturar jamais (embora ele as misturasse). Porque, contraditoriamente, a sua poesia estava eivada de dialética marxista, contrariando, na prática, aquilo em que acreditava.
Maiakovski cantou o poder da coletividade preponderando sobre o individual. Foi, além disso, crítico feroz, impiedoso e mordaz dos que considerava inimigos da Revolução, satirizando e ridicularizando os adversários, em versos crus e quase escatológicos. Como estes, por exemplo, que intitulou “Hino ao Crítico”: “Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira/tagarela, nasceu um rebento raquítico./Filho não é bagulho, não se atira na lixeira./A mãe chorou e o batizou: crítico”.
Na maioria dos seus poemas, o escritor utilizou imagens grotescas e linguagem rude, como a falada pelo povo nas ruas, nas fábricas e nas tabernas, além de associações de idéias e de situações surpreendentes e inesperadas. Chegou a adotar, em certa fase da sua produção artística, aquilo que hoje é classificado como “poesia-propaganda”. Mas, no íntimo, Maiakovski não estava nada satisfeito com seu desempenho. Não era isso o que entendia como sendo poesia. Achava, sem ousar revelar em público, que o marxismo estava arruinando a qualidade daquilo que escrevia.
Outra amostra da sua poesia áspera, rude, cheia de arestas, temperada com certa dose de ternura e de lirismo, numa estranha e original mistura, são estes versos: “Cada um ao nascer/traz sua dose de amor,/mas os empregos,/o dinheiro,/tudo isso,/nos resseca o solo do coração./Sobre o coração levamos o corpo,/sobre o corpo a camisa,/mas isto é pouco./Alguém imbecilmente/inventou os punhos/e sobre os peitos/fez correr o amido de engomar./Quando velhos se arrependem,/a mulher se pinta,/o homem faz ginástica/pelo sistema Müller./Mas é tarde./O amor floresce,/floresce,/e depois desfolha”.
Como se propôs a iniciar um novo movimento nas letras russas, passou a receber duras críticas de inúmeros adversários literários dentro do Partido Comunista. Angustiado por esses antagonismos pessoais, revelados aos amigos e pelos ataques dos intelectuais marxistas da União Soviética de então, Vladimir Maiakovski não resistiu a tamanha pressão.
O poeta suicidou-se, com um tiro de revólver, em 1930, em plena efervescência revolucionária, no período em que estavam em andamento os chamados “Processos de Moscou”, comandados por Joseph Stalin, que resultaram no expurgo, e conseqüente execução, de revolucionários de primeira hora, vítimas da paranóia e da sede de poder do ditador.
Em um poema, muito anterior ao suicídio, Maiakovski escreveu estes versos até proféticos: “Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e/que a prata dos anos tinja sem perdão./Penso/e espero que eu jamais alcance/a impudente idade do bom senso”. Não atingiu. Deu cabo da vida antes disso, aos 37 anos de idade, no auge da sua capacidade criativa.
Como bilhete de despedida, o poeta deixou apenas uma linha, nada mais, na qual não explicava a razão do seu gesto desesperado e que se constituía somente num seco e conciso conselho a quem eventualmente estivesse pensando em imitá-lo: “Não recomendo a mesma coisa para os outros” (referindo-se à fuga prematura da vida, contrariando, principalmente, o espírito de luta que tanto pregava).
Bóris Pasternak –, mais tarde agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, pelo seu romance “Dr. Jivago” –, assim se referiu ao ato desesperado do poeta: “Parece-me que Maiakovski se matou por puro orgulho, porque condenava algo em si ou perto de si, a que seu amor próprio não podia se submeter”. Ou seja, o poeta morreu de presunção.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O russo Vladimir Vladimirovich Maiakovski, nascido em 1893, foi um poeta essencialmente político, engajado diretamente na Revolução Bolchevique de 1917. Depois desse movimento, tentou criar “uma arte que poderá tirar a República do lodo”, conforme escreveu. Líder, na União Soviética, do “Futurismo”, com experiências dadaístas em alguns dos seus trabalhos, é fácil, no entanto, de se detectar, em toda a sua obra, a influência de Marinetti.
Além de poesia, dedicou-se ao teatro. Seus poemas mais famosos são: “Cento e cinqüenta milhões” e “Uma nuvem de calças”. As duas peças teatrais mais conhecidas de Maiakovski são: “O Percevejo” e “O Balneário”, que, no entanto, não são muito divulgadas no Ocidente.
Durante muito tempo, o artista viveu profundo conflito íntimo, em razão do seu extremado idealismo, que se chocava com a fria realidade ao seu redor. Tinha a firme convicção de que a arte e a política eram como óleo e água. Isto é, que não podiam se misturar jamais (embora ele as misturasse). Porque, contraditoriamente, a sua poesia estava eivada de dialética marxista, contrariando, na prática, aquilo em que acreditava.
Maiakovski cantou o poder da coletividade preponderando sobre o individual. Foi, além disso, crítico feroz, impiedoso e mordaz dos que considerava inimigos da Revolução, satirizando e ridicularizando os adversários, em versos crus e quase escatológicos. Como estes, por exemplo, que intitulou “Hino ao Crítico”: “Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira/tagarela, nasceu um rebento raquítico./Filho não é bagulho, não se atira na lixeira./A mãe chorou e o batizou: crítico”.
Na maioria dos seus poemas, o escritor utilizou imagens grotescas e linguagem rude, como a falada pelo povo nas ruas, nas fábricas e nas tabernas, além de associações de idéias e de situações surpreendentes e inesperadas. Chegou a adotar, em certa fase da sua produção artística, aquilo que hoje é classificado como “poesia-propaganda”. Mas, no íntimo, Maiakovski não estava nada satisfeito com seu desempenho. Não era isso o que entendia como sendo poesia. Achava, sem ousar revelar em público, que o marxismo estava arruinando a qualidade daquilo que escrevia.
Outra amostra da sua poesia áspera, rude, cheia de arestas, temperada com certa dose de ternura e de lirismo, numa estranha e original mistura, são estes versos: “Cada um ao nascer/traz sua dose de amor,/mas os empregos,/o dinheiro,/tudo isso,/nos resseca o solo do coração./Sobre o coração levamos o corpo,/sobre o corpo a camisa,/mas isto é pouco./Alguém imbecilmente/inventou os punhos/e sobre os peitos/fez correr o amido de engomar./Quando velhos se arrependem,/a mulher se pinta,/o homem faz ginástica/pelo sistema Müller./Mas é tarde./O amor floresce,/floresce,/e depois desfolha”.
Como se propôs a iniciar um novo movimento nas letras russas, passou a receber duras críticas de inúmeros adversários literários dentro do Partido Comunista. Angustiado por esses antagonismos pessoais, revelados aos amigos e pelos ataques dos intelectuais marxistas da União Soviética de então, Vladimir Maiakovski não resistiu a tamanha pressão.
O poeta suicidou-se, com um tiro de revólver, em 1930, em plena efervescência revolucionária, no período em que estavam em andamento os chamados “Processos de Moscou”, comandados por Joseph Stalin, que resultaram no expurgo, e conseqüente execução, de revolucionários de primeira hora, vítimas da paranóia e da sede de poder do ditador.
Em um poema, muito anterior ao suicídio, Maiakovski escreveu estes versos até proféticos: “Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e/que a prata dos anos tinja sem perdão./Penso/e espero que eu jamais alcance/a impudente idade do bom senso”. Não atingiu. Deu cabo da vida antes disso, aos 37 anos de idade, no auge da sua capacidade criativa.
Como bilhete de despedida, o poeta deixou apenas uma linha, nada mais, na qual não explicava a razão do seu gesto desesperado e que se constituía somente num seco e conciso conselho a quem eventualmente estivesse pensando em imitá-lo: “Não recomendo a mesma coisa para os outros” (referindo-se à fuga prematura da vida, contrariando, principalmente, o espírito de luta que tanto pregava).
Bóris Pasternak –, mais tarde agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, pelo seu romance “Dr. Jivago” –, assim se referiu ao ato desesperado do poeta: “Parece-me que Maiakovski se matou por puro orgulho, porque condenava algo em si ou perto de si, a que seu amor próprio não podia se submeter”. Ou seja, o poeta morreu de presunção.
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