Lendas urbanas
Pedro J. Bondaczuk
A sabedoria popular cunhou um dito segundo o qual “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Ou seja, quem narra alguma história que ouviu alhures jamais a reproduz rigorosamente igual à narrativa de sua fonte primitiva. Sempre acrescenta algum detalhe pessoal, às vezes até de forma inconsciente, que a modifica um pouco ou muito, conforme o caso. Não raro, essas modificações são tão profundas, que do “causo” original não resta praticamente nada. Esse contador de segunda, terceira ou sabe-se lá qual mão, conta uma história absolutamente nova, que talvez só lembre, posto que muito remotamente, a que um dia ouviu e muitas vezes nem isso.
São assim que nascem o que se convencionou chamar de “lendas urbanas”. Os enredos podem ter, e têm, diversas características. Ora são histórias de assombrações, ora de lobisomens, ora de animais que falam, ora de figuras misteriosas que atacam pessoas incautas e vai por aí afora. São raros os que nunca ouviram (ou que jamais contaram) em rodinhas de amigos esse tipo de “causo”. Quem os ouve, mesmo que naquele momento em que tais histórias são narradas ridicularize quem as narra, mais cedo ou mais tarde, quando surgir oportunidade para isso, as irá reproduzir. E, claro, acrescentando sua contribuição pessoal, acrescentando um ou vários detalhes novos.
Essas lendas urbanas são um “prato cheio” para os escritores. Inúmeros romances, mundo afora, as reproduzem, na boca de personagens, para darem um clima de verdade, ou melhor, de verossimilhança às próprias narrativas. Há, até, quem por capricho, colecione essas histórias. Sei de um amigo que já conseguiu reunir 480 delas e jura que tem quase o mesmo tanto à espera de tempo para serem digitadas e arquivadas na memória de seu computador. Não duvido.
A existência de lendas urbanas, é bom que se frise, não é fenômeno apenas brasileiro, longe disso. O que é esse zum-zum-zum em torno do suposto monstro do Lago Ness, na Escócia, por exemplo, se não uma lenda urbana que ganhou foros de verdade? Ou que é a suposta existência do tal do Pé Grande? Hoje as coisas estão mais sofisticadas. Há uma infinidade de histórias, não raro narradas pelos próprios supostos protagonistas, dando conta de contatos imediatos com seres extraterrestres (de cuja existência não há uma única e reles prova ou sequer evidência), de abduções, de viagens a outros planetas ou a outras dimensões e vai por aí afora. Claro que não passam de lendas urbanas que, aliás, tendem a se multiplicar.
Quase sempre, essas narrativas são feitas com tamanha convicção, arrolando, até mesmo, supostas testemunhas, que findam por convencer até os mais céticos dos céticos, principalmente se forem um tantinho supersticiosos e não tenham, digamos, mente cartesiana, que raciocine, rigorosamente, nos padrões da fria lógica.
Quem, quando criança, não se assustou algum dia com a ameaça feita pelos pais, ou por irmãos mais velhos, ou pelas tias, diante da possibilidade de ser seqüestrado pelo “velho do saco”, caso saísse à rua para brincar com outras crianças, sem a devida autorização? Cansei de ouvir isso em minha meninice. E, por bom tempo, acreditei nessa lenda urbana. Como não acreditar naquela ocasião? Não havia como.
Querem outra, muito popular? Pois bem, cito a da loura do banheiro, que, aliás, tem infinitas versões. A que eu ouvi é que se tratava (ou se trata, pois muitos crêem e até juram que ela continua agindo) de uma mulher belíssima, de pele muito branca e de cabelos longos e, logicamente, dourados (naturalmente um fantasma), que era (ou é) avistada em mictórios públicos. Apareceria (ou aparece) quando a pessoa, a vítima escolhida, está sozinha nesses locais. Afirma-se que a tal da loura cega o infeliz que ousar encará-la. Quem me contou, jura que essa assombração existe. Justifica dizendo que aparece em banheiros porque foi num deles que ela cometeu suicídio (há versões que dizem que foi assassinada).
Quem nunca ouviu falar do tal ET de Varginha? Pois é, trata-se de lenda urbana. Na cidade paulista de Jarinu, o “causo” mais popular é o que se refere a supostos lobisomens. Houve época em que seus moradores, em sua maioria, ficavam sumamente incomodados com essas narrativas. Como, porém, não adianta jamais remar contra a maré... a cidade se curvou ao inevitável e “adotou” essa lenda. Foi mais longe. Criou o “Festival do Lobisomem”, que atrai, anualmente, um bom número de turistas para lá.
Leio, na enciclopédia eletrônica Wikipédia, mais algumas lendas urbanas, muitas das quais não conhecia. Essa fonte cita, por exemplo, o caso do “Demônio de Jersey”. A população dessa localidade dos Estados Unidos afirma que quando uma mulher (provavelmente Deborah Smith) deu à luz ao 13º filho (tinha que ser o número 13!), invocou o diabo. Por causa dessa invocação, o recém-nascido foi transformado em uma criatura horrenda, demoníaca e voadora. Muitas pessoas da localidade juram, de pés juntos, que a história é verídica. Ingênuos e supersticiosos há em tão grande quantidade quanto as areias das praias. Há sempre quem acredite (e não são poucos) e espalhe esse tipo de coisa. Claro, acrescentando indefectíveis detalhes, muito diferentes da narrativa original.
Outra lenda urbana citada pela Wikipédia (e que até foi levada às telas do cinema e que anos mais tarde chegou ao Brasil, com algumas adaptações), é a da “Gangue do Palhaço”. A fonte explica que ela “começou quando um jornal lançou uma série sobre crimes, e citou um palhaço americano que nos anos 60 assassinava crianças. Então começou a ser passada adiante a lenda de que um palhaço de Osasco roubava órgãos em uma Kombi azul”.
Cheguei a ouvir essa última versão, repleta de detalhes. E quem me contou (cujo nome, por razões óbvias, prefiro omitir) , assegurou que tinha muitas testemunhas (chegando a citar nominalmente um punhado delas) que atestariam a veracidade do “fato”. Fato? Não! Legítima lenda urbana!!! Fingi que acreditei, claro, para não perder o amigo. E você, caro leitor, qual sua lenda urbana predileta?
Pedro J. Bondaczuk
A sabedoria popular cunhou um dito segundo o qual “quem conta um conto, aumenta um ponto”. Ou seja, quem narra alguma história que ouviu alhures jamais a reproduz rigorosamente igual à narrativa de sua fonte primitiva. Sempre acrescenta algum detalhe pessoal, às vezes até de forma inconsciente, que a modifica um pouco ou muito, conforme o caso. Não raro, essas modificações são tão profundas, que do “causo” original não resta praticamente nada. Esse contador de segunda, terceira ou sabe-se lá qual mão, conta uma história absolutamente nova, que talvez só lembre, posto que muito remotamente, a que um dia ouviu e muitas vezes nem isso.
São assim que nascem o que se convencionou chamar de “lendas urbanas”. Os enredos podem ter, e têm, diversas características. Ora são histórias de assombrações, ora de lobisomens, ora de animais que falam, ora de figuras misteriosas que atacam pessoas incautas e vai por aí afora. São raros os que nunca ouviram (ou que jamais contaram) em rodinhas de amigos esse tipo de “causo”. Quem os ouve, mesmo que naquele momento em que tais histórias são narradas ridicularize quem as narra, mais cedo ou mais tarde, quando surgir oportunidade para isso, as irá reproduzir. E, claro, acrescentando sua contribuição pessoal, acrescentando um ou vários detalhes novos.
Essas lendas urbanas são um “prato cheio” para os escritores. Inúmeros romances, mundo afora, as reproduzem, na boca de personagens, para darem um clima de verdade, ou melhor, de verossimilhança às próprias narrativas. Há, até, quem por capricho, colecione essas histórias. Sei de um amigo que já conseguiu reunir 480 delas e jura que tem quase o mesmo tanto à espera de tempo para serem digitadas e arquivadas na memória de seu computador. Não duvido.
A existência de lendas urbanas, é bom que se frise, não é fenômeno apenas brasileiro, longe disso. O que é esse zum-zum-zum em torno do suposto monstro do Lago Ness, na Escócia, por exemplo, se não uma lenda urbana que ganhou foros de verdade? Ou que é a suposta existência do tal do Pé Grande? Hoje as coisas estão mais sofisticadas. Há uma infinidade de histórias, não raro narradas pelos próprios supostos protagonistas, dando conta de contatos imediatos com seres extraterrestres (de cuja existência não há uma única e reles prova ou sequer evidência), de abduções, de viagens a outros planetas ou a outras dimensões e vai por aí afora. Claro que não passam de lendas urbanas que, aliás, tendem a se multiplicar.
Quase sempre, essas narrativas são feitas com tamanha convicção, arrolando, até mesmo, supostas testemunhas, que findam por convencer até os mais céticos dos céticos, principalmente se forem um tantinho supersticiosos e não tenham, digamos, mente cartesiana, que raciocine, rigorosamente, nos padrões da fria lógica.
Quem, quando criança, não se assustou algum dia com a ameaça feita pelos pais, ou por irmãos mais velhos, ou pelas tias, diante da possibilidade de ser seqüestrado pelo “velho do saco”, caso saísse à rua para brincar com outras crianças, sem a devida autorização? Cansei de ouvir isso em minha meninice. E, por bom tempo, acreditei nessa lenda urbana. Como não acreditar naquela ocasião? Não havia como.
Querem outra, muito popular? Pois bem, cito a da loura do banheiro, que, aliás, tem infinitas versões. A que eu ouvi é que se tratava (ou se trata, pois muitos crêem e até juram que ela continua agindo) de uma mulher belíssima, de pele muito branca e de cabelos longos e, logicamente, dourados (naturalmente um fantasma), que era (ou é) avistada em mictórios públicos. Apareceria (ou aparece) quando a pessoa, a vítima escolhida, está sozinha nesses locais. Afirma-se que a tal da loura cega o infeliz que ousar encará-la. Quem me contou, jura que essa assombração existe. Justifica dizendo que aparece em banheiros porque foi num deles que ela cometeu suicídio (há versões que dizem que foi assassinada).
Quem nunca ouviu falar do tal ET de Varginha? Pois é, trata-se de lenda urbana. Na cidade paulista de Jarinu, o “causo” mais popular é o que se refere a supostos lobisomens. Houve época em que seus moradores, em sua maioria, ficavam sumamente incomodados com essas narrativas. Como, porém, não adianta jamais remar contra a maré... a cidade se curvou ao inevitável e “adotou” essa lenda. Foi mais longe. Criou o “Festival do Lobisomem”, que atrai, anualmente, um bom número de turistas para lá.
Leio, na enciclopédia eletrônica Wikipédia, mais algumas lendas urbanas, muitas das quais não conhecia. Essa fonte cita, por exemplo, o caso do “Demônio de Jersey”. A população dessa localidade dos Estados Unidos afirma que quando uma mulher (provavelmente Deborah Smith) deu à luz ao 13º filho (tinha que ser o número 13!), invocou o diabo. Por causa dessa invocação, o recém-nascido foi transformado em uma criatura horrenda, demoníaca e voadora. Muitas pessoas da localidade juram, de pés juntos, que a história é verídica. Ingênuos e supersticiosos há em tão grande quantidade quanto as areias das praias. Há sempre quem acredite (e não são poucos) e espalhe esse tipo de coisa. Claro, acrescentando indefectíveis detalhes, muito diferentes da narrativa original.
Outra lenda urbana citada pela Wikipédia (e que até foi levada às telas do cinema e que anos mais tarde chegou ao Brasil, com algumas adaptações), é a da “Gangue do Palhaço”. A fonte explica que ela “começou quando um jornal lançou uma série sobre crimes, e citou um palhaço americano que nos anos 60 assassinava crianças. Então começou a ser passada adiante a lenda de que um palhaço de Osasco roubava órgãos em uma Kombi azul”.
Cheguei a ouvir essa última versão, repleta de detalhes. E quem me contou (cujo nome, por razões óbvias, prefiro omitir) , assegurou que tinha muitas testemunhas (chegando a citar nominalmente um punhado delas) que atestariam a veracidade do “fato”. Fato? Não! Legítima lenda urbana!!! Fingi que acreditei, claro, para não perder o amigo. E você, caro leitor, qual sua lenda urbana predileta?
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