Flagelos moçambicanos
Pedro J. Bondaczuk
A população moçambicana, talvez a mais pobre e desassistida do mundo, vive, na atualidade, dois grandes flagelos, entre outros tantos de menores proporções, possivelmente correlacionados: a fome e a violência.
Não faz muito, entidades internacionais de assistência alertaram que se algo não for feito para socorrer esse país, cerca de 4 milhões de pessoas poderão vir a morrer de inanição até dezembro próximo. Essa catástrofe humanitária, ao contrário da ocorrida há dois anos no sofrido continente africano, quando 33 comunidades nacionais estiveram ameaçadas, não estaria vinculada, como então, a nenhum desarranjo da natureza, como a seca, por exemplo.
A causa seria a terrível guerrilha de direita, a Renamo, que aterroriza o Sul de Moçambique e impede que a terra seja cultivada nessa região. E, claro, quem não planta, também não colhe. Não bastasse isso, em apenas 30 dias, os guerrilheiros efetuaram três grandes massacres em duas províncias sulistas, o que resultou na morte de cerca de 600 desamparados e indefesos civis.
Essa é a grande tragédia moçambicana que, além do país ser, sob todos os parâmetros econômicos e sociais, um Estado inviável, ainda é discriminado, por quem poderia (e deveria) ajudar, por razões ideológicas. Seu regime é marxista e, certamente, só consegue socializar, na verdade, a sua imensa miséria. Não há mais nada que possa, deva ou mereça ser socializado ali.
A renda per capita dos moçambicanos é algo deprimente e absurdo. É de irrisórios US$ 150 anuais, o que, convertido em cruzados, perfaz Cz$ 7.500 por ano, ou Cz$ 587,50 mensais! Ou seja, o equivalente a um quarto do nosso miserável salário-mínimo.
Mas o quadro é muito, muitíssimo mais trágico. Moçambique detém um dos maiores índices de analfabetismo do mundo, com 80% dos seus cidadãos não tendo acesso à instrução e, portanto, sem condições de obter informações, as mais elementares que sejam.
A mortalidade infantil atinge a 110 bebês para cada mil nascimentos, elevadíssima, por qualquer padrão de medida que se adote. A expectativa de vida do moçambicano é de 44 anos para os homens e 47 para as mulheres. E isso, em condições normais, sem que seus habitantes sejam vitimados pela violência política.
Para complicar tudo, o país tem uma dívida externa de US$ 2 bilhões, apenas com o Ocidente, com o qual não mantém freqüente relacionamento, sem computar o que deve para o Leste europeu, estimado no triplo desse valor. Trágico, não é mesmo?
E o pior de tudo é que, apenas o que se gasta em 5 minutos, no mundo todo, no comércio de armas, daria para reverter esse quadro desolador em Moçambique. Que coisa estúpida é essa barreira que os homens criaram, desde o século XVIII, chamada “ideologia”!
Antes, os motivos de discriminação de um povo, por outro, eram os religiosos. E de erro em erro, de tragédia em tragédia, o vulgo Homo Sapiens vai mostrando a sua verdadeira face: a do único animal da natureza que atenta contra a própria espécie por razões que não sejam as de sobrevivência. O ser humano ainda tem muito que aprender a seu próprio respeito!
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 20 de agosto de 1987).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A população moçambicana, talvez a mais pobre e desassistida do mundo, vive, na atualidade, dois grandes flagelos, entre outros tantos de menores proporções, possivelmente correlacionados: a fome e a violência.
Não faz muito, entidades internacionais de assistência alertaram que se algo não for feito para socorrer esse país, cerca de 4 milhões de pessoas poderão vir a morrer de inanição até dezembro próximo. Essa catástrofe humanitária, ao contrário da ocorrida há dois anos no sofrido continente africano, quando 33 comunidades nacionais estiveram ameaçadas, não estaria vinculada, como então, a nenhum desarranjo da natureza, como a seca, por exemplo.
A causa seria a terrível guerrilha de direita, a Renamo, que aterroriza o Sul de Moçambique e impede que a terra seja cultivada nessa região. E, claro, quem não planta, também não colhe. Não bastasse isso, em apenas 30 dias, os guerrilheiros efetuaram três grandes massacres em duas províncias sulistas, o que resultou na morte de cerca de 600 desamparados e indefesos civis.
Essa é a grande tragédia moçambicana que, além do país ser, sob todos os parâmetros econômicos e sociais, um Estado inviável, ainda é discriminado, por quem poderia (e deveria) ajudar, por razões ideológicas. Seu regime é marxista e, certamente, só consegue socializar, na verdade, a sua imensa miséria. Não há mais nada que possa, deva ou mereça ser socializado ali.
A renda per capita dos moçambicanos é algo deprimente e absurdo. É de irrisórios US$ 150 anuais, o que, convertido em cruzados, perfaz Cz$ 7.500 por ano, ou Cz$ 587,50 mensais! Ou seja, o equivalente a um quarto do nosso miserável salário-mínimo.
Mas o quadro é muito, muitíssimo mais trágico. Moçambique detém um dos maiores índices de analfabetismo do mundo, com 80% dos seus cidadãos não tendo acesso à instrução e, portanto, sem condições de obter informações, as mais elementares que sejam.
A mortalidade infantil atinge a 110 bebês para cada mil nascimentos, elevadíssima, por qualquer padrão de medida que se adote. A expectativa de vida do moçambicano é de 44 anos para os homens e 47 para as mulheres. E isso, em condições normais, sem que seus habitantes sejam vitimados pela violência política.
Para complicar tudo, o país tem uma dívida externa de US$ 2 bilhões, apenas com o Ocidente, com o qual não mantém freqüente relacionamento, sem computar o que deve para o Leste europeu, estimado no triplo desse valor. Trágico, não é mesmo?
E o pior de tudo é que, apenas o que se gasta em 5 minutos, no mundo todo, no comércio de armas, daria para reverter esse quadro desolador em Moçambique. Que coisa estúpida é essa barreira que os homens criaram, desde o século XVIII, chamada “ideologia”!
Antes, os motivos de discriminação de um povo, por outro, eram os religiosos. E de erro em erro, de tragédia em tragédia, o vulgo Homo Sapiens vai mostrando a sua verdadeira face: a do único animal da natureza que atenta contra a própria espécie por razões que não sejam as de sobrevivência. O ser humano ainda tem muito que aprender a seu próprio respeito!
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 20 de agosto de 1987).
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